A Cidade de Deus de Santo Agostinho
Padre Geovane Saraiva*
O grande Santo Agostinho, no seu rigor espiritual e intelectual, ao compreender e externar o projeto das duas cidades, num coração em chamas, voltado, evidentemente, ao absoluto ou às alturas, estabelece a base de sua reflexão, a partir da invasão e saque da cidade de Roma, em 410, por Alarico, rei dos visigodos. Agostinho, abrasado de zelo na sua compulsão pela glória futura, toma a decisão de produzir a obra imortal “A Cidade de Deus”, de Civitate Dei, a ponto de ecoar por todo o mundo civilizado, indo ao encontro da humanidade, nos seus mais elevados sentimentos, contrariando asneiras, crueldades e blasfêmias do então rei Alarico.
Para quem deseja atravessar o mar da existência, segundo Agostinho, urge que se tenha por braços a cruz de Jesus Cristo. Ele, ao constatar um Império Romano em conflitos e ruínas, desenvolve o conceito da construção da “Cidade de Deus”, paradoxal à cidade terrena. Na sua concepção grandíssima, ultrapassa todo e qualquer parâmetro, no modo de imaginar a vida humana, pela augusta bondade divina, assegurando-nos que a mesma vida se desenvolve entre dois amores, ou entre duas forças: uma imanente, ou terrena, e a outra espiritual, ou celestial.
Assim, ele nos garante que a mesma dinâmica acontece também na história. Sem dúvida, hoje no nosso mundo, com suas teorias conspiratórias, pela proclamação do ceticismo, do obscurantismo e do negacionismo, reflete-se na vida das pessoas, mesmo aqui no Brasil, como sendo natural se reviver o brutal e bárbaro drama, do saque de Roma no século V. Longe dos “Alaricos” dos nossos dias, que esteja a humanidade convicta de não ser mais possível conceber a nossa civilização, omitindo a beleza da força e da ação solidária, geradora de paz, no sonho alegre da verdadeira esperança.
Na sua afirmação, de que a criatura humana só tem acesso ao conhecimento quando iluminada por Deus, convence a todos, sem jamais se esquecerem do postulado do doutor da graça, na sua palavra a perpassar a história: “Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a cidade terrena; e o amor a Deus, levado pelo desprezo de si próprio, a cidade celestial”.
*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).