Não é fácil ser ateu

Muitos cristãos vivem a dizer que os ateus são pessimistas e que existe muito preconceito contra os cristãos, especialmente nas mídias sociais e que, quando os ateus são militantes, eles costumam desrespeitar e atacar os cristãos. Embora admitamos que isso existe, pois existe de tudo, precisamos alertar para o fato de que os ateus militantes são uma minoria e a maior parte dos que fazem militância ateísta não ataca os cristãos, limitando-se a apontar as incongruências das crenças religiosas em canais do Youtube, sites da Internet ou mesmo redes sociais. Na verdade, a maior parte dos ateus quer viver em paz sem ser incomodada, mas isso é difícil devido aos inúmeros preconceitos que existem contra os que não professam fé em nenhuma divindade.

Se um ateu ou agnóstico ataca quem tem uma crença religiosa, ele está errado, claro, mas precisamos entender que nem todos os ateus ou agnósticos agem dessa forma. Não podemos achar que todos os ateus são desrespeitosos para com quem tem crenças por causa de uma minoria militante que zomba de Cristo ou da Virgem Maria, por exemplo. Então, façamos uma analogia. É correto achar que todos os muçulmanos são terroristas radicais? Não. Assim como não podemos pensar que todo muçulmano é terrorista, não podemos generalizar quanto aos ateus, dizendo que todos eles são pessimistas, materialistas e desrespeitam quem professa qualquer fé.

Certas vezes, a hostilidade dos ateus com relação aos católicos deriva de um comportamento arrogante desses últimos quando querem limitar as liberdades dos laicos. Por exemplo, na Itália dos anos '70, enquanto o Parlamento aprovava uma lei para permitir o divórcio, os cristãos recolheram as assinaturas para um referendo popular apto a cancelar essa lei, mas perderam nas urnas.

Algo de parecido está acontecendo agora com o problema do suicídio assistido que o Vaticano tenta impedir com todos os meios enquanto a esmagadora maioria dos cidadãos é a favor.

Um outro fator a ser acrescentado acerca dos muitos desentendimentos entre crentes e descrentes, é o fato de muitas vezes as pessoas mais religiosas fazerem muito barulho e quererem se intrometer em assuntos de saúde, jurídicos e educacionais. Recentemente, houve o caso de uma menina de dez anos estuprada por um parente que precisou ser submetida a um aborto porque seu corpo infantil não suportaria a gestação e o trabalho de parto. Organizações religiosas se manifestaram em frente ao hospital chamando a menina de assassina. Podemos dizer que a religião ajudou nesse caso? Simplesmente tratou a vítima de um crime bárbaro como culpada, deixando de levar em conta que se tratava de uma situação grave e urgente e que se deixar levar por ideologias era pura tolice. Também podemos falar sobre como religiosos tentam influir na ciência como no caso em que grupos se manifestaram contra o uso de células-tronco embrionárias para pesquisas no tratamento de doenças e de como religiosos tentam interferir no programa de educação nos Estados Unidos, querendo que se ensine o criacionismo em vez da Teoria da Evolução, que se baseia em pesquisas e estudos. Religião nunca deve se misturar com a educação. Tudo isso faz com que muita gente, especialmente os juristas e cientistas, antipatize com os mais religiosos.

Um outro problema que devemos analisar é como é prejudicial quando a religião tenta interferir na política, chegando a influir na legislação de uma nação. Religião é assunto extremamente privado e grupos religiosos não deveriam nunca ter poder para influenciar nas leis de qualquer Estado. Um bom exemplo é a triste história do matemático inglês Alan Turing, considerado o pai da ciência da computação e da inteligência artificial. Ele prestou grandes serviços ao seu país mas, por ser homossexual, foi submetido a uma castração química. Devido a isso, desenvolveu grave depressão e foi encontrado morto por envenenamento. Embora até hoje não se saiba exatamente a causa da sua morte, a hipótese mais provável é a do suicídio. Antes que alguém diga que não devemos ser contra o Cristianismo, vale lembrar que a Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, condena a homossexualidade, considerando-a uma abominação “aos olhos do Senhor”. No Antigo Testamento, a homossexualidade era punida com a morte e, no Novo Testamento, diz-se que “os efeminados não herdarão o reino dos Céus”. É bom mencionar que, na Idade Média, quem fosse condenado pelo crime de homossexualidade era condenado à fogueira.

