A MEDICINA DO PERDÃO
“Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer; e se tiver sede, dá-lhe água para beber. Porque assim lhe amontoarás brasas sobre a cabeça; e o Senhor lhe retribuirá” (Provérbios 25:21,22)
Belo provérbio esse. Está na essência do equilíbrio psicológico que todos buscamos para viver uma vida plena e isenta de rancores, mágoas, conflitos e relacionamentos mal resolvidos.
Nesse provérbio, o sábio nos concita a perdoar e esquecer. É o mesmo conselho que o Apóstolo Paulo nos dá em Romanos, 12:19-21. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor. Antes, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”.
Com efeito, nada constrange mais o nosso desafeto do que a ideia de que nós somos capazes de ter sentimentos superiores ao dele. Pois o comportamento de agredir, bater, suprimir, derrotar, pisotear sobre um adversário é um resquício da nossa raiz animal. E o homem, ao adquirir a consciência sobre si mesmo, descobriu que a vingança, a retribuição do mal recebido, não é a única opção de resposta que ele pode dar a um agravo que lhe foi feito. A descoberta da possibilidade de que o mal pode ser retribuído com o bem, e que esse comportamento gera uma resposta psicológica muito mais densa sobre o psiquismo do ofensor do que a mera vingança foi, como disse o filosofo Teilhard de Chardin, um dos grandes marcos no desenvolvimento psicológico da espécie humana.
Essa descoberta é um mérito da cultura judaico-cristã que nos deu esse grande monumento literário e filosófico que nós chamamos de Bíblia. Por que foi dessa constatação – de que a vingança pertence a Deus - que as sociedades evoluíram da Pena de Talião (o olho por olho, dente por dente), para uma humanização do Direito Penal. É como diz o poema:
─Pois é assim que funciona este mundo:
Ação e reação – eterno processo a fluir.
Se há uma força que nos leva ao fundo,
Existe outra que nos concita a emergir.
Mas se ao fogo respondemos com fogo
O que fazemos é só atiçar uma fogueira.
Não haverá meio de virarmos esse jogo,
Se nesse lume ficarmos pondo madeira.
Este enunciado contém grande ciência:
Quando uma força não provoca reação,
Ela se anula na sua própria impotência.
Não reação é o que este preceito nos diz.
E que o instinto sempre dê lugar á razão.
Com essa arma Ghandi libertou seu país.[1]
Pois a não reação ao mal não é, como propagaram os discípulos de Nietszche e os arautos da teoria da supremacia das raças, um comportamento do covarde que não tem coragem de reagir ao ataque. Na verdade, para suportar um tapa no rosto sem devolvê-lo é preciso reunir muito mais coragem do que precisamos para bater de volta. Exige superação dos próprios instintos. Exige força interior, que só os espíritos que superaram a primitiva barbárie dos nossos ancestrais possuem.
A propósito, só para ilustrar este nosso artigo, lembramos que o simbolismo das brasas vivas sobre a cabeça do ofensor é derivado de um antigo ritual egípcio, em que um condenado por ofensa a um cidadão era obrigado a expiar a sua culpa carregando pela cidade inteira uma bacia com carvões em brasa sobre a cabeça. A humanização desse conceito foi a grande sacada do sábio eclesiástico. Pois ao propor devolver bondade e perdão em vez de vingança, a “brasa viva” que se põe sobre a cabeça do ofensor não o queima apenas externamente, mas sim, fica “queimando” a sua consciência pela vida toda, na forma de sentimento de culpa e complexo de inferioridade, por sentir-se incapaz de um sentimento tão elevado.
É essa a mesma idéia esposada pelo Apóstolo Paulo. Sua proposta é que a vingança seja rejeitada como uma reação cristã à injustiça. Até porque o conceito de justiça e injustiça é relativo. Ele sempre é medido pelo resultado. Quem supostamente comete uma injustiça contra nós dificilmente reconhecerá, no momento em que pratica a ação, que está sendo injusto. Para ele, a ação que nós julgamos injusta, é a coisa certa a fazer. É a mesma coisa que exigir que um cão bravo deixe de morder um estranho que invade o espaço que ele foi treinado para guardar.
