Salvação Pela Graça e o Verdadeiro Arrependimento

A epístola aos Efésios já começa profunda ao chamar seus destinatários de santos, de fiéis e de filhos de Deus "nosso Pai" (1.1-2), a quem o Senhor abençoa com todas as bençãos espirituais. Por um lado, ela refuta a blasfêmia de que todos são filhos de Deus, pois os filhos do Senhor são apenas aqueles separados (santos) por Deus a quem Ele torna fiéis. Por outro, refuta a ideia de que alguém pode ser filho de Deus e, ao mesmo tempo, viver de qualquer maneira.

A seguir, Paulo explica que a razão da nossa filiação é o fato de Deus ter escolhido aqueles que ele separaria, não por que eles fossem melhores que os outros por si mesmos, mas segundo a bondade divina, para que eles fossem santos, irrepreensíveis e filhos adotivos do Senhor, para que Deus seja louvado pela Sua graça ao adotar pecadores gratuitamente. Essa adoção acontece por meio de Jesus Cristo, pois Ele foi sacrificado, sofrendo a punição pelos pecados dos eleitos, a fim de que eles fossem perdoados e, pelo Seu sangue, a graça fosse derramada sobre eles. Além disso, a própria adoção acontece "em Cristo" (1.1, 3, 9), porque é a justiça Dele a causa dessa escolha, e não nada que haja em nós.

Então o apóstolo nos mostra que essa adoção acontece por meio da pregação da "palavra da verdade, o evangelho" (1.13), que nos faz conhecer o mistério da vontade de Deus, a chave para entendermos tudo o que Ele faz, que é fazer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as do céu quanto as da terra; ou seja, Jesus é o centro da história, é Nele que tudo encontra ordem, harmonia e significado.

Como a eleição se manifesta na vida dos que são adotados? Pela fé. Quando eles ouvem a voz do Senhor, eles creem. A fé não é a razão pela qual Deus separa seus filhos, visto que se fosse isso já não seria mais um amor completamente gratuito, pois um pai que só ama seu filho se ele faz determinada coisa já não ama incondicionalmente. Ao contrário, crer é a manifestação da eleição, e é por meio disso que nós recebemos o Espírito Santo, somos selados com Ele, de forma que nos tornamos propriedade peculiar de Deus e herdeiros conforme as promessas, sendo distinguidos por meio deste selo dos demais homens.

Uma vez que nos tornamos filhos de Deus pela fé, temos a nosso favor o incomensurável poder de Deus. Isso é confirmado pelo fato de Jesus, nosso Salvador, estar agora assentado na mais elevada posição, como Senhor de todas as coisas, tanto nos céus quanto na terra. Uma vez que Cristo reina sobre tudo, e nós estamos ligados a Ele pela fé, como carne da sua carne e osso dos seus ossos (1.22-23, 5.29-31), nós reinamos com Ele (2.6-7). Essa graça que recebemos não é apenas um poder sobre todas as coisas, exercido em esperança, mas também é um poder sobre o pecado, que torna possível que sejamos verdadeiramente irrepreensíveis.

No início do capítulo 2 de Efésios, o apóstolo nos mostra a triste e desesperadora condição daqueles que não são filhos de Deus: eles estão mortos espiritualmente, sendo conduzidos pela sociedade, pelas forças espirituais da maldade e por seus próprios maus desejos e estão irremediavelmente (pelo menos segundo seus próprios recursos) destinados à ira de Deus por causa de seus pecados (2.1-3). Aliás, é justamente nesta alienação de Deus, neste afastamento provocado pelo repúdio Dele à nojeira do pecado do homem, que consiste a morte espiritual. Por outro lado, a vida que Ele nos dá está na nossa reconciliação com Ele por meio do perdão de nossos pecados.

"Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo" (2.4-5), tudo isto de graça, porque, uma vez que nós estávamos mortos espiritualmente, não tínhamos nada para Lhe oferecer, nem mesmo tínhamos condições de optarmos pela oferta do Evangelho pelas nossas próprias forças, pois mortos não conseguem escolher coisa alguma. Ele nos deu vida nos unindo a Cristo, pois Ele é a vida (cf. Jo 14.6). “Não vem das obras” (Ef 2.9) porque “é dom de Deus” (Ef 2.8); é trabalho de Deus, não nosso. Nós não trabalhamos pela nossa salvação, nós a recebemos como um presente.

