O Senhor de Todas as Criaturas
“(…) para que saibais que o Senhor dos Exércitos me enviou a vós.” – Zacarias 4.9
No capítulo 4 do seu livro, Zacarias descreve uma visão que teve de um castiçal todo de ouro (com um vaso de azeite no seu topo), com as suas sete lâmpadas, e sete canudos, um para cada uma das lâmpadas. Por cima do castiçal havia duas oliveiras, uma à direita do vaso de azeite, e outra à sua esquerda. A interpretação mais comum dessas duas oliveiras é que elas representam dois líderes do período do retorno dos judeus do Cativeiro, Josué e Zorobabel, “os dois ungidos, que estão diante do Senhor de toda a terra” (Zacarias 4.14). Também é ponto praticamente pacífico que o óleo da unção representa o Espírito Santo, que capacita os escolhidos do Senhor para determinadas funções.
As sete lâmpadas, por sua vez, significam provavelmente “os sete olhos do Senhor, que percorrem por toda a terra” (Zc 4.10), que podem representar o Espírito Santo em sua operação sétupla de conceder sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, conhecimento, temor e deleite (Is 11.2-3), o que Apocalipse 4.5 chama de “sete lâmpadas de fogo, as quais são os sete espíritos de Deus” e 5.6 chama de “sete pontas e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados a toda a terra”. Para Bauckam (1993), por isso, Zacarias 4 é a chave para compreendermos o pensamento de João sobre o papel do Espírito Santo no Apocalipse.
Zacarias 4 lida com um tema-chave desse livro que é a reconstrução do templo de Jerusalém, símbolo máximo da presença divina entre Seu povo. Já na primeira visão o Senhor diz que sua casa seria reconstruída (1.16). Em Zacarias 3.7, lemos que Josué seria nomeado sumo sacerdote e o oficial mais importante no templo antes de sua conclusão. No capítulo 4, vários símbolos, objetos e metáforas representam a presença do Senhor, juntamente com promessas sobre a reconstrução do templo.
Outro tema importante em Zacarias é a soberania de Deus, que é apresentada nesse texto na forma do título “O Senhor dos Exércitos” (4.6 e 4.9). Embora o termo “exército” possa ser frequentemente entendido como significando forças militares, ele é muitas vezes usado na Bíblia no sentido de “multidão” ou “grande quantidade”. Por exemplo, em Gênesis 2.1: “Assim os céus, a terra e todo o seu exército foram acabados”. Por isso, conforme O'Kennedy (2019), o título “o Senhor dos Exércitos” deve ser entendido como “o Soberano sobre todas as criaturas e poderes no céu e na terra”. Esse sentido é confirmado pela expressão “Senhor de toda a terra” empregada no fim de Zacarias 4.
O Reino de Deus abrange tudo o que existe, já que, em certo sentido, tudo o que existe está debaixo do domínio divino. Isso vai contra a teologia que muitos judeus tinham à época de Zacarias de que o templo de Jerusalém era a sede terrestre do governo de Deus sobre a terra e especialmente sobre Israel. Mas Deus não deixou de ser o Senhor dos Exércitos com a destruição do templo. Ele ainda reinava sobre Israel, e sobre toda a terra.
Até hoje muitos cristãos têm a ideia de que o poder de Deus se manifesta somente no templo físico, ou necessariamente de maneira especial entre as quatro paredes da “igreja”. Entretanto, não há nenhuma razão bíblica para crer nisso. O Reino de Deus não deve ser limitado por nenhum aspecto físico ou geográfico, porque ele não conhece limites. Muitos cristãos aprenderam isso durante a epidemia de Covid-19, mas muitos ainda teimam em desistir da tempolatria.
Uma das implicações dessa soberania absoluta do Senhor é quebrar nosso orgulho. Deus vai humilhar todos aqueles que se exaltam. Por isso, no Reino de Deus, a liderança deve ser exercida com humildade, gentileza e paciência, sabendo que no fim das contas toda autoridade pertence ao Senhor. “Aprendei de mim”, diz nosso Rei, “que sou manso e humilde de coração” (Mt 11.29).
Essa noção também nos liberta do ídolo da popularidade e do sucesso, através da negação do poder da obsessão com o nosso próprio desempenho. Não precisamos estar ansiosos em provar nada para os outros, porque “o Senhor é bom, (...) e conhece os que confiam nele” (Naum 1.7). Se o Senhor nos conhece, não precisamos nos preocupar em sermos notados, elogiados, aplaudidos e considerados um sucesso, nem mesmo por aqueles sobre quem exercemos liderança. Eles não precisam reconhecer nossa autoridade, se o Senhor a reconhecer.
BAUCKHAM, R. The Climax of Prophecy. Nova Iorque: T&T Clark, 1993.
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