A INQUISIÇÃO NA ÍNDIA

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Durante centenas e centenas de anos, os cristãos indianos conviveram pacificamente com outros grupos religiosos come judeus, hinduístas, budistas, muçulmanos e seguidores de outras religiões. Tudo mudou com a chegada na Índia dos Portugueses que não demoraram a impor o Catolicismo romano perseguindo as outras crenças com os métodos mais brutais.

Segundo a tradição, a mais antiga igreja indiana teve suas origens na pregação do apóstolo Tomé que, partindo da Mesopotâmia, onde havia fundado a primeira comunidade cristã, chegou por mar à Índia no ano 52 d.C. O apóstolo desembarcou em Kodungallur, na época porto de destino de muitos navios mercantes do Ocidente. Como na cidade havia uma próspera comunidade judaica, Tomé começou a pregar o cristianismo entre eles. Depois dos judeus, muitos indianos abraçaram a nova fé. Tanto os judeus como os indianos convertidos foram chamados de "Cristãos de São Tomé". Essa comunidade cresceu ainda mais no século IV e, paralelamente ao desenvolvimento do grupo, foi fortalecido o vínculo com a Igreja oriental, da qual foram recebidos os bispos. Por mais de mil anos as diferentes comunidades religiosas de Goa viveram lado a lado, em paz e harmonia.

Tudo acabou quando, ao regressar a Portugal em 1510, Vasco da Gama contou à realeza portuguesa sobre a rota desconhecida para a Índia, que deu aos portugueses a oportunidade de colonizar a costa ocidental da Índia e, em particular, Goa. O papa Nicolau V logo emitiu um ditame que deu ao reino de Portugal o poder de impor o cristianismo aos moradores das áreas recém-descobertas, junto com o monopólio do comércio em nome do Império Católico Romano na Ásia. Sem demora, os portugueses enviaram suas tropas para ocupar uma parte de Goa e estabelecer uma colônia na cidade costeira.

Logo iniciaram as perseguições católicas aos locais. Uma ordem portuguesa para destruir templos hindus e transferir suas riquezas para os missionários católicos, por exemplo, data de 30 de junho de 1541. Em 1560, João III ordenou a proibição do hinduísmo, a expulsão de seus sacerdotes, a supressão de seus templos e seus feriados religiosos. Da mesma forma, já em 1550 novos impostos pesaram sobre as mesquitas, enquanto as primeiras execuções de cristãos tidos como heréticos remontam a 1539; cinco anos depois, foi a vez do converso Jerônimo Dias, garroteado e queimado em Goa por difundir o judaísmo.

A Inquisição de Goa foi estabelecida a pedido do missionário Francisco Xavier (canonizado em 1622) numa carta a João III de Portugal datada de 16 de maio de 1546, mas não foi realmente estabelecida antes de 1560 permanecendo ativa até 1820. A Inquisição desembarcou em Goa com a intenção de reprimir a heresia na Ásia perseguindo as populações locais que, após terem sido forçadas a se converterem ao cristianismo, eram suspeitas de continuar a praticar secretamente as suas religiões. Essa Instituição criminosa, atingiu principalmente hindus, muçulmanos e cristãos de São Tomé, condenando vários milhares de pessoas à prisão, tortura ou morte no decorrer dos quase três séculos. Os inquisidores de Goa queimaram todos os livros em sânscrito, árabe, e os escritos nas línguas marata e concani que encontraram em Goa, além de restringir severamente a circulação de textos protestantes que chegavam em navios mercantes holandeses e ingleses.

Sabe-se que, durante os anos em que foi ativa, a Inquisição de Goa processou 16.172 pessoas, mas, como os seus arquivos foram queimados pelos religiosos em 1820, o número efetivo de vítimas não pode ser calculado exatamente. Entretanto, o número real pode ser assustador, sendo que fontes francesas - incluindo o médico Charles Dellon, torturado e preso Goa por cinco anos - sugerem que muitos prisioneiros foram deixados morrer de fome na prisão sem nunca irem a julgamento.

Além de perseguir hereges, judeus e homossexuais, a Inquisição de Goa proibiu qualquer atividade que impedisse a conversão ao cristianismo. Graças à sua estreita colaboração com o governo português, a Inquisição atuou tanto contra a população indígena como contra os colonos portugueses (principalmente judeus e cristãos de São Tomé), originando leis que continuaram a discriminar as populações por motivos religiosos após a dissolução da instituição em 1820.

