O divino, o tempo e Legião Urbana
No mundo grego, haverá uma tentativa de compreender "o tempo" talvez e de certa forma, mais eficiente que em outras civilizações. Elaborou se duas Ideias sobre o problema: o tempo cronológico baseado no mito/história do deus Cronos que é considerado o mais novo dos seis poderosos titãs que pertenciam a primeira geração de seres divinos, filho caçula de Urano (representação do céu) e de Gaia (personificação da terra). Cronos engolia a todos os seus filhos com medo de ser destronado, assim como ele havia feito com o seu pai, Urano. Esta divindade estabelece horas, dias, meses, anos... a ideia é que somos a todo momento engolidos por ele ou castrado por sua foice. Temos também o tempo Kairos. Este tempo é vivenciado e acontece dentro de uma cronologia, Mas em suma, é aquilo que fazemos com o primeiro, ou seja, é o tempo aproveitado, curtido, vivido, não desperdiçado. É o momento. Na filosofia greco-romana, Kairós é a experiência do momento oportuno. Os pitagóricos consideravam Kairós como "oportunidade". Kairos é o tempo em potencial, tempo eterno e não linear, enquanto Cronos é a medida linear de um movimento ou período. No entendimento do Nietzsche, filósofo alemão do XIX, sobre o tempo não linear, devemos viver de tal maneira que se um deus bagunceiro nos perguntasse se queríamos viver eternamente, outra vez, mais uma vez, mais 4 vezes esta mesma vida, dizendo ser isto um castigo; devíamos responder que sim. QUEREMOS! Pois DEVEMOS Vivenciar o Kairos de forma intensa, expressiva, excessivamente e vigorosamente. Dentro do Cronos haverá pouco espaço para as realizações, para o festejar da vida, para os filhos, para o amor, para a paixão, para a contemplação e ócio produtivo, para a coisa espiritual e divina - Levando se em conta que na Teologia o Kairos é o tempo dos deuses. Cronos nos engole e nos faz engolir a comida sem que venhamos sentir o seu sabor, seu tempero, sem que venhamos perceber o trabalho de quem a fez, da cozinha, do garçom, da Fazenda, da plantação, da chuva que a regou. O Cronos não nos deixa perceber, Como diria Tales de Mileto que "Todas as coisas estão cheias de deuses", estão mergulhadas em um Kairos. Cheias de vida, de valor, de beleza e em especial, dirá W. Jaeger, "Tudo estará cheio de misteriosas forças vivas...tudo tem uma alma".
Tudo é, Tudo é animado, Tudo é vivo, dinâmico. Tudo terá, num certo sentido, participação na vida do homem e o homem participa da vida do cosmo. Então só resta ao homem a "condenação" do viver da melhor maneira e com intensidade cada instante, cada momento, cada saída ao banco para pagar a mesma conta do mês anterior e do outro mês, dos anos e décadas. Que seja o café desta manhã ou desta tarde, o café dos nossos sonhos, mesmo que amargo ou fraco, sem açúcar ou doce em exagero, é a experiência da eternidade naquele café, naquele ato, naquela hora. No exato momento em que o café saiu do recipiente, caiu na xícara e foi levado a boca, ali estava a junção dos objetos e dos seres, daquele que fez o recipiente, daquele que plantou e colheu o café, da engenharia da açúcar em seus canaviais, do boia-fria, do transporte, do caminhoneiro, das estradas, rodovias, fiscalizações, do empacotar, do estoquista, do repositor, da prateleira, do caixa, do ministro da economia e de seus arranjos técnicos até chegar o preço final. Tudo estará interligado e cheio de vida. Cheio de significados e histórias. É possível imaginar a História do estoquista que se misturou com a historia do boia fria. É possível imaginar o tempo que levou toda a produção. A água daquele Rio, da fonte, as pedras pelo trajeto. É necessário imaginar a água usada naquele café, daquela manhã, daquele local, servido por aquele balconista. Sim. Todas as coisas estão cheias de deuses. É o tempo este divinal separador e ajuntador de corpos, coisas e histórias. Este preciso impreciso precioso. Amigo e inimigo. Também chamado de Quensu no Egito, cujo significado é “viajante", nada mais propício. No Hinduísmo, Cala é um deus do tempo, sendo o primeiro dos deuses, criador dos céus e da terra e curiosamente o nome do deus da morte. Nossa! Magistral. Ele é o início e o fim. Vida e morte!
A História é um tratado sobre o tempo, e a nossa História, a do Ocidente, é baseada numa cronologia teológica cristã. Temos, então, que perpassar como essa relação fundamenta a compreensão do tempo pelo cristianismo e de como ele estará em todos os detalhes da vivência cristã. Sendo o primeiro ponto de destaque, a percepção de que a pratica da fé professada é realizada na História, na qual Deus tem o poder de intervir a favor ou contra. Um Deus histórico que tem o controle do tempo, não estando fora dele, O que nos leva ao apontamento que se faz sob a perspectiva do tempo como aquele que se encontra em movimento permanente, por isto não estático mas em unicidade com Deus excluindo toda possibilidade de medições: passado, presente e futuro. Dentro desta complexidade, Agostinho irá tentar nos ajudar alocando o tempo, não de forma fixa, em um espaço onde o homem seja capaz de conhece-lo: "talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras."
Posso afirmar que perder tempo nada mais é que perder o divino que habita em nós:
Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo
Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder
Nosso suor sagrado
É bem mais belo
Que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem! Selvagem!
Selvagem!
Veja o sol
Dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega
É da cor dos teus olhos
Castanhos
Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo
Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens
Tão jovens! Tão jovens!
(Renato Junior Manfredini - Renato Russo)