O DEUS DE FREUD - O abandono do pai

Não fui criado na companhia do meu pai. Nunca joguei bola com ele e sequer foi ele quem me ensinou a andar de bicicleta. Houve um distanciamento profundo e um apagão entre nós. Jamais fui acordado por ele para ir à escola nas manhãs chuvosas de preguiça e como não poderia ser diferente, nunca o apresentei os meus boletins escolares. Nunca tive a companhia do meu pai nos dias dos pais. Ele não tratou das minhas feridas. Não fui orientado por ele em relação aos grandes dilemas da adolescência e da juventude. Não foi o meu pai quem me ensinou a dirigir. Ele não esteve comigo no dia em que tirei a carteira de motorista. Não celebrei com ele a minha entrada na faculdade, mesmo sendo o primeiro da família. No dia da formatura a cadeira ficou vazia.

Sempre soube de sua existência. Sempre ouvia falar dele pela boca da minha falecida mãe e irmãs. Ouvia dizer que havia alguém que me abandonou com ou sem motivos.

Este vazio paterno, esta figura que faltou no meu álbum de infância era algo pertubador. Quando me perguntavam sobre ele, dizia não o conhecer e quando tentavam aprofundar o assunto me perguntando se eu não sentia a falta dele, automaticamente e instintivamente eu respondia "não". Lógico, o "não" encerrava o assunto. Mas não resolvia a falta. A ausência era presencial em mim.

Deus é este pai ausente, por não ter existência ou por incapacidade de se tornar presente. E mesmo ausente, estará presente das formas mais absurdas na vida e na mentalidade do ser adulto.

Freud traz esta ideia elementar de um Ser supremo, de um Deus Pai, que deve de pronto, se considerar objetivamente infundada. Como a fraqueza infantil faz sentir a necessidade de proteção que a criança experimenta no amor paterno, assim a visão desta indigência, que a acompanha durante toda a vida, a induz a criar para si um outro pai – mas desta vez muito mais poderoso e muito mais onipresente. Tendo-se tornado adulto, remonta através da recordação a imagem do pai da época infantil, por ele tão sobrestimado, eleva-o à divindade e transporta-o para a realidade do presente. A força afetiva desta imagem mnemônica e a permanência da necessidade de proteção são os dois caminhos que conduzem à fé num Deus (DEMPSEY. 1996, p. 42).

Freud diz que: “Os deuses conservam a sua tripla tarefa: afastar os pavores da natureza; reconciliar os homens com a crueldade do destino, em especial como ela se mostra na morte, e recompensá-los pelos sofrimentos e privações que a convivência na cultura lhes impõe” (FREUD. 2010, p. 36). Todavia, os deuses vão se retirando da primeira tarefa, pouco interferindo na segunda e se apoderando cada vez mais da terceira, “a partir de então, torna-se tarefa divina compensar as falhas e os danos da cultura, atentar para os sofrimentos que os homens se infligem mutuamente na vida em comum e vigiar o cumprimento dos preceitos culturais aos quais eles obedecem tão mal” (FREUD. 2010, p. 37).

Deus não nos afasta do terror da natureza e muito menos a natureza foi "presenteada" por ele com o senso de moralidade e empatia, tristeza, arrependimento. A natureza segue o seu curso não poupando a ninguém caso queira operar as suas ações. O sol que nasce para todos, o que na minha concepção é a coisa mais injusta do universo, não faz escolhas e diferenciações entre aqueles e estes, entre bons e maus. A natureza não segue a norma e os padrões de um deus que insiste em se revelar governando o universo como um pai bondoso que cuida de seus filhos. Na verdade, aqueles que acreditam em deus, deveriam envergonhar se de querer apresenta lo como um "bom" regente do universo. Não ha bondade no universo, assim como não ha maldade. Não existe um planejamento articulado entre uma divindade bondosa e a natureza que é fria, objetivando o favorecimento dos homens. Não somos o alvo final da natureza. Não há providencia. Os vírus sobrevivem, as bactérias nos atacam, as pandemias nos assolam, as mortes são aos milhões. A natureza não se ocupa com a culpa da mortandade.

Destacamos também que a figura de Deus, segundo Freud, faz parte de um complexo primordial, sempre existente, entre pais e filhos e do qual a religião tomou posse para se fundar. Nisso consiste sua crítica, no fato de se colocar a religião como algo transcendental, ao passo de que ele a entende como um contrato e uma neurose, ilusão. Dizemos ainda que Freud reconhece que para alguns o abandono da religião não poderia ser avaliado totalmente positivo. Embora seja considerada por ele como uma neurose universal e uma farsa contrária à razão, ela também pode ser um meio de proteção contra as neuroses histéricas.

Imagina se a humanidade soubesse através de uma notícia, de uma "má nova", com total exatidão, que deus não existe? Nunca existiu! Ou morreu. Nossa! logo Tudo seria permitido. E deus não existindo, esta ideia foi a maior das mentiras de todos os tempos. Uma mentira! Veja a histeria que esta noticia causaria. A tragédia na mentalidade do fiel. A percepção que estaríamos entregues as crueldades do destino. O vazio. A aceitação da "Morte de Deus" seria trágica. Uma lástima. Uma dor insuportável para boa parte da humanidade que agora teria que enfrentar sozinha, sem o pai todo poderoso, as aflições da vida. Imagina a morte do "Pai Nosso".

Assim como eu la na minha infância nunca tinha visto e conversado com o meu pai, só ouvia falar sobre a sua existência; muitas pessoas nunca viram o Deus-pai, mesmo nas suas maiores viagens espirituais. Vivem a acreditar na ideia que seus familiares, que a sua cultura, que a sua religião passou para eles. Ou seja, FÉ na Fé. Boa parte dos crentes acreditam naquilo que alguém diz acreditar, sem nunca ter tido uma única experiência teofanica. Mas defendem com unhas e dentes a existência daquilo que eles nunca viram. Qual a razão desta "Servidão Voluntária" a uma ideia sem nenhuma comprovação?

O que será pior? Chegar a conclusão que tudo aquilo que você acreditou a vida inteira em relação a deus, incluindo o próprio deus, não passou de uma grande mentira, ou ter a ciência que deus até existe, mas ele não se ocupa com este mundo? Ou seja, nos abandonou!

O deus freudiano abandona seus filhos pois nunca existiu e se existiu, existiu apenas na mente do "crente" como associação nemônica do pai que o socorria na infancia.

filoliveira
Enviado por filoliveira em 16/04/2021
Código do texto: T7233530
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