O Salmo 91 é um amuleto?
Nas palavras de Brennan Breed (2014), poucos livros impactaram a ampla gama de culturas humanas tão intensa e profundamente quanto o Livro dos Salmos. Da liturgia à arquitetura, da poesia à política e da medicina à música, os salmos provaram ser um recurso rico para quase todos os caminhos da vida humana. O Salteiro foi moldado de forma tal que pode ser aplicado a diferentes situações. A natureza muito geral e aberta das referências aos inimigos e provações nos salmos de lamentação, por exemplo, permite aos leitores que enfrentam problemas bem diferentes descobrir que os salmos elucidam sua situação particular.
Isso pode ajudar a explicar por que é tão difícil entender com certeza o contexto original de certos salmos, já que é justamente a sua abertura para múltiplas interpretações que os torna tão poderosos. O Salmo 91, por exemplo, começa com uma declaração em primeira pessoa de confiança no Senhor, então parece mudar para uma proclamação em segunda pessoa da proteção do Senhor para o orador e conclui com uma promessa divina de salvação para os fiéis.
Por isso, conforme Breed, diferentes estudiosos sugeriram distintas formas de interpretá-lo, inclusive como um ritual de purificação, uma bênção geral, uma promessa oracular de vitória militar dada a um rei, ação de graças pela recuperação de uma doença, parte da liturgia de entrada no templo, um pedido para asilo no templo, uma cerimônia de entronização ou mesmo uma canção de conversão ao “Yahwismo”. Isso não significa que o Salmo 91 seja indeterminado, já que há um certo grau de estrutura anterior à interação com o leitor, mas que há diferentes aplicações legítimas dele.
A maioria dos leitores ao longo da história entendeu o Salmo 91 como um amuleto apotropaico – uma declaração ou representação da proteção divina contra demônios ou outros males. Mas, ironicamente, a principal citação do Salmo 91 no Novo Testamento, apesar da antiga superstição de que ele tinha poderes contra demônios, foi feita pelo próprio Diabo para tentar Jesus, e Cristo respondeu rejeitando (ou, pelo menos, minimizando) o uso místico dele. Por outro lado, Jesus afirma mais tarde que o que Salmos 91.13 diz, que aos fiéis seria dado o poder de "pisar serpentes" (Lucas 10.19), se aplica aos seguidores Dele, entendendo a expressão como tendo o sentido de sujeitar os demônios, pelo que Ele diz logo a seguir: “Mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos (…)” (Lucas 10.20).
Podemos entender, portanto, que a fé da pessoa no Senhor, e não nas palavras do salmo usadas como um encantamento, que lhe dá acesso ao poder para derrotar as forças do mal. Embora a palavra fé não apareça no texto, expressões como descansar em Deus (v.1), confiar Nele (v.2), não ter medo (v.5), fazer morada no Altíssimo (v.9, sendo Altíssimo uma tradução de Elyon, um título usado para Deus), amar a Deus (v.14), conhecer o Seu nome (v.14), invocar ao Senhor (v.15) etc., como exercícios de fé.
Isso nos dá uma perspectiva bíblica para analisarmos a teologia de pessoas como Don Gossett, que em seu livro “What You Say Is What You Get”, ensina que há poder nas palavras proclamadas de acordo com o que a Palavra de Deus declara. Não precisamos crer que há algum poder nos versículos da Bíblia per si, mas que recitá-los em nosso coração ou em voz alta pode despertar a nossa fé no conteúdo do que a Palavra de Deus diz, conduzindo-nos a alcançar aquilo que buscamos.
Gosset conta em seu livro que o ano em que nasceu uma de suas filhas foi o mais difícil de sua vida. O parto em si já foi complicado para sua esposa, s+eu médico regular estava ausente, e o substituto era um alcoólatra convicto, de modo que ele sumiu na hora do parto. Enquanto as enfermeiras tentavam desesperadamente localizar um médico, sua esposa ficou sofrendo na sala de parto.
