Não estamos vivendo os últimos tempos

“Daquele dia e hora, porém, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só o Pai”

(Mateus, 24:36)

Atualmente, com problemas como a pandemia do coronavírus e alguns desastres naturais, muitas pessoas têm falado muito que estamos vivendo os últimos tempos, isto é, que a humanidade está prestes a ver a segunda vinda de Jesus Cristo. Segundo os que acreditam que realmente estamos nos tempos finais, os sinais mais evidentes seriam a morte, fome, guerras, pestes, desastres naturais e o fato de que os seres humanos estão imorais e não têm amor no coração. Muitas pessoas, ao assistirem aos noticiários, ficam alarmadas ao ver sobre familiares que se matam, comentando que isso é um sinal do fim dos tempos, que seria caracterizado pelo desamor e pela impiedade.

Não são poucos os que falam que em breve estaremos vivendo sob o reinado do Anticristo e muitas teorias da conspiração também falam que seremos obrigados a receber um chip com a marca da besta. Ninguém precisa ter lido a Bíblia para saber que o suposto número da besta seria 666, como consta no Apocalipse, o último livro da Bíblia. Este livro, que teria sido escrito pelo apóstolo João quando este se encontrava exilado na Ilha de Patmos, que fica na extremidade leste do mar Egeu, é talvez o livro da Bíblia que mais suscita discussões e, ao mesmo tempo, desperta medo em muitas pessoas.

Embora haja dúvidas sobre se o apóstolo João (único dos discípulos de Jesus que não foi martirizado) realmente escreveu tal livro, é consenso geral que ele, pelo menos, teve as visões reveladoras que o mesmo contém. Mas seriam estas visões verdadeiras ou fruto de um delírio? Muitas pessoas sentem medo quando se fala no livro Apocalipse, pois entendem que ele se refere a fatos devastadores que aconteceriam antes da segunda vinda de Cristo, sobre a qual se fala nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas.

Há muito tempo, teólogos e cristãos afirmam que Jesus virá uma segunda vez e que devemos estar preparados porque ninguém sabe o dia e a hora em que isso acontecerá já que, como consta em passagens mencionadas nos Evangelhos citados, nem mesmo o Filho sabe quando isso ocorrerá. Somente o Pai saberia. E se diz muito que, nesse dia, o Filho do homem virá como um ladrão e que, quem não quer perder esse momento deve vigiar e orar.

Para começar a esclarecer, vamos primeiro entender o que significa Apocalipse. É uma palavra grega e quer dizer “revelação”. Estudiosos entendem que o apóstolo João, durante seu exílio na ilha, teve as aterradoras visões que resultaram no livro chamado Apocalipse.

Uma passagem do Apocalipse que merece ser avaliada é a dos quatro cavaleiros que surgiram à medida que eram abertos os quatro primeiros selos. Quando se abriu o primeiro selo, surgiu um cavaleiro montado num cavalo branco; depois, um cavaleiro montado em um cavalo vermelho, um num cavalo negro e, por fim, um cavaleiro montado em um cavalo amarelo.

Segundo os que se dedicam a estudar seriamente as Escrituras, o cavaleiro do cavalo branco simboliza o Anticristo, que virá dominar a terra e estabelecer o seu governo. O do cavalo vermelho é o que simboliza a guerra, causando mortes e devastações. O do cavalo negro é o símbolo da fome e, por fim, temos o do cavalo amarelo, que significa morte.

Os últimos acontecimentos que temos vivido têm rendido realmente muitos comentários. Quem acredita na segunda vinda de Cristo vê a pandemia como um sinal de fúria divina e diz que os desastres naturais causados pelo aquecimento global, conflitos armados e tantas famílias desestruturadas mostram que estamos vivendo os tempos finais até que Jesus Cristo volte e os escolhidos sejam finalmente salvos e os ímpios, definitivamente condenados.

Não é incomum vermos pregadores defenderem que precisamos nos converter antes que seja tarde demais e não são poucos os religiosos (católicos e protestantes) que escrevem livros de estudo sobre o Apocalipse e os fatos ocorridos no mundo para apoiar a ideia de que nossos tempos atuais são os tempos finais da humanidade. Conforme estes escritores, nossa época é uma época de desamor e imoralidade e alguns até dizem que o Anticristo já apareceu e está se preparando para dominar a terra.

Muitos pastores e adeptos de teorias apocalípticas e conspiracionistas falam sobre grupos satânicos que controlariam o mundo, como a maçonaria e os Illuminati e também acerca de uma Nova Ordem Mundial, em que um grupo seleto de pessoas poderosas instauraria um governo global totalitário, com uma única moeda, em que todos seriam obrigados a usar o chip com a marca da besta sob pena de morte. Alguns afirmam que o Anticristo iria destruir a família pois ele seria homossexual ou celibatário, já que, segundo os cristãos, a homossexualidade é um grave pecado contra os valores familiares cristãos.

Porém, essas ideias de um governo global totalitário não resistem ao menor raciocínio. Se houvesse realmente um pequeno grupo planejando dominar o mundo, isso seria feito em segredo, com a grande massa populacional sendo mantida na ignorância. Como há tantas pessoas sabendo de detalhes como chip com a marca da besta ou vírus fabricados em laboratórios para controle populacional como estratégia adotada pelos seguidores do Anticristo?

Analisemos também sobre os quatro cavaleiros do Apocalipse que, de acordo com a própria Bíblia e pessoas que acreditam piamente que estamos nos tempos finais, irão trazer desgraças como morte, guerras e pestes. A história da humanidade nunca foi pacífica. Guerras existem desde sempre. Da mesma forma, nós temos enfrentado epidemias e pandemias desde que o mundo existe.

