Não se esqueça de você

Não se esqueça de você. Porém, não esse "você" que pensas ser; não é este que concluístes por referências fora de ti, nem tão pouco aquele que te dizem ser. Estes todos, em partes é o caminho ou a ponta do laço a desfazer-se para dar-se conta do fio em continuidade. Você, talvez seja o fio, do começo ao fim. E talvez, ele esteja por nascer.

Talvez este outro "você", não seja ainda; não vê, não ouve e por isso dorme e apenas recolhe o que lhe é comparável, externamente. E este é o percurso nesse agora e acorda-lo, nem sempre é caminho imperturbável. Mas para saber de um rio, é preciso atravessa-lo. Então, lembrar faz um pouco o papel de impulso, nesses passos vacilantes.

Acordar, requer o fervilhar das águas, o revirar da terra, o soprar dos ventos e o alimentar das chamas. E disso o reinventar de outro elemento em ti mesmo; novo, nascido, puro e não mais inventado, recoberto, nebuloso, frágil na condição de se desfazer a qualquer sopro de dentro, dizendo-te: não, não sou você.

Pra quê tanto pensar, tanto dizer? Onde estão tuas mãos, no realizar, no fazer que não apenas te revela, mas te denuncia?

Onde foram parar as experiências que te envergonham, te remete a frágil segurança que te veste, mostrando-te que tuas forças estão em outro lugar?

Para quê esse chão de sólidos tijolos construídos tentando encobrir as águas que te deixam à deriva? Não seria o mar que te põe perdido aquilo que realmente aproxima-se do que em ti sentes, como você? Para quê desenhar contornos ao indefinido, incerto e encoberto aos teus olhos, nesse momento? O que temes quando não vê, não controla, não pode, não define?

Não consegues ver teus caminhos logo a frente porque esses grãos que preenchem tuas mãos, no agora, os mesmos escorrem devagar, silentes e por isso, aos teus "olhos adiante", estes grãos são imperceptíveis. Veja-os. Não construas na areia aquilo que parcialmente, defines como "você" ou o que pensas ver. Não, não serás porque é, agora, esse é o sempre.

Revisite o teu lar e observe cada recanto, cada móvel, sinta os aromas, as cores, os adornos por ti ali deixados. Quanto disso encontra-se empoeirado e quanto de ti recebeu as mãos e no brilho revela tua presença ao cuidar? E não penses que isto seja no sentido figurado da palavra, não.

Aquele que na concretude dos atos vê a si mesmo, reconhece-se também em outras dimensões. Alcance você por onde tocas, pois, teus dedos se alongam para além do que a visão consegue te dizer. Quando saíres das ideias que te fazem voar e pousares na imensidão do teu lar concreto e real como "o senhor" do mesmo, saberás que não era apenas de polaridades o que é dito, mas sim de ti, inteiro. E quem sabe nisso, poderás sentir um pouco do aroma daquilo que pode-se supor, ser você.

É... lições, não se doa, se realizam. Por isso, cabe nesse agora dizer como em início recorremos ao teu olhar: não, não se esqueça de você!

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Kátia de Souza - 17/10/2021

Kátia de Souza (psicoescritora)
Enviado por Kátia de Souza (psicoescritora) em 20/10/2021
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