Por outro lado, não podemos ignorar o fato de que logo após Paulo falar que a salvação é pela graça, ele menciona as boas obras, não como algo necessário à salvação, mas como um dos propósitos dela (2.10). Isso não significa, entretanto, que devamos focar tanto nas obras que esqueçamos da graça. Alguns ficam tão preocupados em examinarem a si mesmos para saberem se sua fé é realmente verdadeira que acabam sempre inseguros a respeito de sua salvação. Mas, nas palavras de Scott Crawford, “a segurança é inerente à fé”. A certeza da salvação não é apenas algo bom que nós devemos buscar, é fundamental à fé verdadeira. Se alguém acredita no Senhor Jesus Cristo, está seguro do que acredita, porque dúvidas são contrárias à fé.

Quanta boa obra é suficiente para termos certeza da salvação? Não há resposta para isso, e a ausência de resposta é o que coloca muitos em um estado de ansiedade constante. A solução não é produzir mais boas obras, mas confiar na graça, ou correremos o risco de começarmos a corrida da salvação na fé e tentar terminar pelo nosso próprio esforço.

O fato da salvação ser pela graça nos aponta para a natureza do verdadeiro arrependimento. Spurgeon nos fala sobre isso em um sermão: “Há muitos que fazem uma confissão, e uma confissão diante de Deus, e não recebem nenhuma bênção, porque a confissão deles não tem certas marcas que são requeridas por Deus, que provariam sua genuinidade e sinceridade e que demonstrariam terem sido fruto do trabalho do Espírito Santo”. Uma das diferenças mais marcantes entre o arrependimento carnal (como o demonstrado pelo Faraó do Êxodo, Balaão, Saul, Acã ou Judas) e o arrependimento movido pelo Espírito Santo é que este se fundamenta em uma confiança na graça de Deus.

É possível confessar seu pecado e temer ao Senhor, e até mesmo ter alguma confiança na graça divina, e ainda assim não ser salvo. Temos Faraó como exemplo disso, ele experimentou o medo de Deus, e por isso confessou que havia pecado contra Ele (Ex 9.27), e confiou que Deus poderia ser misericordioso para parar com os juízos que haviam acometido o Egito. Mas assim que as pragas cessavam, ele voltava a endurecer seu coração e continuava em sua rebeldia. Não basta confiar na graça de Deus para a salvação, mas continuar confiando nela dia após dia.

Alguns crentes são como Balaão, parecendo ter duas mentes. Em uns momentos buscam intensamente a santidade, em outros abraçam o pecado com maior voracidade. Eles até demonstram algum remorso, e até com lágrimas, mas no dia seguinte estão fazendo a mesma coisa de novo.

Judas é um exemplo interessantíssimo de arrependimento falso. Depois de trair Jesus ele reconheceu que era pecador, temeu ao Senhor, sentiu tristeza real e intensa por causa do seu pecado, mas não confiava na graça, provavelmente porque não acreditava que pudesse haver esperança para ele depois do que fez. Ele sabia que Jesus era o Messias, que era o Salvador de todos os homens, mas Judas não conseguia acreditar que aquela misericórdia estava disponível para ele. Era diferente de Davi, que por mais pecador que percebesse a si mesmo, confiava na graça de Deus, e por isso disse: “a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Sl 51.17). Até no filho pródigo podemos ver essa confiança na graça, embora limitada. Ele cria que o pai iria acolhê-lo, embora não cresse que poderia voltar à condição de filho. Apesar disso, quando o pai decide fazer uma festa para comemorar seu retorno, ele não rejeita, mas abraça a graça. O filho mais velho, por sua vez, achava-se digno demais, rejeitou o amor paterno.

Jesus prometeu: “o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo 6.37). Nenhum pecador que buscar a Cristo com sinceridade de coração, confessando seus pecados, confiando Nele, será rejeitado. Portanto, não importa o tamanho dos seus pecados, não importa o horror da tua maldade, você, seja quem for, pode confiar que Jesus é capaz de te perdoar e te tornar uma nova criatura. Isso não vem de você, é dom de Deus. Você crê? “Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê” (Mc 9.23).

CRAWFORD, Scott. Faith, Works, And Assurance: An Examination Of The Free Frace Verses Lordship Salvation Controversy. Disponível em: <http://wordoftruthclass.org/wp-content/uploads/2011/05/Faith-Works-and-Assurance1.pdf>

SPURGEON, Charles. Confissão de Pecado: Um Sermão com Sete Textos. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/chspurgeon/confissao_pecado_spurgeon.htm>.