Tenho lido vários artigos escritos por adeptos do espiritismo tradicional, ou seja, aquele derivado da codificação feita pelo professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido pelo pseudônimo que adotou, ou seja, Alan Kardec.

Nesses artigos, percebe-se uma grande preocupação dos articulistas em desvincular o espiritismo, como religião e doutrina, de interpretações que buscam explicar os fenômenos espirituais pelas descobertas feitas pela física quântica.

A preocupação dos espiritistas conservadores tem procedência. Afinal, o espiritismo tornou-se uma religião, que na sua fundamentação filosófica, procura oferecer ao seu seguidor um caminho de aperfeiçoamento espiritual diferente dos que são oferecidos pelas demais religiões, que se baseiam unicamente nas intuições pessoais de seus fundadores e seguidores. Nesse sentido, seus praticantes dizem que sua religião se reveste de princípios científicos, pressupondo-se que seu codificador, e depois dele, seus seguidores, tenham feito experimentos que permitem classificá-la como científica, ainda que os cientistas refutem essa possibilidade, já que, até hoje, não há prova concreta da existência do chamado mundo espiritual.

 

Na verdade, o espiritismo, tal como foi concebido por seu codificador, sofreu uma sensível influência das teorias evolucionistas inauguradas por Charles Darwin. Como a filosofia da época em que Alan Kardec começou seu estudos estava profundamente influenciada pelo positivismo – que só aceitava os pressupostos que pudessem ser submetidos aos métodos científicos de comprovação - os adeptos dessa doutrina tiveram que buscar em pesquisas e modismos da época (a maioria pseudocientíficos) algumas fundamentações teóricas que pudessem colocar a sua crença dentro de condições aceitáveis para o rigor científico que se exigia para qualquer realização intelectual sobreviver no difuso mundo da cultura de então. Nessa lavra encontraremos teorias sobre magnetismo, medicina natural e até elementos do socialismo utópico, no sentido de dar contornos lógicos a temas como reencarnação, solidariedade, harmonia e caridade, que estão no cerne da doutrina espírita.

 Destarte, esses eram temas muito caros ao sentimento religioso europeu do século XIX, que integravam conceitos como o monoteísmo, a justiça divina, a imortalidade da alma, o destino escatológico do universo, etc. A inserção desses conceitos no espiritismo buscou torná-lo aceitável para uma mentalidade positivista. Nesse sentido é que ele nos aparece bastante próximo do evolucionismo proposto por Darwin em sua obra, porque faz com que as almas individuais, as sociedades, as ciências e as religiões também se submetam a um processo de aperfeiçoamento ao longo do tempo, até atingir um estado ideal. Algo semelhante ao que o filósofo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin viria a desenvolver para a própria espécie humana em seu famoso tratado de antropologia, publicado no livro “O Fenômeno Humano”.

Assim, na cadeia universal do desenvolvimento cósmico, o espiritismo constituiria um passo evolutivo na história da filosofia, da ciência e das religiões, eliminando desse campo cultural o caráter pseudocientífico que fazia os positivistas torcer o nariz para todas as experiências metafísicas.

Em sua obra “O que é o Espiritismo?”, Kardec afirma que suas experiências com os fenômenos espirituais têm paralelos com a teoria eletromagnética da Física. Essa teoria, como se sabe, foi desenvolvida para explicar a origem e a aplicação dos fenômenos elétricos, dando como resultado o extraordinário desenvolvimento econômico e social proporcionado pelo uso da eletricidade.

Evidente que essa afirmação nunca foi aceita pela ciência oficial, dada a absoluta falta de provas materiais. Mas garantiu ao espiritismo uma grande aceitação entre aquelas pessoas que procuravam uma doutrina mais coerente com suas próprias crenças positivistas.

 

Foi, pois, a própria pretensão de Kardec e alguns de seus seguidores que deram motivo a alguns estudiosos para ligar os pressupostos do espiritismo com as descobertas da física quântica e começar a fazer ilações que hoje preocupam os praticantes mais tradicionais dessa doutrina.

Na opinião destes últimos, o espiritismo é uma religião e como tal, não pode ser submetida aos métodos da ciência, pois esta está circunscrita ao mundo material, profano e passível de conhecimento pela inteligência humana, enquanto a religião pertence a um mundo sobrenatural, sagrado e inconcebível pela nossa mente, e que só pode ser atingido por um estado superior de consciência chamado de iluminação.

Destarte, dizer que os fenômenos espirituais podem ser explicados pela física quântica é desvalorizar o espiritismo em seus valores sacros, trazendo para o mundo da matéria um conteúdo que é essencialmente transcendental.

É que a física quântica estuda o comportamento da matéria em escala microscópica (o átomo e seus componentes). Grosso modo, podemos dizer que ela é o estudo da origem da própria matéria, ou seja, da energia que lhe dá origem. Esse estudo tem como base experimentos feitos a pouco mais de um século pelo físico Max Planck e se baseia na descoberta de que a troca de energia entre sistemas atômicos só podem ocorrer em múltiplos de um determinado valor, que é chamado “quantum”, ou seja, uma indeterminada quantidade de energia. Essa energia se manifesta ora em forma de partículas, ora em forma de ondas, apresentando estranhas propriedades, como a ubiquidade (estar em dois locais ao mesmo tempo), a vacuidade (não-localização) e outras bizarrices que fazem os mais imaginativos estudiosos dessa matéria pressupor que estão na presença daquilo que os sensitivos chamam de mundo espiritual.