Assim, ao aconselhar o perdão no lugar da vingança, a teologia judaico-cristã não está transformando o homem em uma “conformidade lastimosa”, como o definiu Nietszche em sua visão do super-homem, mas sim fortalecendo-o internamente, com uma arma que é muito mais poderosa que a mera força bruta: o poder do espírito.
Mas, em tudo isso, é preciso não esquecer que, renunciar à vingança não quer dizer deixar de se defender. Não há nada de errado em encarar uma boa briga quando ela se faz necessária. Mas é preciso saber escolher a pessoa certa, o momento certo, o motivo certo e a medida certa dos nossos golpes defensivos. Quem conseguir fazer essa escolha de modo correto só precisará brigar uma única vez.
Por fim, lembramos que de nada vale o perdão se, na mesma medida, não formos capazes de esquecer. E principalmente, que ninguém, nem mesmo Deus, pode perdoar uma ofensa, a não ser a pessoa que a sofreu. Jesus reflete bem esse conceito na famosa perícope em que ele nos aconselha uma composição com o adversário antes de o conflito ser levado ao tribunal. Ao invés da ação reativa, uma ação compositiva, ditada pela razão e não pela emoção será muito mais resolutiva do que qualquer vingança que se possa tomar contra o ofensor. É o que diz este outro soneto.
Não é a Deus que devemos pedir perdão,
Pois se erramos, não é Ele o prejudicado.
Mas o mal que fizermos ao nosso irmão,
Só por ele mesmo terá que ser perdoado.
Isso não é como ensinam algumas igrejas,
Que mais se parecem com supermercado,
Ao propor vender o perdão em bandejas,
Como se fosse um produto industrializado.
Porque só o indivíduo que sofreu a ofensa,
Pode ser o titular da devida competência,
Para prolatar contra o ofensor a sentença.
E Jesus diz: quem quiser fugir do castigo,
Que por si próprio resolva sua pendência,
Pois não se deve deixar atrás de si inimigo.[2]
Carpe Diem.
“Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer; e se tiver sede, dá-lhe água para beber. Porque assim lhe amontoarás brasas sobre a cabeça; e o Senhor lhe retribuirá” (Provérbios 25:21,22)
Belo provérbio esse. Está na essência do equilíbrio psicológico que todos buscamos para viver uma vida plena e isenta de rancores, mágoas, conflitos e relacionamentos mal resolvidos.
Nesse provérbio, o sábio nos concita a perdoar e esquecer. É o mesmo conselho que o Apóstolo Paulo nos dá em Romanos, 12:19-21. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor. Antes, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”.
Com efeito, nada constrange mais o nosso desafeto do que a ideia de que nós somos capazes de ter sentimentos superiores ao dele. Pois o comportamento de agredir, bater, suprimir, derrotar, pisotear sobre um adversário é um resquício da nossa raiz animal. E o homem, ao adquirir a consciência sobre si mesmo, descobriu que a vingança, a retribuição do mal recebido, não é a única opção de resposta que ele pode dar a um agravo que lhe foi feito. A descoberta da possibilidade de que o mal pode ser retribuído com o bem, e que esse comportamento gera uma resposta psicológica muito mais densa sobre o psiquismo do ofensor do que a mera vingança foi, como disse o filosofo Teilhard de Chardin, um dos grandes marcos no desenvolvimento psicológico da espécie humana.
Essa descoberta é um mérito da cultura judaico-cristã que nos deu esse grande monumento literário e filosófico que nós chamamos de Bíblia. Por que foi dessa constatação – de que a vingança pertence a Deus - que as sociedades evoluíram da Pena de Talião (o olho por olho, dente por dente), para uma humanização do Direito Penal. É como diz o poema:
─Pois é assim que funciona este mundo:
Ação e reação – eterno processo a fluir.
Se há uma força que nos leva ao fundo,
Existe outra que nos concita a emergir.
Mas se ao fogo respondemos com fogo
O que fazemos é só atiçar uma fogueira.
Não haverá meio de virarmos esse jogo,
Se nesse lume ficarmos pondo madeira.