Da mesma forma que muitos veem o coronavírus como um sinal do fim dos tempos, outros viram a Aids, Ebola e H1N1 como sinais do Apocalipse. Entretanto, doenças que assolaram boa parte da civilização têm ocorrido há muito tempo. Basta ler livros de História ou pesquisar na Internet para se informar sobre a peste bubônica, a tuberculose, a hanseníase e a gripe espanhola, que mataram milhões de vidas. E antes não tínhamos os recursos sanitários e os medicamentos de que hoje dispomos.

Analisemos também a questão das guerras. Há quem viva com medo de uma Terceira Guerra Mundial. Porém, as chances de que isso ocorra são remotas. O mundo já atravessou duas grandes guerras e, com certeza, ninguém tem interesse em mais uma grande guerra, pois sabemos bem como as guerras devastam nações e ceifam vidas. E qualquer um que conheça História sabe que a humanidade atravessou várias guerras como a Guerra dos Cem Anos, as Cruzadas e tantas outras. Comparando nosso tempo aos tempos antigos, temos muito menos guerras.

Talvez muitos apontem para os desastres naturais que andam ocorrendo, falando que são sinais da fúria divina. Acontece que o nosso planeta sempre enfrentou problemas como terremotos, enchentes e tsunamis que levaram várias vidas. A Terra teve Idades do Gelo e outros aquecimentos globais. Claro que precisamos estar atentos para o fato de que estamos enfrentando um problema de poluição devido às nossas ações insensatas, só que não podemos atribuir nada de sobrenatural a isso. Cabe a nós mudar nossa forma de agir, entendendo que somos partes da natureza.

Muitas são as pessoas que sentem medo só em pensar na palavra Apocalipse ou em ouvir que Jesus está voltando e muitos são os religiosos (especialmente os evangélicos) que dizem que temos que nos converter antes que seja tarde demais. Quem é ou foi evangélico com certeza deve ter ouvido falar na história do arrebatamento, que é assim: um dia, certas pessoas sumirão porque serão arrebatadas para o Reino de Deus. E, de acordo com muitos pregadores, é preciso que as pessoas aceitem Jesus se não quiserem perder o arrebatamento, pois virão dias terríveis para os que ficarem na terra.

De fato, ouvir falar em Apocalipse e tempos finais assombra muitas pessoas, que inclusive ficam com medo ao pensar na história do Julgamento Final. Os pregadores adoram dizer que o tempo está acabando e que Deus ainda está dando chances à humanidade de se arrepender de seus pecados e que Ele quer que mais pessoas se convertam antes de vir definitivamente julgar os vivos e os mortos.

No final, ficar pregando que Jesus está voltando e temos de nos converter enquanto é tempo não passa de converter pelo medo. É o mesmo que dizer que o navio está afundando e as pessoas têm que garantir o bote salva-vidas antes que seja tarde demais. Só podemos concluir que as pessoas acabam se convertendo por medo e pelo interesse de garantir sua salvação pessoal. Outro ponto a analisar é que Deus, como ser onisciente, saberia de antemão quem vai ou não se salvar. Como Ele ainda está dando chances? A gente dá chances a alguém de se corrigir quando a gente não sabe se essa pessoa se corrigirá.

Quando perguntamos por que Jesus aparentemente está demorando tanto, já que faz mais de dois mil anos que a humanidade espera por sua segunda vinda, os que pregam que Ele em breve voltará dizem que o tempo de Deus não é o nosso e que temos que vigiar e orar, pois Ele virá como um ladrão, quando menos esperarmos. Porém, há algo que é necessário que falemos: os discípulos e seguidores de Jesus esperavam que Ele voltasse logo. Nos Evangelhos de Mateus 24:34, Marcos 13:50 e Lucas 21:32, está escrito claramente : “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas se cumpram.”

Qualquer um que estudou Português na escola sabe muito bem que o pronome demonstrativo este, ao se referir a tempo, refere-se a um tempo próximo. Então, quando Jesus disse “esta geração”, fica facilmente subentendido que Ele queria dizer que era aquela geração, ou seja, a geração das pessoas que o haviam conhecido em vida, que iria vê-lo voltar após se cumprirem os eventos anteriores à sua volta.

E o que tem acontecido? Podem dizer que um sinal da vinda de Cristo estar próxima é o fato de a humanidade estar perversa, mas, na verdade, sempre existiram pessoas perversas e imorais. Guerras, violência, pestes, fome e tantas outras desgraças têm acompanhado a humanidade desde sempre. E, todo ano, aparece um maluco dizendo que o mundo está perto do fim. Mas nunca vemos nenhuma profecia se cumprir. E muitas são as pessoas que afirmam que o mundo está perto do fim e morrem sem ver nenhuma profecia se cumprir.

Vale acrescentar que o Cristianismo não é a primeira nem a única religião que fala em fim dos tempos. Antes do Cristianismo, a mitologia nórdica e o zoroastrismo falavam em tempos finais. Como vemos, a ideia de que um dia os seres humanos irão enfrentar o tempo do fim é bem mais antiga do que a religião cristã.

Falar em fim dos tempos assusta e, ao mesmo tempo, faz muitas pessoas sentirem esperanças de que um dia o bem vencerá o mal. Entretanto, qualquer um que pensar logicamente logo verá que tal ideia não tem fundamento. Na Bíblia, fica muito claro que os que seguiam Jesus esperavam logo a sua volta. E faz mais de dois mil anos que Ele não retorna nem dá sinais de que retornará.