JACÓ, ESAÚ E O DETERMINISMO INCONDICIONAL

“Como está escrito: Amei Jacó e aborreci a Esaú.” (Romanos 9:13)

Segundo o costume dos hebreus, o filho mais velho herdava os bens do pai tornando-se o chefe do Clã. Os filhos do patriarca Isaque e netos de Abraão, Jacó e Esaú (Gênesis 25: 24) segundo os textos bíblicos já disputavam o direito da primogenitura e da herança paterna ainda no ventre materno.

É muito provável que essa história seja uma lenda, um resquício de tradição oral adaptada e inserida pelo escriba, responsável pela redação do livro, com a finalidade de explicar a origem de uma rivalidade verdadeira ocorrida entre os gêmeos.

Entretanto, sendo lenda ou não, suscitou opiniões de alguns personagens bíblicos como o profeta Malaquias (Malaquias 1:2-3) e baseando-se nele, o apóstolo Paulo (Romanos 9:11-13; Hebreus 12:16). Neles se lê que Deus amava Jacó e Aborrecia ou odiava a Esaú. Para o apóstolo, Jacó estaria predestinado por Deus para herdar a primogenitura, enquanto que Esaú o seu destino já estava determinado: seria servo do irmão mais novo. Assim, a responsabilidade dessa concorrência e predestinação foi atribuída ao próprio Deus.

Para os comentadores do Novo Testamento, Paulo no seu raciocínio dos textos antigos, chegou a ideia da predestinação como uma determinação inflexível e absoluta de Deus decidindo os destinos de cada pessoa sem a participação do livre arbítrio ou de alguma condição meritória.

Por isso, muitos teólogos cristãos, raciocinando em cima dos escritos paulinos, desenvolveram e disseminaram essa crença, que trás inúmeros problemas morais, como por exemplo:

- Deus elege a alguns em detrimento de outros, sem nenhum tipo de critério, apenas por sua vontade que é soberana.

É o mesmo que dizer que nossa condição atual seja de pobreza ou de riqueza, de má índole ou de bom caráter, de perdição ou de salvação… Tem como causa a influência de Deus em nossa vida segundo a sua determinação soberana e não pelo uso do nosso Livre arbítrio. Sendo assim, o homem não pode ser responsabilizado por nenhuma de suas ações.

Por conseguinte, na cristandade a predestinação e o livre-arbítrio sempre foram objeto de debate, principalmente entre os cristãos protestantes, que praticamente ficaram divididos entre os defensores da primeira (Calvinistas) e os apoiadores da ultima (Arminianos).

No Espiritismo, essas duas ideias andam juntas e se complementam, não existindo contradição entre elas. Explicando de maneira lógica e racional a soberania absoluta de Deus em nossas vidas sem diminuir a nossa responsabilidade nas escolhas.

Para compreendermos Malaquias e a apreciação de Paulo à luz do Espiritismo é preciso raciocinar o seguinte: sendo Deus infinito em todos os seus atributos, Ele não pode ser o amor infinito e ao mesmo tempo o ódio infinito. Portanto, se Deus é infinitamente justo, todas as suas atitudes estão de acordo com a justiça absoluta. Não podendo agir e impor ações às suas criaturas sem critérios absolutamente justos.

Acontece que, homens agressivos como eram os hebreus, os Espíritos do Senhor os conduzia através do medo, assim, vendo em Deus um ser de atitudes humanas, o temiam. Atribuindo à sua determinação todos os acontecimentos bons ou maus. Era o antropomorfismo humano que fazia de Deus um ser arbitrário. Assim, no pensamento da maioria dos homens de então, o determinismo era inconteste.

Somente a Doutrina da reencarnação (que Paulo provavelmente conhecia [1]) e a lei de ação e reação, podem colocar em harmonia posições tão antagônicas quanto a predestinação e o livre arbítrio, em concordância com a justiça infinita de Deus e a sua misericórdia.

Quando reencarnamos trazemos uma programação. Essa programação é uma espécie de determinismo escolhido pelo próprio espírito, quando este já está em condições de decidir com conhecimento de causa. Caso contrário, a espiritualidade superior, que se encontra mais apta a captar o pensamento divino, escolherá pelo reencarnante suas provações ou expiações, sempre visando ao seu melhoramento.

Mesmo assim, a sua liberdade de ação continua sendo exercitada, pois numa prova, por exemplo, a sua escolha determinará se sairá vencedor ou não da prova escolhida. Estava determinado antes do nascimento que o individuo passaria por determinada situação, como ele agira perante essa circunstância a sua livre escolha atuará.

No caso de uma expiação, ocorre o mesmo. Ela poderá seguir seu curso, de acordo com planejamento ou sofrer alterações, segundo as novas atitudes de renovação do espírito encarnado. Sendo-lhe abrandado ou mesmo anulado.

Com efeito, determinismo e livre arbítrio andam juntos e Deus em sua justiça e misericórdia infinitas sempre proporciona a cada indivíduo os meios de melhoramento de acordo com o proceder de cada um.

No caso de Jacó e Esaú, podemos inferir do texto à luz da Doutrina Espírita o seguinte: havia uma programação, (Jacó deveria ser um dos patriarcas do povo hebreu, segundo a revelação de um espírito do Senhor a Rebeca), mas teria que passar por uma provação, ele e o irmão eram dois espíritos que mantinham uma desavença antes do nascimento. Eram dois desafetos que reencarnariam como irmãos para sobrepujarem a animosidade recíproca e chegarem a um entendimento.

Após o reencarne mantiveram a animosidade através da rivalidade pela primogenitura. Finalmente depois de um longo período separados conseguiram chegar a certo consenso no momento do reencontro. E a missão de Jacó seguiu os rumos determinados pelo mundo espiritual superior.

O determinismo e o livre arbítrio estarão sempre presentes, no caminho evolutivo do espírito. Deus não determina a seu bel prazer os destinos humanos, Ele estabeleceu uma Lei. Toda vez que o espírito comete uma ação, haverá uma reação que retornará para ele, beneficiando-o se fez o bem ou recolocando-o no caminho pelo resgate ou provação. O livre-arbítrio aumenta proporcionalmente ao nível evolutivo do espírito, quanto mais cresce em moral e intelecto, mais responsabilidade e liberdade de ação terá.

Efetivamente, isso está mais de acordo com a justiça e sabedoria infinitas do Pai celestial. Desse modo, tenhamos discernimento nas nossas escolhas, pois inexoravelmente colheremos somente aquilo que plantamos.

[1] O historiador judeu Flávio Josefo (37 a 103 d.C.) em seu livro, Guerras judaicas, afirma que os fariseus acreditavam que as almas dos homens bons reencarnavam e que os maus iam para os tormentos eternos. Também encontramos a mesma ideia no Livro da Sabedoria 8:19 no Antigo Testamento da Bíblia Católica.