Essas interpretações ganharam corpo com as publicações de Jack Sarfatti e Fritjof Capra, dois físicos teóricos que criaram, na Califórnia, o Fundamental Fysiks Group, um círculo informal de debates entre estudiosos dessa matéria para desenvolver e popularizar interpretações místicas da física quântica. Esses debates geraram várias obras do gênero, ligando as descobertas desse ramo da física à temas da cabala, da cosmogonia védica, da filosofia gnóstica e principalmente do espiritismo.

A história nos ensina que a física é uma disciplina que se destina ao estudo das coisas materiais, das partículas sub-atômicas e das leis que regem o universo. O mundo espiritual nunca foi objeto de seus estudos, já que estes sempre ficaram confinados no âmbito da religião e da filosofia. A codificação do espiritismo no século XIX, feita por Alan Kardec, não mudou essa situação, embora, como foi observado no início deste texto, ele e alguns de seus seguidores tenham tentado dar fumos de positivismo á doutrina espírita.

A física moderna ainda hoje ignora e muitas vezes é até adversa à idéia de que possa existir uma parte espiritual nesse ramo da ciência. Uma possível interação entre o mundo da matéria e o mundo espiritual continua sendo descartada pela comunidade científica como algo digno de ser investigado. Além disso, as constantes fraudes apuradas nessa área têm contribuído ainda mais para que uma disposição contrária ao estudo da fenomenologia espiritual persista entre os estudiosos dessa matéria.

Neste contexto não é difícil entender porque pesquisas na área de física quântica (ou em qualquer outra área da física) e espiritismo não são realizadas com seriedade. Além das dificuldades experimentais que se apresentam numa pesquisa dessa ordem, o cientista que se aventurar nessa nova área do conhecimento certamente terá grandes dificuldades para obter recursos financeiros e o suporte logístico necessário para a realização do seu trabalho. Daí, podemos dizer que não existe, hoje, qualquer resultado científico que estabeleça alguma relação provável entre mecânica quântica e espiritismo, ainda que alguns autores tenham procurado estabelecer essa relação como se fosse uma verdade comprovada. Artigos dessa natureza só podem ser considerados no seu valor especulativo.

Entretanto, isso não quer dizer que seja improvável uma relação entre o plano físico e o plano espiritual. Se o universo (como o próprio vocábulo designa) é uno, então estamos falando de planos diferentes de existência, mas que pertencem à uma mesma realidade. Alguns fenômenos mediúnicos de natureza física, como materialização e telecinese, por exemplo, são realizações provadas no plano da realidade objetiva e um dia serão explicados pelas teorias da física vigente. Dentro dos contornos da lei de gravitação teremos também a explicação do fenômeno das mesas girantes e a órbita elíptica dos planetas. Da mesma forma, não é ousadia supor que as mesmas leis físicas que governam as interações dos elementos básicos da matéria possam, no futuro, explicar os fenômenos de materialização já reproduzidos em laboratório. Assim, se a mecânica quântica ou a teoria da relatividade ou qualquer outra teoria da física moderna desenvolverão, no futuro, ferramentas e modelos capazes de descrever esses fenômenos, é algo que podemos esperar que aconteça, sendo a inteligência humana o que é.

 

Destarte, os praticantes do espiritismo tradicional, que veem a sua prática como uma religião e sentem que ela está sendo desvalorizada pelo conteúdo materialístico que lhe está sendo dado pelos imaginativos adeptos da teoria quântica, não devem se preocupar demasiadamente. Como diz um eminente cabalista, o universo é criado pela manifestação da potência do seu Criador. Essa potência está presente principalmente na vontade humana. Por isso, quando o justo deseja, ele pode criar um mundo”. Tudo é passível de conhecimento pela inteligência do ser humano. Inclusive o mundo espiritual, porque se trata de um mundo manifestado por Deus juntamente com o plano material, ou seja, ele está sujeito às mesmas leis que o Criador colocou no processo de criação universal. Só há um território em que a mente humana jamais poderá penetrar: é o plano divino, onde somente o próprio Criador pode conceber.

A possibilidade de que o mundo espiritual possa ser desvelado pela física quântica é algo que está dentro da realidade concebível. Até porque, se o mundo espiritual existe é porque ele foi “pensado” pela mente humana. E tudo que a mente humana concebe tem possibilidade de existência no mundo real. Em nada as ilações das pessoas que procuram explicar os fenômenos espirituais através das leis da física quântica desvalorizam o espiritismo como religião, porque ela, na verdade, é uma doutrina de aperfeiçoamento do ser humano, que prega, acima de tudo, um extremado amor pelo bem, pelo justo e pela virtude, como caminhos para uma volta triunfal da nossa alma ao núcleo gerador, de onde um dia ela veio, como partícula de energia expelida pelo próprio Criador. E nesse sentido, o espiritismo revelado pela física quântica talvez possa ser a religião do futuro.