Proteger, Prover e Procriar

“Como também no deserto, onde vistes que o Senhor vosso Deus nele vos levou, como um homem leva seu filho (…)” – Deuteronômio 1.31a

Por que Deus se apresenta nesse texto “como um homem que leva seu filho” e não “como uma mulher que leva seu filho”? Aqui a analogia com o pai apresenta o sentido de cuidado e compaixão, características que são geralmente mais associadas à mãe. Outras passagens fazem essa curiosa associação: Isaías 63.15-16 associa a paternidade à bondade e compaixão; “assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que o temem” (Salmos 103.13); “pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo” (Sl 68.5). Sim, a Bíblia usa várias imagens maternas para se referir ao Senhor, mas a identificação de Deus como um Pai é muito mais comum do que com uma Mãe, especialmente no Novo Testamento.

A ideia de Deus como Pai carrega uma noção de autoridade e de propriedade que são mais associadas ao pai do que à mãe. O cuidado paterno é soberano, reivindica posse, tem expectativas. O amor materno soa mais “gratuito”, o paterno é mais exigente, não no sentido de que para um pai amar a prole esta precisa atender determinados requisitos, mas de que um bom pai se preocupa com o desenvolvimento dos filhos. Nas palavras de Trevor Burke (2011), o relacionamento entre pai e filho é uma expressão de aliança, diferente do amor de mãe, que nos remete a algo mais “automático”.

Conforme Brett e Kate McKay (2021), todos nascem com uma "fome de pai" – um desejo de ser afirmado, aprovado, conhecido, compreendido e amado por seu pai, e de crescer com uma figura de força e autoridade ao seu lado que forneça o tipo de estrutura que permite à criança florescer e voar. Quando alguém não recebe esse tipo de cuidado masculino – seja porque o pai não estava por perto, seja porque embora fosse nominalmente presente, não desempenhou bem o seu papel –, essa ausência paterna torna-se uma ferida que impacta toda a vida.

Conforme Richard Rohr (2005), o amor materno é presumido, dado como certo, invocado instintivamente. O amor paterno é um amor do Outro, de alguém que “não tem” que amar, mas escolhe fazê-lo. É um amor que redime, liberta e deleita de formas diferentes que o amor da mãe. Em outras palavras, o amor do pai é um amor pactual. Por isso, segundo Christopher Wright (2012), filiação é outra maneira de expressar o relacionamento de aliança com Deus e adicionar uma dimensão mais durável e pessoal a ele.

Um pai carregando seu filho também traz a ideia de proteção. Biologicamente, homens são mais bem preparados do que mulheres para lutar por sua prole se necessário. É usando a linguagem de filiação que Deus ameaça Faraó para libertar o povo de Israel: “Deixa ir meu filho” (Êxodo 4.23). O Egito era uma ameaça para a vida e liberdade de Israel, e Deus, como um bom pai, faz de tudo para protegê-lo.

Nesse sentido, o significado de ser um homem, biblicamente, é marcado por esses três imperativos: proteger, prover e procriar. Embora os meninos já tenham instintivamente os impulsos que os conduzem a essas três atividades, elas precisam ser desenvolvidas por desejo próprio e com a ajuda dos mais velhos. De certa forma, ninguém nasce homem, a masculinidade é forjada.

Conforme Arnett e Hughes (2014), aprender a proteger envolve não apenas aprender as habilidades de guerra e armas, mas também cultivar as virtudes de coragem e fortaleza. Aprender a prover envolve o desenvolvimento não apenas de habilidades econômicas, mas também as virtudes de diligência e resistência. Aprender a procriar não envolve apenas o desempenho sexual, mas também as virtudes de confiança e ousadia que levam a oportunidades sexuais.

ARNETT, Jeffrey Jensen; HUGHES, Malcolm. Adolescence and emerging adulthood. Boston, MA: Pearson, 2014.

BURKE, Trevor J. The Message of Sonship. InterVarsity Press, 2011.

MCKAY, Brett; MCKAY, Kate. Looking for a Daddy, in All the Wrong Places. Art of Manliness, 26 de Janeiro de 2021. Disponível em: <https://www.artofmanliness.com/articles/looking-for-a-daddy-in-all-the-wrong-places/>.

OSTRANDER, Tina. Our Father Who Art in Heaven. Priscilla Papers, v. 13, n. 1, p. 4-7, 1999.

ROHR, Richard. From wild man to wise man: Reflections on male spirituality. St. Anthony Messenger Press, 2005.

WRIGHT, Christopher. Deuteronomy (Understanding the Bible Commentary Series). Baker Books, 2012.