Apenas um ensaio

A humanidade reflete em suas palavras a "divisão ou cisão" em que se encontra, internamente. Ou talvez poder-se-ia dizer que a psicologia humana tem a natureza de dividir os atributos inteiros da alma. Ou como diria Jung em "O Espírito da Arte e da Ciência" - "reduz" para encontrar sentido.

A inteireza da alma é algo inerente. Não é um jogo de opostos ou contrários, mas uma comunhão de aspectos tão harmônicos que talvez, por isso, seja imensurável. E cabe-nos, desta forma, a árdua tarefa da vivência. Sim, árdua porque não é mensurável e sem isso, o homem passa a viver ou é "levado" a fazê-lo,onde as descrições ou definições, afirmações ou confirmações não traduzem ou mesmo faz sentido. E sinto que é isso que ele chama de silêncio ou nada - apenas é, se expressa, se manifesta. Mas, o homem se apraz com suas "cantorias" ou verdades cantadas, é assim que encontramos sentido. O homem tem dificuldade em só, apenas viver, ser.

Ele traz em si um paradoxo básico eu diria, pois, por ser inteiro e pleno por natureza, a criação traz a ele também nessa inteireza, o vazio. O que seria do inteiro e plenamente preenchido se nele, não coubesse também o vazio? Não seria inteiro. Contudo, a ciência/conhecimento, mesmo que sutil desse vazio, faz do homem esse "buscador" inclemente, esse herói que vai em busca de si mesmo, ou seja, é a partir dessa "energia" que possui o sentido de vazio que o homem, enquanto personalidade, sente-se imprimido à criar, a ser algo que está por nascer, constantemente. E como a criação é perfeita, põe o mesmo em movimento, a partir disso. E nisso, nasce em continuidade e constância, a consciência que o homem ou a humanidade é ou tem por natureza. O renascido sempre é presente, cabe-nos sabê-lo. E nisto, lá estará a dança harmônica que é compreendida por oposição ou contrários, sendo sempre um em luz e outro à sombra, um dito e expresso e outro calado, em silêncio. É assim que se entende, mas não necessariamente, é assim que é - porque é imensurável, indescritível e só se pode dizer do que somos, através da experiência do ser.

E aí vem outra questão que é a vivência única do ser, as singularidades. Ah! essas singularidades como uma expressão do todo e talvez de toda a criação, são apenas compreendidas como uma parte e aparte da outra singularidade. Quando, talvez em realidade, não seja assim. Toda a ambiguidade cabe em um único ser, o todo já é e se expressa em cada singularidade, mas diante da nossa psicologia apenas conseguimos vê-la como parte.

Separa-se homem de mulher, pequeno de grande, pai de mãe, enfim, doa-se a existência papeis e funcionalidade sobre cada expressão e toda a ambiguidade da alma fica a mercê de outro espaço, em nós. E de certo que essas separações acabam por unilateralizar sempre, certas instâncias e por estarem mais próximos, todos esses papeis, do que é aparente ou externo, isto, fica subjugado ao que rege as aparências ou externalidades - racional, ego, mente. Contudo, não quer dizer que os outros aspectos complementares a essas externalidades, não estejam presentes. Estão, porém, não aparentes ou expressos racionalmente. Estão lá, mas em silêncio ou como alguns diriam, inconscientes. E racionalmente, compreendemos que tudo que é inconsciente, deixa de existir ou tem pouco valor, não se deve levar em conta. Valorizamos ou concedemos maior validação apenas aquilo que está a luz da consciência ou é concretamente explícito, como a única realidade. Acreditamos que estamos firmes em nossos papeis, nosso conhecimento, títulos, rótulos, nomes, palavras. Mas, na verdade estamos suspenso em certas instâncias da vida que não acessamos e nisso, a insegurança grita dentro, mas também nos move. Por isso, alguns dizem que a vida é um risco ou insegura. E eu diria que são apenas meios que a vida encontra de mostrar a nós, sua mutabilidade ou movimento.

Sinto que para uma grande maioria e talvez isto também não possa ser mensurado as vivências dos campos mais sutis da alma, ainda é de desvalor, de descrédito porque a vivência não alcançou os mesmos e tudo que apenas acreditamos ou apenas passa pelo crivo do entendimento, sempre guardará em si uma dúvida sobre sua realidade. Obedecendo assim a dança harmônica dos opostos, mencionada acima - crenças, entendimento X dúvida, questionamentos. E nisso, também há a implicação da ampliação de consciência - mesmo reconhecendo os campos sutis da alma ou essa possibilidade chamada inconsciente, isto também estará subjugado ao quanto em si consegue apreender em luz e sombra, individual e coletivo.

Quando nos aprofundamos em nós mesmos, entramos em contato com certas instâncias ou campos mais sutis. Ou seja, não são da ordem do racional, do concreto ou dos sentidos comuns. E nesses espaços toda a lógica cai por terra, o tempo se dissolve em apenas um constructo necessário para nossa referência racional. Enfim, e é nesse terreno que vislumbramos uma realidade que é imensurável. E por mais que tentamos e se tenta descrever, sempre haverá ali algo que não é possível, considerando que sempre haverá algo que não alcançamos, considerando ainda as singularidades, considerando a imensurabilidade da natureza ou da criação. E por guardar em si todo esse mistério, chamamos isso de sagrado, espiritual ou mesmo divino.

E considerando tudo isso e esse terreno imensurável, profundo em nós, todas as suas ambiguidades, paradoxos e opostos, como não compreender a natureza do que é divino, na mesma medida ou segundo os mesmos preceitos? Sendo assim, considero a divindade ou aquilo que compreendemos Deus por algo ambíguo, paradoxal, guardando a dança harmônica dos opostos em continuidade e constância para a plena criação sempre em movimento, sempre criando. Portanto, doar a essa divindade um gênero, seja ele masculino ou feminino, é para mim, muito ingênuo. No mínimo, em nós há a "androgenia divina"(simbólico), é algo que, para mim, diz um pouco mais sobre tudo isso, dentro de nós - visto que tendemos a antropomorfizar o que não é objetivo. Mas, certamente, não é tudo porque sempre haverá algo a ser visto, descoberto ou que jamais poderá ser mensurado - imensurável, não esqueçamos.

Bem, por enquanto, acredito que seja o suficiente. E este talvez, seja um ensaio dessas instâncias racionais que dançam harmonicamente, com aquelas outras que inconscientemente, também se encontram aqui, entrelinhas. E talvez, tudo o que foi escrito, não seja novidade alguma ou não esteja tão, evidentemente, claro - objetivado em sua clareza racional. Contudo não esqueçamos que é na vivência que se pode de alguma forma realizar algo que está intimamente calado. E escrever ou falar sobre o tema, nos permite a realização de alguma forma. Por isso, escreva, fale, converse nem que seja consigo mesmo sobre o tema. E mesmo que ainda assim permaneça obscuro, estará lá, o "ensaio" de um novo momento, em renascimento. Sintamos!

Kátia de Souza - 03/07/2021

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