Nenhuma doença é castigo

“E doença, seja qual for, não é castigo”

Luiz Claúdio Cardoso, autor do livro Aids: e agora?

Tudo o que estamos sofrendo por causa da pandemia do coronavírus tem levado muitos a dizer que a doença é um castigo divino. Há os que falam que é uma provação pela qual temos de passar para aprender a ser mais humildes e, aqui no Brasil, não são poucos os que dizem que o coronavírus se alastrou entre nós, levando-nos a um colapso no sistema de saúde porque, no Carnaval, ofendeu-se a Jesus Cristo. Mas, considerando-se o elevado número de óbitos de pessoas em todo o mundo, muitas das quais nem mesmo celebram o Carnaval, podemos qualificar como castigo? Será? Talvez o Carnaval tenha contribuído para proliferar o coronavírus aqui no Brasil, mas não por causa de uma suposta ofensa a Jesus Cristo, e sim por causa da aglomeração e porque muitos estrangeiros vieram aqui comemorar o Carnaval, que sempre atrai muitos turistas estrangeiros, afinal, o vírus se transmite pelo ar.

Um vídeo que nos leva muito a refletir sobre a questão do castigo divino é um do pastor batista norte-americano Paul Washer. No vídeo, ele diz que a Aids – doença que já foi considerada uma sentença de morte – era castigo divino e, quando uma pessoa o refuta, dizendo que é injusto que bebês inocentes nasçam com o vírus HIV, o pastor lembra que muitas crianças foram mortas no Dilúvio Universal e quando Deus mandou destruir Sodoma e Gomorra. Pensemos bem nas palavras do sábio pastor. E consideremos que ninguém tem provas da existência do Dilúvio ou dessas cidades.

A Aids foi mesmo um castigo divino? Sabemos bem que muitas mulheres pegaram Aids dos seus maridos, os quais tinham aventuras extraconjugais e que esses maridos, por acreditar que a Aids era doença apenas de homossexuais e usuários de drogas injetáveis, não usavam preservativos, que ainda é a melhor maneira de evitar ser contaminado pelo vírus HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Muitas dessas mulheres ignoravam as aventuras dos seus maridos. Parece justo que elas tenham sido castigadas por causa da irresponsabilidade deles? E esses homens foram castigados? Ou apenas sofreram as consequências do seu comportamento irresponsável junto com ignorância e preconceito?

Se alguém fuma e termina desenvolvendo câncer ou outras doenças relacionadas ao fumo, podemos dizer que é castigo? Ou que essa pessoa está sofrendo as consequências do seu mau hábito? E, se doença for castigo, considerando as muitas doenças que já apavoraram a humanidade, podemos dizer que esta já foi castigada inúmeras vezes e não houve resultado. Pensemos em como ficamos apavorados por causa do Ebola, da própria Aids, da peste bubônica e gripe espanhola. A cada epidemia ou pandemia, não falta quem diga que é uma prova da ira de Deus ou um sinal de que estamos no fim dos tempos.

Vírus e bactérias existem desde os primórdios da humanidade, são até mais antigos do que os seres humanos. Desde que os nossos ancestrais existem, eles têm sofrido as consequências de entrar em contato com a natureza, que é hostil e oferece inúmeros perigos, entre eles, os vírus e bactérias que causam doenças que podem ser mortais.

Se há verdades espirituais – e com certeza, elas devem existir – nada sabemos a respeito delas para falar como se fôssemos donos da verdade e dizer que esta ou aquela desgraça é uma prova da ira divina, um castigo de Deus ou alguma suposta provação. Pensemos no que disse o pastor Paul Washer. Parece justo que crianças tenham nascido com o vírus HIV? Antes, não havia o coquetel anti-HIV e, no começo, crianças que nasciam com o vírus viviam pouco tempo. Poucas chegavam à pré-adolescência. Ou seja, foram castigadas antes de ter tempo de pecar. E o que falar de quem contraiu o vírus através de transfusão de sangue? Seria bom que alguém perguntasse a Paul Washer o que ele diria se soubesse de uma filha que era estuprada pelo pai e contraiu Aids dele. O pastor iria usar que argumento?

Soa muito cruel dizer que uma desgraça ou doença é um castigo divino quando pensamos em milhares de vidas inocentes que são prejudicadas. E, se doença é castigo por causa dos nossos pecados, façamo-nos a seguinte pergunta: por que os animais também adoecem, já que, como seres irracionais, eles não têm pecado?

A ideia de que temos que sofrer para purgar nossos pecados é um dos principais alicerces do Cristianismo, religião que se fundamenta no medo e adora o sofrimento. E essa ideia leva muitos a não refletir com clareza acerca das desgraças humanas, induzindo ao conformismo. Mas precisamos refletir, sair da inércia mental e buscar a verdade em vez de aceitar passivamente explicações que muitas vezes não têm nenhum fundamento lógico ou científico.