O Senhor Não o Verá?

“Contudo dizem: O Senhor não o verá; nem para isso atenderá o Deus de Jacó.” – Salmo 94.7

No Salmo 94, Deus é aquele que vê a maldade dos ímpios e intervém como um rei justo. Essa ideia aparece em diversas outras passagens do Saltério, que colocam Deus como aquele que ouve o Seu povo no dia da angústia e o protege (20.1); que ouve a murmuração e se indigna, acendendo o fogo da Sua ira até mesmo contra os desobedientes do próprio Israel (78.19-22); que inclina os seus ouvidos para escutar as orações dos homens (84.8); e que é um rei ama o juízo, firma a equidade e impõe a justiça (99.4).

O versículo acima mostra a zombaria dos incrédulos ao negar que Deus vê as coisas que eles fazem. Quando o perverso não sofre de imediato a punição por sua maldade, a tendência é ele se tornar pior, porque ele chega à conclusão que ou Deus não vê, ou não se importa – note que o ímpio retratado aqui não chega ao cúmulo do absurdo da irracionalidade de negar que o Deus de Jacó existe, apenas nega sua intervenção.

Uma das maneiras sutis de zombar do Senhor em voga hoje é atribuir a Deus um amor contrário à Sua justiça. Um amor sem julgamento, sem ira, sem vingança. A ênfase nessa falsificação não torna as pessoas mais amorosas, mas, segundo o salmo 94, mais perversas, já que as pessoas usam desse pretexto de que o Senhor não julgará para praticarem o mal com mais fervor.

Os versículos 8-11 afirmam que é uma tolice pensar assim. Deus criou o ouvido, então Ele ouve tudo; criou os olhos, então Ele vê tudo; Ele é a luz que ilumina a mente de todos os homens para que eles possam compreender qualquer coisa, então Ele sabe tudo. Ele pode não mostrar Sua justiça ao mundo totalmente agora, mas Deus não está ocioso (v.12), Ele está ensinando a alguns bem-aventurados a justiça da Sua lei, ainda que para isso precise castigá-los de vez em quando, a fim de livrá-los do castigo destinado aos ímpios (v.13).

O Senhor não rejeitará o seu povo, não desamparará os que são Seus para sempre, mas exercerá justiça e redimirá todos os retos de coração (vs. 14-15). Por isso Ele os está preparando para que, no dia do julgamento, eles sejam irrepreensíveis. Devemos, portanto, viver essa justiça conscientes do juízo, especialmente se opondo aos malfeitores (v.16), defendendo o pobre e o imigrante (v. 6). Nas palavras do pastor Bryan Clark (2009), o salmista sente o desamparo dentro dele. Não há nada que ele possa fazer para parar isso. Parece que os ímpios estão prosperando e ninguém os está impedindo. Sua crença última em um Deus de vingança é o que lhe traz conforto em um mundo de tantas injustiças. No fim das contas, o único que pode consertar tudo é Deus. O único que traz esperança é Deus.

Deixe Deus te libertar do peso de fazer justiça. A Ele pertence a vingança, não a nós. Você pode amar com o amor de Jesus, que dá a vida por seus inimigos, confiante de que o mal não ficará impune. Não se deixe dominar por pensamentos ansiosos, mas deixe que a certeza da justiça de Deus te console (v.19). Deixe que o pensamento de que um dia o Senhor vai endireitar tudo te libertar para ser feliz em um mundo perverso, injusto e mau.

O Salmo 94, como toda a literatura de lamentação na Bíblia, só faz sentido à luz de uma crença firme na soberania absoluta de Deus. Nas palavras de DeWaay (1998), o salmista tem completa certeza de que Deus tem todo o poder e que nada O impede de mudar qualquer situação – esse é o grande motivo da lamentação em primeiro lugar. O problema é que o homem sem fé, ao contrário do santo que lamenta, se apega demasiadamente àquilo que os seus sentidos percebem, de modo que ele ignora – ou finge ignorar – que o que ele sabe é infinitamente menos do que o que Deus sabe. O Senhor não vê como o homem vê, Ele vê muito além, muito mais profundo, muito mais amplamente.

Ele conhece cada estrela do Universo e cada pequeno grão de areia na Terra. Sabe onde está cada quasar e cada partícula subatômica (WILLMINGTON, 2017). Ele sonda até “os pensamentos do homem, que são vaidade” (v.11). Ele conhece você, que diz que conhece a Deus, mas que vive como se Ele não existisse, ou não visse o que você faz quando ninguém está olhando. Essa é uma forma de idolatria, já que alguém que vive como se Deus não julgasse representa Deus de maneira enganosa, criando uma ilusão, um ídolo.

Quando somos tocados por Jesus, Ele abre os nossos olhos para que sejamos capazes de ver, não tanto quanto Deus, mas mais do que os homens que são controlados por seus desejos carnais. Nossos olhos são abertos para o sofrimento, injustiça e opressão que correm soltos pelo mundo (vs. 2-6, 21). Cristãos iluminados dessa forma devem assumir naturalmente a vanguarda na luta por justiça, em todos os níveis. “Quem será por mim contra os malfeitores? Quem se porá por mim contra os que praticam a iniqüidade? (v.16)”, ele pergunta, e ainda que ninguém apareça para se juntar a ele, uma resposta implícita aparece: o Senhor virá ao seu auxílio (v.17).

CLARK, Bryan. God of Vengeance. 2009. Disponível em: <http://s3.amazonaws.com/LBC-Sermons/2009-07-19_Transcript_2009SummerInPsalms_GodOfVengeance.pdf>.

DEWAAY, Bob. The Hebrew Lament and the Problem of Evil. 1998. Disponível em: <https://cicministry.org/~cicminis/commentary/issue64.pdf>.

HO, Peter C. W. The Design of the MT Psalter: A Macrostructural Analysis. 2016. Tese de Doutorado. University of Gloucestershire. Disponível em: <http://eprints.glos.ac.uk/5830/>

HOWARD, David M. Psalm 94 among the Kingship-of-Yhwh psalms. The Catholic Biblical Quarterly, v. 61, n. 4, p. 667-685, 1999.

ONIFADE, O.; ABATI, M. The Application of Faith Principles to Newspaper Columns in Nigeria: Implications for National Development. Disponível: <https://www.africanscholarpublications.com/wp-content/uploads/2020/07/NIJHSS_Vol8_No4-7.pdf>.

WILLMINGTON, Harold. God is Omniscient. 2017. Disponível em: <https://digitalcommons.liberty.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://scholar.google.com.br/&httpsredir=1&article=1004&context=three_one>.