Amor Pactual

"E disse: Ah! Senhor Deus dos céus, Deus grande e terrível! Que guarda a aliança e a benignidade para com aqueles que o amam e guardam os seus mandamentos" - Neemias 1.5

A palavra traduzida do hebraico como "benignidade" nesse texto vem da raiz "hesed", e tem um significado muito profundo por si mesma. Conforme Lester Kuyper (1964), o termo pode ser traduzido também como bondade, misericórdia ou amor. Mais especificamente, nas Escrituras o termo é usado no sentido de uma profunda consideração que vem da associação ou aliança entre dois ou mais sujeitos, de modo que esta não é uma explosão de misericórdia inesperada, nem uma demonstração arbitrária de favor, mas um amor pactual, algo esperado dentro de uma família ou outra forma de comunhão, que se manifesta na forma de atos visíveis, não apenas em palavras ou ideias.

Por exemplo, Neemias 9 nos ensina que Deus fez uma aliança com Abraão e, apesar de toda a desobediência dos seus descendentes, Ele honrou a aliança, mostrando-se "Deus perdoador, clemente e misericordioso, tardio em irar-te, e grande em beneficência (hesed)" (Ne 9.17). Em II Crônicas 1.8, Salomão diz que Deus usou "de grande benignidade (hesed)" para com Davi ao cumprir Sua aliança com ele e Sua promessa de que ele sempre teria um descendente no trono de Israel colocando Salomão em seu lugar. Em I Crônicas 19.2, o mesmo Davi diz: "Usarei de benevolência (hesed) com Hanum, filho de Naás, porque seu pai usou de benevolência (hesed) comigo". Davi se sentia na obrigação de ser bom com o filho do seu aliado porque este havia sido bom com ele também. Da mesma forma, Davi manda Salomão usar de hesed para com os filhos de Barzilai porque eles o ajudaram quando fugia de Absalão (I Reis 2.7).

Em I Reis 20.31-34, Acabe usa de hesed para com Ben-Hadade dizendo "é meu irmão", e faz com ele uma aliança. Em I Samuel 20.1-17, Jônatas e Davi fazem uma aliança em que ambos prometem usar de hesed um para com o outro. Em Rute 1.8, Noemi abençoa suas noras desejando que o Senhor usasse de hesed para com elas porque elas haviam feito o mesmo com seus maridos e com ela. Em Juízes 8.35, o autor lamenta que os filhos de Israel não "usaram de beneficência (hesed) com a casa de Jerubaal, a saber, de Gideão", embora eles lhes devessem isso, já que Gideão havia feito bem a Israel.

Um pouco antes de sua morte, Jacó convocou seu filho José e disse: "usa comigo de beneficência (hesed)" (Gênesis 47.29), no sentido de mostrar lealdade e fidelidade ao pai na questão de enterrá-lo com os antepassados em Canaã. Esse pedido de Jacó é solenemente confirmado com um juramento. Abraão, por sua vez, ao pedir para Sara dizer ser sua irmã, disse-lhe: "seja esta a graça (hasdek, variação de hesed) que me farás em todo o lugar aonde chegarmos" (Gn 20.13), o que, conforme os exemplos anteriores, traz implícita a noção de lealdade.

Hesed, portanto, é um tipo de benignidade à qual somos de certa forma obrigados, como uma dívida de amor. Não que Deus seja em si mesmo obrigado a fazer alguma coisa quando Ele usa de hesed, mas por Sua fidelidade Ele mesmo se compromete a guardar sua aliança e, consequentemente, agir com benignidade para com aqueles que O amam e guardam os Seus mandamentos. Esse é o tipo de amor que Paulo tem em mente ao dizer: "A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei" (Romanos 13.8). Nas palavras de um devocional da Grace Church, esse amor é algo devido a outra pessoa de forma contínua. Nossa bondade para com os outros, principalmente para com aqueles a quem somos de alguma forma associados, deve ser constante, por mais cansativo, doloroso e trabalhoso que isso seja, assim como Deus nos ama continuamente, e nos amou até a Cruz.

Não devemos tratar os outros, portanto, pensando naquilo que eles nos devem, pensando em que supostamente nós fazemos mais por eles do que eles fazem por nós. Nós devemos-lhes o amor, e se não pudermos pensar em nenhum motivo na própria pessoa para isso, devemos nos lembrar do maravilhoso, incansável e surpreendente amor pactual de Deus por nós.

GRACE CHURCH. Love as a Debt. Disponível em: <https://www.gracechurchtuscaloosa.com/articles-chronological/2020/9/7/20/love-as-a-debt>

KUYPER, Lester J. Grace and Truth: An Old Testament Description of God> and Its Use in the Johannine Gospel. Interpretation, v. 18, n. 1, p. 3-19, 1964.