O Temor é Necessário para a Evolução
“Não verão a terra de que a seus pais jurei, e nenhum daqueles que me provocaram a verá.” – Números 14.23
Uma das consequências da ingratidão do povo de Deus é a incapacidade de ver a sua vida à luz das promessas do Senhor. O ingrato não consegue interpretar as circunstâncias a partir da Palavra de Deus, mas as interpreta a partir da sua incredulidade, o que o leva a desvalorizar e diminuir Deus aos seus próprios olhos e aos olhos das pessoas ao seu redor. Nas palavras de Susan Lutz (2002), é como olhar pelo lado errado de um telescópio.
Deus rejeita totalmente a ingratidão. Por conta dela, o povo de Israel foi rejeitado e, por quarenta anos, precisou vagar no deserto até que quase toda aquela geração morresse como castigo por sua incredulidade. Eles “provocaram” ao Senhor, e receberam a justa resposta. “Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto. Onde vossos pais me tentaram, me provaram, e viram por quarenta anos as minhas obras.” (Hebreus 3.7-9)
Nas palavras de Leon Davis (2014), isso ensina que a paciência de Deus tem limites; também ensina que infratores reincidentes estão sempre em perigo de sofrer um justo juízo. Essa falta de temor piedoso normalmente ocorre quando alguém fica estagnado em seu relacionamento com Deus, não evoluindo para uma relação mais íntima e mais reverente – para algumas pessoas isso pode ser uma contradição, mas é porque elas não entendem o que significa intimidade com Deus.
Intimidade que diminui a reverência não é verdadeira intimidade. Moisés, apesar de toda a proximidade que tinha com o Senhor, foi acusado de não santificar o Seu nome, de não honrá-lo e temê-lo devidamente no episódio em que feriu a rocha duas vezes em vez de meramente tocar nela como Deus ordenou, e por isso também foi impedido de entrar na Terra Prometida (Números 20.1-12). É preciso se aproximar de Deus com medo da punição que podemos sofrer caso nos afastemos. “É necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11.6), mas também castigador dos que O rejeitam.
Em qualquer lugar do mundo é assim: as pessoas tendem a ser menos egoístas quando têm medo de uma punição sobrenatural (SCHLOSS e MURRAY, 2011). Conforme Norenzayan et al. (2016), essa é uma adaptação evolutiva cuja função é impedir que pessoas se afastem de seus grupos sociais; por outro lado, a ausência do medo de punição sobrenatural, o ateísmo prático, também pode ser um fator de união social, como lemos em Números 13-14, em que os crentes, como Josué e Calebe, foram considerados os desertores.
Sem esse temor do Senhor, os judeus não conseguiriam sobreviver na Terra Prometida, não apenas porque eles não teriam a ajuda sobrenatural necessária para vencer os desafios de Canaã, mas também não teriam as condições necessárias para formar uma sociedade complexa e duradoura – naquele contexto primitivo não havia outra forma de garantir tão bem a coesão social senão pela crença em divindades moralistas e punitivas (PURZYCKI et al., 2016). Por isso nós lemos no Antigo Testamento – claramente no livro de Juízes, por exemplo – que quando Israel negligenciava o temor a Deus, passava por todo tipo de decadência moral e social. Quebrar rotineiramente os mandamentos do Senhor é provocá-lo porque é uma forma de negar com ações que Deus vê e/ou se importa com o que acontece no mundo. É negar sua justiça, bondade e amor.
Mas por que Deus simplesmente não removeu os desafios? Não seria mais fácil desaparecer com os inimigos de uma vez para que todo esse problema fosse evitado? Existem diversas respostas para isso. Uma delas era que o desafio seria um motivador da obediência de Israel aos mandamentos do Senhor e a consequente coesão social da nação. Em sociedades onde há mais ameaças (guerra, patógenos, etc.), as normas sociais tendem a ser mais fortes, punições por desvio mais severas e adesão às regras mais frequente (GELFAND et al., 2011). Os inimigos, com a proteção de Deus, seriam um instrumento para a evolução do povo. Mas a imaturidade espiritual deles era tão grande que o povo ainda precisava passar por uma “recuperação” de 40 anos no deserto.
DAVIS, Leon. The Dynamics of Having a Fear of God in the Walk of the Believer. 2014. Disponível em: <https://digitalcommons.liberty.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1925&context=doctoral>.
GELFAND, Michele J. et al. Differences between tight and loose cultures: A 33-nation study. science, v. 332, n. 6033, p. 1100-1104, 2011.
LUTZ, Susan. THANKFULNESS: Even When It Hurts. P & R Publishing, 2002. Disponível em: <https://www.ccef.org/wp-content/uploads/2017/11/5-Thankfulness-Even_When_it_Hurts-Lutz-1.pdf>.
NORENZAYAN, Ara et al. The cultural evolution of prosocial religions. Behavioral and brain sciences, v. 39, 2016.
PURZYCKI, Benjamin Grant et al. Moralistic gods, supernatural punishment and the expansion of human sociality. Nature, v. 530, n. 7590, p. 327-330, 2016.
SCHLOSS, Jeffrey P.; MURRAY, Michael J. Evolutionary accounts of belief in supernatural punishment: A critical review. Religion, Brain & Behavior, v. 1, n. 1, p. 46-99, 2011.