Ocultamento Divino

“Esconderei, pois, totalmente o meu rosto naquele dia, por todo o mal que tiver feito, por se haverem tornado a outros deuses.” – Deuteronômio 31.18

Os capítulos finais do Pentateuco (Deuteronômio 29-34) trazem notícias ruins para Moisés e para Israel. O grande legislador hebreu morreria sem ver a Terra Prometida, e o seu povo, depois que entrasse lá, abandonaria o Senhor e a Lei, adorariam outros deuses e seriam punidos por isso. Nesse versículo, Deus esconder seu rosto significa retirar Sua presença do meio do povo de Israel. Eles rejeitariam a Deus, e Deus os rejeitaria de volta, o que Adam Johnson (2011) chama de “ausência divina”.

Enquanto a presença de Deus é uma benção sem paralelo, e a fonte de toda benção, também é uma responsabilidade perigosa. Carregar a presença do Senhor é sempre estar sujeito a limites rigorosos e às consequentes punições por quebrá-los. O abandono divino, nesse sentido, seria Ele deixar de ouvir e ajudar alguém. Em última instância, como lemos na história da Queda, afastar-se da presença de Deus é morrer.

Jesus experimentou isso. Carregando nosso pecado, Ele foi rejeitado por Deus, que escondeu Dele o Seu rosto, como Ele mesmo disse: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mateus 27.46). Nas palavras de Gareth Clegg (2020), aqueles que vêm à fé em Jesus são imediatamente unidos a Ele, de modo a tornarem-se templos de Deus Nele, receptáculos da Presença divina (1Co 3.16, 6.19; 2Co 6.16), aqueles que conhecem Deus “face a face” (Dt 34.10); ou, pelo menos, “por espelho em enigma, mas então veremos face a face” (1Co 13.12).

Se estamos em Cristo, não apenas Deus não esconde Seu rosto de nós, mas nós SOMOS o Seu rosto; os salvos por Jesus são o lugar físico para onde os homens devem olhar para ver a presença de Deus. Nós fomos libertos do domínio dos “outros deuses”, nós fomos libertos do domínio dos demônios (1Co 10.19-21).

Note que Deus é superior aos “outros deuses” porque Ele prenuncia o futuro com certeza. O Senhor pode tranquilamente desafiá-los nesse aspecto: “Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois deuses” (Isaías 41.23a). Isso garante, nas palavras de William Craig (1987), que a história humana não seja uma sequência de eventos que se desdobram de forma imprevisível, sem propósito ou direção; ao contrário, Deus conhece o futuro e dirige o curso da história mundial em direção a seus fins previstos.

Note também que a afirmação desse versículo esclarece em parte o problema filosófico da “ocultação de Deus” – muitas vezes, não parece que realmente exista um Deus infinitamente poderoso, infinitamente justo e infinitamente bom. Podemos entender isso aplicando a toda a humanidade aquilo que esse versículo fala sobre Israel: o homem prefere o mal, rejeitando ao Senhor, de modo que o Senhor o rejeita também e esconde dele a sua face. A fé, nesse sentido, não é apenas algo que Deus testa se ocultando do ser humano de maneira sádica; é a única maneira do homem ultrapassar o afastamento que é consequência do seu próprio pecado, por sua própria preferência pelo mal.

Deuteronômio 31.18 é uma resposta a uma pergunta que os hebreus fariam quando o castigo por seus pecados os atingisse: “Não me alcançaram estes males, porque o meu Deus não está no meio de mim?”. É natural que o homem perceba a ausência de Deus quando ele sofre, e a resposta do Senhor é bem clara: eu escondi de você o meu rosto porque você pecou contra mim. Muitos ateus e outros não cristãos podem usar esse ocultamento divino para negar a existência de Deus, mas tal ocultamento é perfeitamente compatível com o que a Bíblia ensina; mais do que isso, o afastamento de um Deus santo da humanidade pecadora é à luz da Bíblia, uma necessidade lógica.

BUYS, Amanda. Messianic Perspective of Spiritual Warfare. Disponível em: <https://www.kanaanministries.org/wp-content/uploads/2019/02/AMP_Spiritual-Warfare.pdf>.

CLEGG, G. VANCOUVER. The Splendour of Space and a Temple in Time: A Biblical Theology of Temple Sabbath. 2020.

CRAIG, William L. The only wise God: the compatibility of divine foreknowledge and human freedom. Grand Rapids: Baker Book House, 1987.

JOHNSON, Adam J. A temple framework of the atonement. 2011. Disponível em: <https://digitalcommons.cedarville.edu/biblical_and_ministry_studies_publications/4/>.

PARKER, Ross Donnie Ross. The argument from divine hiddenness: an assessment. 2014. Tese de Doutorado. Disponível em: <http://beardocs.baylor.edu/xmlui/handle/2104/9096>.