Então, nos nossos tempos atuais, é bom que sempre lembremos que somos um Estado laico e que não devemos deixar que nenhuma religião interfira nos assuntos do Estado, educação e ciência. O Estado deve ser totalmente separado da religião. Opiniões religiosas não podem ser fatores preponderantes quando se decide os programas dos currículos escolares nem barrar o avanço científico ou decisões jurídicas.

Soa bastante preconceituoso dizer que todo ateu é pessimista, materialista e que não há perseguição maior do que a sofrida pelos cristãos, ainda mais numa nação como o Brasil, onde cerca de 80% são católicos. É o mesmo que dizer que todo inglês bebe muito, que todas as mulheres são emotivas e passionais e que todos os cisnes são brancos. Vamos ser objetivos. Por acaso, se alguém disser que é católico ou evangélico, será visto com desconfiança? Não. Mas quando alguém diz que é ateu ou agnóstico muitos olham para ele com desconfiança e até duvidam que seja uma pessoa com ética e valores morais por não “ter Deus no coração”.

Não é fácil ser ateu numa nação onde quase todo mundo é religioso. Entre os muitos problemas que os ateus enfrentam, além da desconfiança, estão o aborrecimento de muitos tentarem convencê-los a “voltar para Jesus”, de ouvir frases como “está repreendido em nome de Jesus” e até de escutar que é uma pobre alma “usada pelo diabo.” Algum católico ou evangélico passa por isso? Não vamos falar aqui dos que seguem o espiritismo ou crenças de matriz africana porque destes últimos se diz muito que “seguem ao diabo”.

Há mesmo quem diz que ateus podem até ser boas pessoas, mas que lhes faltariam a santidade e princípios elevados, pois eles, por não orarem, não estariam propriamente revestidos pelo verdadeiro amor cristão. Outra noção errada sobre os ateus é que a bondade deles é relativa visto que eles não seguem princípios religiosos. Como podemos ver, quem afirma isso no fundo defende que quem tem uma religião é uma pessoa melhor, ainda que os fatos e uma simples observação do comportamento das pessoas comprovem que a crença ou descrença em divindades não é um fator determinante no caráter de ninguém.

Alguns religiosos mais radicais, recusando-se a ver além de um ponto de vista limitado, falam que oram pelos irmãos ateus para que eles voltem a andar no bom caminho, mas que os ateus não oram pelos religiosos. Tal afirmação é absurda. É claro que ateus não irão orar para nenhuma divindade já que não creem no Deus bíblico ou qualquer outra divindade. Se eles quiserem fazer o bem a alguém, irão fazê-lo através de atos concretos.

Antes de tachar todo ateu de materialista e pessimista, temos que entender que existem muitos ateus materialistas, é verdade, mas também há ateus bastante humanistas, que valorizam a vida humana acima de tudo, como Bill Gates e Angelina Jolie, que fazem filantropia. Os ateus humanistas, por não acreditarem em divindades, entendem que cabe somente aos seres humanos tentarem fazer do mundo um lugar melhor e como não veem utilidade na oração, preferem agir a rezar.

Outro erro é falar que todos os ateus são pessimistas. O pessimismo não é uma característica necessariamente inerente ao ateísmo, mas ao niilismo, uma corrente filosófica extremamente negativista. Muitos ateus valorizam a vida humana, entendendo que temos que ser felizes aqui e agora.

Falar que o materialismo é supersticioso e anticientífico é um argumento totalmente desprovido de lógica. O materialismo se sustenta principalmente em cima da ciência e na observação do mundo material e é necessário explicar que superstição é uma crença que se baseia em algo sem argumentos racionais ou comprovações científicas. Os materialistas acreditam no que tem existência concreta. Podemos dizer que uma pessoa é supersticiosa quando ela acredita que gatos pretos, o número treze e corujas trazem má sorte. Uma pessoa materialista não irá acreditar em nenhuma dessas coisas, pois não há argumento lógico ou pesquisa científica que prove sua veracidade.

Portanto, paremos de generalizar. Não podemos ir logo fazendo um juízo negativo e superficial de alguém por causa de suas crenças, descrenças o posturas filosóficas. Seria ótimo que todo mundo entendesse que cada pessoa é única e devemos avaliar seu caráter após observar bem suas atitudes. Não é melhor um ateu de bom caráter do que um religioso com péssima índole?