Perigo do Fogo do Inferno

"Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá’, será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco! ’, corre o risco de ir para o fogo do inferno." (Mateus 5.22)

Não só existem muitos hoje que não acreditam no ensino da Bíblia do castigo eterno, como mesmo aqueles que o fazem frequentemente acham o conceito irreal e remoto. No entanto, é uma parte muito importante da fé cristã, por várias razões. Tim Keller (2009) nos explica alguma delas: primeiro, a doutrina do inferno eterno é importante porque Jesus ensinou sobre isso mais do que todos os outros autores bíblicos juntos. Mateus 5.22 é apenas um exemplo, que já seria mais do que suficiente para nos atentarmos para o assunto: Jesus ensinou que aquele que chama seu irmão de “louco” corre o risco de ir para o fogo do inferno.

Keller nos explica que a palavra traduzida como “inferno” é Geena, um vale no qual pilhas de lixo eram queimadas diariamente, bem como os corpos de pessoas sem família que pudesse enterrá-los. Jesus usa esse lixão como uma metáfora para um lugar real onde Deus lançaria pessoas, tanto a alma como o corpo, para destruí-las (Mt 10.28). Esse certamente é um lugar físico, já que as pessoas estarão lá com seus corpos.

Isso não significa que as descrições de Jesus do inferno sejam necessariamente literais. Mas elas transmitem dor e agonia conscientes: o inferno é descrito como vermes perfurando o corpo, fogo, escuridão, choro e ranger de dentes — todas descrições que se encaixam na ideia de dor ou angústia real.

J. Gibson (2010b) nos lembra que vermes e fogo não podem coexistir literalmente, nem podem fogo e escuridão, de modo que o fogo, o verme a as trevas presentes nas descrições bíblicas do inferno podem não ser literais. No entanto, isso não significa que, uma vez que as imagens são simbólicas, elas não significam a realidade. Por sua própria natureza, imagens e símbolos são sempre menos do que sua realidade. Uma placa com a foto de crianças atravessando a rua incentiva a direção lenta e cuidadosa porque aponta para a realidade maior das crianças nas proximidades. O mesmo ocorre com as imagens bíblicas do inferno: elas não devem diminuir nossa visão dele, mas aumentá-la. Saber que o fogo pode não ser literal deve nos assustar mais, não menos.

Pense em como o fogo é doloroso: estremecemos quando uma pequena faísca ou uma gota de gordura quente pousa em nossa pele. Então como deve ser o fogo inextinguível?

Uma forma de atenuar o fogo eterno é uma interpretação completamente minoritária na história da Igreja da “destruição” que acontece ali. Conforme Gibson, a palavra “destruir” em Mt 10.28, que se refere ao que acontece com a alma no Geena, não significa necessariamente uma extinção completa. Em Lucas 15, por exemplo, ela é usada para se referir à moeda perdida e ao filho perdido, o que de modo algum significa aniquilação. Em Mateus 9.17 lemos outro exemplo do uso do mesmo termo: aqui as vasilha “destruídas” rebentam e estragam, mas não deixam de existir.

Outro termo traduzido como “destruição” aparece em II Tessalonicenses 1.9, que diz que aqueles que não obedecem ao Evangelho padecerão “destruição eterna”. Mas o próprio texto explica o que essa destruição significa: “a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder”. A ideia de separação implica uma existência continuada, não uma aniquilação total.

A segunda razão apresentada por Tim Keller para considerarmos o ensino do inferno eterno como importante é que ele nos mostra o quão dependente de Deus nós somos. Para Keller, a grande aflição no Geena não é o fogo literal (já que Satanás e seus demônios não podem ser afligidos por fogo literal), mas a separação eterna de Deus. Estar longe do Senhor é a pior coisa que pode acontecer conosco. Ele é a fonte de toda a vida, alegria, amor, força, beleza e significado. Longe Dele tudo é sofrimento, trevas e morte.

A terceira razão é porque a doutrina do inferno revela a seriedade do perigo de viver a vida por si mesmo. Em Romanos 1–2, Paulo explica que Deus, em sua ira contra aqueles que o rejeitam, os entrega às paixões pecaminosas de seus corações. Isso significa que o pior (e mais justo) castigo que Deus pode dar a uma pessoa é deixa-la simplesmente fazer a sua vontade, já que o desejo de nossa natureza pecaminosa é a independência do Senhor, o que é justamente nossa grande aflição e angústia. O inferno seria, desse modo, Deus nos banindo para o lugar aonde nós desesperadamente queremos ir.

Isso não significa, entretanto, que Deus é passivo quando se trata do inferno, como bem nos lembra Jonathan Gibson (2010a). A Bíblia fala de Deus ativamente lançando as pessoas no inferno (Mc 9.45) e destruindo-as lá (Mt 10.28). De fato, o Geena não é exatamente um afastamento de Deus, como coloca Keller, porque Deus está presente ali para punir, castigar, torturar, fazer sofrer. O inferno não é o reino de Satanás; está sob o governo soberano do Altíssimo.

Por isso, a proposta de que o inferno é escolha nossa e de que ele é uma separação de Deus é apenas meia-verdade. O inferno também é uma escolha de Deus para aqueles que o rejeitam, e também é a manifestação da ira do Senhor sobre eles. A Bíblia não fala do homem se mandando para o Geena, o homem se mantendo no Geena e o homem se castigando no Geena; embora possa haver alguma verdade nessas afirmações, a Bíblia fala sobre Deus mandando o homem para o Geena, Deus o mantendo lá e Deus o castigando.

Uma vez estabelecido o perigo do inferno, resta nos perguntar quem está ameaçado de ser mandado para lá. No texto de Mateus 5.22, Jesus adverte aquele que chama seu irmão de louco. O contexto nos esclarece que essa é uma manifestação verbal de uma ira injusta. Craig Smith (2017) nos explica que toda raiva injusta envolve desvalorizar os outros. Significa tratar a pessoas como se elas não tivessem valor. O assassinato é apenas o extremo desse sentimento: há muitos pecados que não são tão graves, mas carregam esse impulso homicida, essa diminuição que leva à destruição do ser humano criado à imagem de Deus.

Jesus está nos chamando a ser pessoas conscientes do grande valor do ser humano — ou seja, a amar os nossos semelhantes, porque eles são semelhantes a Deus, criados à imagem Dele. O inferno é, portanto, o terrível destino daqueles que não valorizam o ser humano; eles serão eternamente desprezados em agonia e vergonha inimagináveis.

GIBSON, Jonathan. Hell part 1: Is the church still serious about it?. 2010. Disponível em: <http://thebriefing.com.au/2010/06/hell-part-1-is-the-church-still-serious-about-it/>.

GIBSON, Jonathan. Is the church still serious about hell?. 2010. Disponível em: <http://thebriefing.com.au/2010/06/is-the-church-still-serious-about-hell/>.

KELLER, Tim. The Importance of Hell. Redeemer Churches and Ministries, 2009. Disponível em: <https://www.redeemer.com/uploads/RedeemerNewsletter-2008-08.pdf>.

SCHWEITZER, William M. Brimstone-Free’Hell: a new way of saying the same old thing about judgment and hell?. Disponível em: <https://www.firmfoundationpartnership.com/wp-content/uploads/2021/03/Tim-Keller-Hell.pdf>.

SMITH, Craig. Anger Management. 2017. Disponível em: <https://www.missionhills.org/wp-content/uploads/2017/10/HeSaidWhat_Anger-Management.pdf>.