Este enunciado contém grande ciência:
Quando uma força não provoca reação,
Ela se anula na sua própria impotência.
Não reação é o que este preceito nos diz.
E que o instinto sempre dê lugar á razão.
Com essa arma Ghandi libertou seu país.[1]
Pois a não reação ao mal não é, como propagaram os discípulos de Nietszche e os arautos da teoria da supremacia das raças, um comportamento do covarde que não tem coragem de reagir ao ataque. Na verdade, para suportar um tapa no rosto sem devolvê-lo é preciso reunir muito mais coragem do que precisamos para bater de volta. Exige superação dos próprios instintos. Exige força interior, que só os espíritos que superaram a primitiva barbárie dos nossos ancestrais possuem.
A propósito, só para ilustrar este nosso artigo, lembramos que o simbolismo das brasas vivas sobre a cabeça do ofensor é derivado de um antigo ritual egípcio, em que um condenado por ofensa a um cidadão era obrigado a expiar a sua culpa carregando pela cidade inteira uma bacia com carvões em brasa sobre a cabeça. A humanização desse conceito foi a grande sacada do sábio eclesiástico. Pois ao propor devolver bondade e perdão em vez de vingança, a “brasa viva” que se põe sobre a cabeça do ofensor não o queima apenas externamente, mas sim, fica “queimando” a sua consciência pela vida toda, na forma de sentimento de culpa e complexo de inferioridade, por sentir-se incapaz de um sentimento tão elevado.
É essa a mesma idéia esposada pelo Apóstolo Paulo. Sua proposta é que a vingança seja rejeitada como uma reação cristã à injustiça. Até porque o conceito de justiça e injustiça é relativo. Ele sempre é medido pelo resultado. Quem supostamente comete uma injustiça contra nós dificilmente reconhecerá, no momento em que pratica a ação, que está sendo injusto. Para ele, a ação que nós julgamos injusta, é a coisa certa a fazer. É a mesma coisa que exigir que um cão bravo deixe de morder um estranho que invade o espaço que ele foi treinado para guardar.
Assim, ao aconselhar o perdão no lugar da vingança, a teologia judaico-cristã não está transformando o homem em uma “conformidade lastimosa”, como o definiu Nietszche em sua visão do super-homem, mas sim fortalecendo-o internamente, com uma arma que é muito mais poderosa que a mera força bruta: o poder do espírito.
Mas, em tudo isso, é preciso não esquecer que, renunciar à vingança não quer dizer deixar de se defender. Não há nada de errado em encarar uma boa briga quando ela se faz necessária. Mas é preciso saber escolher a pessoa certa, o momento certo, o motivo certo e a medida certa dos nossos golpes defensivos. Quem conseguir fazer essa escolha de modo correto só precisará brigar uma única vez.
Por fim, lembramos que de nada vale o perdão se, na mesma medida, não formos capazes de esquecer. E principalmente, que ninguém, nem mesmo Deus, pode perdoar uma ofensa, a não ser a pessoa que a sofreu. Jesus reflete bem esse conceito na famosa perícope em que ele nos aconselha uma composição com o adversário antes de o conflito ser levado ao tribunal. Ao invés da ação reativa, uma ação compositiva, ditada pela razão e não pela emoção será muito mais resolutiva do que qualquer vingança que se possa tomar contra o ofensor. É o que diz este outro soneto.
Não é a Deus que devemos pedir perdão,
Pois se erramos, não é Ele o prejudicado.
Mas o mal que fizermos ao nosso irmão,
Só por ele mesmo terá que ser perdoado.
Isso não é como ensinam algumas igrejas,
Que mais se parecem com supermercado,
Ao propor vender o perdão em bandejas,
Como se fosse um produto industrializado.
Porque só o indivíduo que sofreu a ofensa,
Pode ser o titular da devida competência,
Para prolatar contra o ofensor a sentença.
E Jesus diz: quem quiser fugir do castigo,
Que por si próprio resolva sua pendência,
Pois não se deve deixar atrás de si inimigo.[2]
Carpe Diem.