Os católicos brancos e europeus tratavam os locais com desprezo mesmo quando se convertiam ao cristianismo, chamando-os com epítetos ofensivos como "negros" e "cachorros". Nos duzentos e sessenta anos da Inquisição de Goa, foram registrados vários elementos que comprovam os sentimentos racistas dos católicos europeus para com os nativos, mesmo dentro do próprio clero cristão. Esses sentimentos racistas também são demonstráveis ao nível institucional, sendo que os clérigos europeus na Índia subiam na hierarquia mais rapidamente do que seus irmãos indianos.

Aleixo Díaz Falcão foi o primeiro inquisidor de Goa. Ele fundou o primeiro tribunal que acabou se revelando um instrumento autoritário do império colonial português. O primeiro ato do tribunal foi proibir a prática do hinduísmo sob a ameaça de morte. Na tentativa de eliminar a religião local, a Inquisição impôs enormes restrições aos hindus. Nenhum hindu poderia ocupar cargos públicos, reservados apenas aos cristãos, ou fabricar objetos devocionais cristãos. Somente as mulheres convertidas ao cristianismo podiam herdar a propriedade de seus parentes, enquanto as crianças hindus cujo pai morrera deviam ser entregues aos Jesuítas e convertidas ao cristianismo. O testemunho de um hindu foi privado de qualquer valor durante os julgamentos, os templos foram demolidos com a estrita ordem de não serem reparados nem reconstruídos, enquanto os sacerdotes daquela religião foram proibidos de entrar nos territórios portugueses e celebrar casamentos.

Os judeus sefarditas que haviam fugido da península Ibérica para se refugiarem na Índia (única nação do mundo onde podiam praticar a sua religião em paz), foram perseguidos em massa e centenas de novas celas foram montadas às pressas para trancá-los. Entre 1560 e 1774, mais de 16 mil pessoas foram julgadas pela Inquisição: delas apenas um quarto eram imigrantes europeus, enquanto o restante 75% eram habitantes locais: metade cristã, enquanto a outra metade continuava a professar a sua religião de origem. Entre 1560 e 1773, houve 71 autos da fé incluindo humilhação pública, tortura e, em alguns casos, a queima dos condenados. Os métodos de tortura mais brutais foram: arrancar as línguas; cegar a vítima com varas afiadas ou pontas de ferro em brasa, arrancar a carne com um alicate, esfolar o acusado vivo, esquartejar e empalação, em que uma estaca era martelada no corpo da vítima evitando os órgãos vitais, resultando numa morte lenta que poderia durar horas ou dias.

Segundo historiadores contemporâneos e posteriores, a Inquisição de Goa distinguiu-se pela arbitrariedade das suas detenções, pela corrupção de testemunhas, pela rapidez com que os bens foram confiscados e pelo uso implacável da tortura. A imoralidade dessas práticas deveria ser evidente até mesmo para aqueles que as perpetraram, uma vez que os poucos que foram considerados inocentes e libertados deviam jurar de não revelar o que viram ou sofreram, sob pena de nova prisão. O historiador Angelo de Gubernatis relata fatos particularmente questionáveis sobre a validade dos julgamentos e evidências apresentadas: de acordo com seus estudos, um padre italiano, Roberto de Nobili, forjou falsos textos sagrados hindus para destacar seu espírito herético e "bárbaro", chegando até mesmo a se disfarçar de Brâmane e pregar "em indiano". As perseguições da Inquisição afetaram hindus, budistas, muçulmanos, judeus, cristãos (católicos e não católicos), além de punir outras atividades consideradas imorais ou anticristãs, como a homossexualidade.

As pessoas condenadas por seguir outra religião foram submetidas a punições espantosas, incluindo chicoteação em público, queimadas em estacas ou tendo unhas e olhos esmagados. Em alguns casos, aldeias inteiras foram queimadas com as mulheres e crianças tomadas como escravas. Rodas grandes eram usadas para os suplícios, com os condenados amarrados à roda e depois girados até ter todos os ossos esmagados. O horror alcançou limites inimagináveis quando crianças hindus foram arrancadas de seus genitores e queimadas vivas diante deles, atados e forçados a assistir a essa barbárie até que aceitassem de se converter ao cristianismo, a religião do amor!

NOTA: Também esse artigo foi adicionado ao meu E-livro intitulado: "Viagem ao centro do Cristianismo" que pode ser baixado na minha escrivaninha.

Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 04/02/2021
Reeditado em 10/08/2021
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