Quando eles conseguiram outro médico e a criança nasceu, ficou claro que ela não estava bem. O médico disse que sua esposa aparentemente desenvolveu uma grave deficiência de cálcio na gestação. O cálcio tinha passado do bebê para a mãe, fazendo com que os ossos das mãos e dos pés da criança ficassem moles e malformados. As mãos provavelmente poderiam ser massageadas gradualmente de volta para o lugar, mas os pés tortos geralmente eram irreversíveis, mesmo com cirurgia. Além disso, a menina apresentava dificuldades para respirar e, por isso, poderia não sobreviver muito tempo. Gessos foram colocados em seus pés e ela foi colocada em uma incubadora para auxiliar sua respiração, e uma enfermeira especial foi designada para massagear suas mãos diariamente.
Depois que ele levou sua esposa para casa, como ela ainda estava muito fraca, ele ia sozinho todos os dias para o hospital visitar sua filha. Ele se sentava ao lado da incubadora e a observava chutando com os pés minúsculos, juntando os moldes de gesso. Como ele só tinha permissão para abraçá-la por alguns poucos momentos por dia, passava a maior parte do tempo orando por ela.
Durante esse tempo, sua esposa foi acometida por febre reumática, provocada pela mesma deficiência de cálcio que causou os pés tortos do bebê. Ele precisou deixar o ministério para se dedicar à esposa e os três filhos pequenos. Apesar disso, ele e sua esposa se tornaram mais próximos do Senhor a cada dia. Estudaram a Bíblia extensivamente e liam muitos livros, panfletos e revistas para fortalecer sua fé.
Algumas semanas depois eles tiraram os gessos dos pés do bebê para substituí-los por maiores, mas quando os retiraram, os pés dela estavam perfeitos. O doutor disse nunca ter ouvido falar sobre uma recuperação desse tipo na vida. Era um milagre. A respiração também havia normalizado. Mas não havia acabado: a esposa ainda sofria de febre reumática, sentindo dores terríveis dia e noite. Além disso, eles não tinham renda nenhuma. Hipotecaram seus imóveis, mas o dinheiro acabou.
Certa noite, ele estava lendo o Salmo 27 para sua esposa, quando o Espírito Santo avivou esta passagem para ele: “O Senhor é a força da minha vida”. Animado, ele disse à sua esposa: “Querida, você ouviu essa Escritura? O Senhor é a força da sua vida!”. Calmamente, ela repetiu as palavras em voz alta, e o Espírito Santo deu vida a essas palavras para ela, o olhar apático desapareceu de seus olhos e com uma vibração que ela não possuía há muito tempo, ela disse: “Sim, estou vendo! O Senhor é a força da minha vida!”.
Uma alegria enorme tomou conta dos dois, e ele disse: “Querida, se o Senhor é a força da tua vida, então você não precisa ficar deitada nessa cama! Você não precisa ficar fraca e doente! Em nome de Jesus, você pode se levantar e andar!”. Ela titubeou um pouco, mas, confiante, lentamente se ergueu. Enquanto ela lutava para ficar de pé, repetia para si mesma aquela passagem. Seu corpo doía tanto quanto antes, mas ela havia se esquecido de si. Confiava na poderosa e infalível Palavra de Deus. Quanto mais ela repetia a Escritura, mais recebia força. Bem diante dos olhos deles, o inchaço diminuiu e a descoloração desapareceu. Ela foi completamente curada.
A cura não aconteceu, ao contrário do que Gossett possa dizer, por causa de algum poder intrínseco às palavras proferidas. Ela aconteceu porque eles creram no Senhor por intermédio de Sua Palavra. Faça o mesmo. Confie na Palavra de Deus, e recite-a para si mesmo para fortalecer a tua fé. Nas palavras de Gossett, repita o que Deus diz sobre a tua vida. Repita o que Ele disse sobre tua saúde, tuas finanças, tua força e sobre todas as bênçãos que Ele prometeu. Convença a tua própria mente com essas coisas, e você experimentará todos os benefícios do Senhor mediante a fé.
BREED, Brennan. Reception of the Psalms: The Example of Psalm 91. William P. Brown (Hg.), The Oxford Handbook of the Psalms, Oxford, p. 297-310, 2014.
GOSSETT, Don. What You Say is What You Get. Whitaker House, 1976.