O preconceito contra os ateus

“Um sujeito que é ateu não tem limites e é por isso que a gente vê esses crimes aí.”

José Luiz Datena

Falar sobre preconceitos é algo difícil e que pode causar vários desconfortos. Ninguém gosta de passar por preconceituoso, mas os preconceitos existem e precisamos discutir sobre eles, pois fazem parte da vida social. Não dá para negar que existem machismo, racismo, homofobia e os preconceitos religiosos. Um preconceito que precisa ser discutido é o preconceito contra ateus. Embora já se tenha falado sobre a discriminação contra ateus em muitas ocasiões, é necessário que se fale quantas vezes for necessário porque todo preconceito é resultado de ignorância e de falta de uma reflexão aprofundada.

O ateu, basicamente, é uma pessoa que não crê em divindades por falta de evidências. É uma questão pessoal, que diz respeito apenas à própria pessoa. Porém, em sociedades teístas, com um grande número de pessoas religiosas como os Estados Unidos ou o Brasil – que tem 84% de população católica – pessoas agnósticas (que duvidam da existência de divindades) ou ateias são vistas com desconfiança e mesmo animosidade. Muitos religiosos não acreditam que uma pessoa que duvida ou descrê possa ser uma pessoa ética, dotada de princípios morais.

Alguns atribuem ao ateísmo e a falta de “aceitar Jesus” os nossos elevados índices de criminalidade e corrupção. Um bom exemplo de como os ateus são malvistos por grande parte da sociedade brasileira é a afirmação de José Luiz Datena, apresentador da Bandeirantes, que disse que temos tantos crimes porque os ateus não conhecem limites. Ou seja, um ateu, por não crer em nenhuma divindade, é uma pessoa que pensa que pode fazer tudo, sentindo-se livre para cometer os piores atos. As palavras do apresentador causaram revolta aos ateus, que resolveram processá-lo.

Não é apenas no Brasil que vemos como predomina essa visão parcial e preconceituosa sobre quem não tem fé em nenhuma divindade. Nos Estados Unidos, muitos ateus não confessam seu ateísmo nem mesmo para os próprios familiares por medo de serem vistos de forma diferenciada. E essa discriminação é mais forte no chamado “cinturão da Bíblia”, nos Estados Unidos, onde as pessoas são mais conservadoras e religiosas. Ateus têm dificuldades para encontrar empregos, são vistos com desconfiança e até rechaçados como criminosos. Uma boa prova de como os ateus são vistos com preconceito é a produção cultural cinematográfica norte-americana destinada ao público cristão. Filmes como Deus não está morto só apresentam os ateus como pessoas desprovidas de ética e limites morais.

Vale salientar que muitos ateus vieram de famílias religiosas e inclusive foram religiosos. O que os levou ao ateísmo? Se lhes fizermos perguntas, as respostas serão muitas. Muitos ateus afirmam ter deixado de crer por não ter encontrado respostas para seus muitos questionamentos e após um estudo aprofundado da Bíblia. Eles falam de muitas contradições, imprecisões históricas e geográficas, da crueldade do Deus do Antigo Testamento e também da falta de provas de que Jesus tenha existido, visto que, além da Bíblia, não há nenhum outro registro – imparcial e de veracidade comprovada- atestando que Jesus existiu, tenha realizado seus muitos milagres, sido crucificado e tenha voltado à vida.

Diz-se muitas coisas dos ateus. Além das palavras preconceituosas do apresentador Datena, podemos citar as do padre jesuíta Duvivier, que alega que a honradez dos ateus é só de fachada, isto é, que os ateus são decentes apenas por conveniência social. Ou seja, os ateus são hipócritas. Poderíamos responder a Pe. Duvivier que também os cristãos foram e são hipócritas, pois falam muito no amor e no perdão esquecendo as centenas de milhares de vítimas inocentes provocadas pelas guerras de religião e a caça às bruxas. Outro que também disse coisas desfavoráveis sobre os ateus foi o pastor batista norte-americano Paul Washer, que alegou que os ateus na verdade não são ateus, mas mentirosos que negam a existência de Deus por medo do julgamento divino. Entretanto, Washer parece não se dar conta que a grande maioria, se não a totalidade dos crentes, pratica os seus cultos basicamente pelo medo da morte e não pelo “amor a Deus”. Também há quem diga que os ateus podem ser bons mas que lhes faltam os princípios básicos da santidade e que, como eles não oram nem buscam a santidade, não estão revestidos do verdadeiro amor cristão.

Como vemos, não dá para negar que há preconceitos de todo tipo. Um episódio que merece ser citado é o de uma senhora que disse que ateus não podiam ser bondosos, pois lhes faltava o amor cristão, como se o Cristianismo tivesse o monopólio da bondade! Na vida social, ateus são vistos com reserva e vários são aqueles que se queixam de não poder assumir seu ateísmo por medo de represálias. Muitos brasileiros jamais votariam em candidatos ateus.

Que podemos dizer de tudo isso? Deveríamos analisar melhor a realidade e não nos deixar levar por ideias que nos são implantadas sem que sua veracidade haja sido devidamente comprovada. Na vida real, podemos constatar que tanto há ateus quanto religiosos de bom caráter. Crer ou não em uma divindade não torna alguém melhor ou pior do que ninguém.

Phil Zuckerman, sociólogo norte-americano que estuda como a religião influi na vida social, observou que em cidades norte-americanas onde havia mais religião havia mais criminalidade e pobreza e que os afro-americanos, justamente os mais religiosos, apresentavam índices maiores de pobreza, marginalidade, gravidez na adolescência ao passo que os menos religiosos, como os asiáticos-americanos, apresentavam melhores expectativas de vida e desenvolvimento social.

Além disso, Phil Zuckerman também estudou a realidade dos países escandinavos, que são os menos religiosos, como Noruega e Suécia, observando que em muitos deles os presídios estão fechando, a educação é de primeira qualidade e quase não se enfrentam problemas como gravidez na adolescência ou pobreza. E que, nesses países, havia um alto respeito pelos direitos humanos.

Isso nos levaria a concluir que o ateísmo está certo e que é errado ter uma religião? Com certeza não, mas é algo que deve nos forçar a refletir, porque nos mostra que o ateísmo não deve ser usado como motivo para se ter um julgamento negativo sobre ninguém.