O Caráter do Discípulo de Jesus
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus." (Mt 5.6 e 10)
Conforme Francois Viljoen, em "Righteousness and identity formation in the Sermon on the Mount" (2013), as beatitudes (Mt 5.3-12) formam o exórdio do Sermão no Monte. Beatitudes, como um gênero literário próprio, são profecias religiosas de salvação relacionadas à alegria ou bênção que de alguma maneira implique participação escatológica. Consequentemente, são um tipo de exortação indireta, que induz a uma padrão ético particular, já que promete algo bom para aquele que age de determinado modo.
Diversas tentativas de dar uma estrutura às beatitudes foram apresentadas ao longo da história. Um padrão comum é considerar a primeira, da pobreza de Espírito, como uma porta de entrada para as outras, já que esse despojamento seria necessário para se receber todas as graças de Deus. Viljoen propõe ainda que a repetição da benção "deles é o reino dos céus" nos versículos 3 e 10 formam um inclusio em torno dos versículos 4-9. Isso dividiria as beatitudes em dois grupos de quatro, ambos terminando com uma menção à justiça: "os que têm fome e sede de justiça" (v.6) e "os que sofrem perseguição por causa da justiça" (v.10). Os versículos 11-12 seriam o clímax e a conclusão das oito beatitudes apresentadas.
Na quarta beatitude, Jesus fala metaforicamente de um desejo intenso pela justiça em termos de fome e sede. Essa justiça pode ser entendida como uma invervenção de Deus ou como uma virtude exigida, sendo que o primeiro parece se encaixar melhor com o contexto das beatitudes e com o texto paralelo de Lucas 6.21: "Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis fartos". Apesar disso, podemos inferir que o anseio pela justiça divina se manifesta na virtude pessoal, já que aquele que tem fome e sede de justiça a busca não apenas no exterior, mas no próprio interior também. Na oitava beatitude, Jesus avisa seus discípulos que sua busca pela justiça provocaria resistência dos outros. Aqui, o sentido ético de justiça parece predominar sobre o escatológico.
O tema da justiça continua no Sermão do Monte com o apelo a uma conduta superior à dos escribas e fariseus (Mt 5.20), que confirma a declaração fundamental sobre a validade contínua da Lei (Mt 5.17-19) e é ilustrada por seis exemplos antitéticos (Mt 5.21-47). Essa justiça é descrita em termos de perfeição (Mt 5.48). O tema é continuado no capítulo 6 na advertência aos discípulos de que eles não deveriam praticar a justiça de modo teatral, mas procurar ser reconhecidos e recompensados apenas pelo Pai. Mais adiante, eles são chamados a buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça (Mt 6.33)
Aprendemos dessa ênfase do Sermão da Montanha que a identidade dos discípulos de Jesus é definida pelo desejo e pela prática da justiça, pois Deus é justo; ou seja, ser um seguidor de Jesus é, antes de mais nada, fazer a vontade do Senhor na esperança de que essa vontade seja perfeitamente realizada na terra como no céu.