Deus, o teu Deus, te Ungiu
“Tu amas a justiça e odeias a impiedade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais do que a teus companheiros.” – Salmos 45.7
Conforme Murray Harris, em “The Translation of Elohim in Psalm 45: 7-8”, o salmo 45 é um dos componentes do trecho do livro dos Salmos chamado “saltério eloísta” (42-83), que recebe esse nome por causa da predominância do termo “Elohim” para se referir ao Criador – nesse versículo, ele aparece duas vezes, sendo traduzido como “Deus”. Ele pertence também aos chamados “salmos reais”, que recebem esse nome porque o rei é a figura central. É uma canção de casamento, que idealiza um rei ideal da dinastia davídica.
Ainda segundo Harris, alguns sugerem que essa ode nupcial pode ter sido cantada quando uma nova rainha e seus assistentes entravam no palácio em uma esplêndida procissão, ou após uma cerimônia de casamento ter ocorrido e o rei e a rainha estarem sentados em tronos em seu palácio com a presença da comitiva real e celebrando a festa de casamento.
Na estruturação do salmo feita por Harris, o versículo acima se encaixa em uma seção (vs. 6-9) que louva como característica do rei uma administração justa em uma dinastia que está destinada a durar para sempre, que merece o prazer divino e solicita a alegre homenagem de sua corte. O versículo está especialmente ligado ao 6, pois podemos dizer que Deus ungiu o rei com “com óleo de alegria” (v.7) justamente para que a sua dinastia, o seu trono, fosse “eterno e perpétuo” (v.6), porque sua administração real é marcada por justiça (“cetro de equidade”, v.6) e porque Ele amou a justiça e odiou a impiedade (v.7).
Uma questão difícil nesse salmo é a quem o termo Elohim se refere no versículo 6. A maioria das traduções antigas e modernas dão a entender que esse termo geralmente designativo de Deus é usado para o rei – e uma das evidências disso é que a melhor forma de traduzir o termo no versículo 6 é como um vocativo (“ó Deus”), mas logo a seguir, no versículo 7, ele fala de Deus na terceira pessoa, indicando que em toda essa seção o salmo está falando do rei, o que tornaria uma interrupção brusca para se falar com Deus estranha. Isso significa que o rei de que o salmo 45 é, em algum sentido, divino.
Uma objeção a essa conclusão seria que o termo Elohim, na maioria das vezes no livro dos salmos, e três vezes só no 45, se refere a Deus, sendo raro uma aplicação a outros sujeitos; portanto, isso significaria que, até que se prove o contrário, Elohim deve ser interpretado como Deus. Harris traz a réplica, entretanto, de que esse uso incomum de Elohim no versículo 6, referindo-se a um ser humano, explica porque ele no versículo 7 diz “Deus, o teu Deus”. É como se ele estivesse tentando deixar bem claro que o rei como Elohim é diferente do Senhor como Elohim. O rei seria distinto de todos os outros homens (sendo, por isso, um elohim, um "deus"), mas o Senhor é superior a ele, e por isso o salmista enfatiza que ele foi ungido por “Elohim, o teu Elohim”.
O rei foi escolhido para ser um representante de Deus na terra, exercendo uma autoridade delegada, mas soberana. É dessa forma que Hebreus 1 entende esse texto, citando também outras passagens do Antigo Testamento para dizer que Jesus Cristo, o rei ideal que incorpora o que o salmo 45 diz, é herdeiro de todas as coisas, o resplendor da glória de Deus, a expressa imagem da Sua pessoa, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, assentado à destra de Deus nas alturas, feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles.
Se Jesus, nosso rei, nosso Elohim, é soberano sobre todas as coisas, e se Ele ama a justiça e odeia a impiedade, aqueles que são seus servos, os povos que o “louvarão eternamente” (Sl 45.17), podem confiar Nele em todas as coisas. Mesmo as mais terríveis forças da natureza estão sob seu domínio: terremoto, inundação, fome, naufrágio, tempestade e doenças não são mais poderosos que Jesus. Devemos honrá-lo, portanto, acima de qualquer outra coisa, e fazer lembrado Seu “nome de geração em geração” (v.17).