A Candeia do Corpo São os Olhos
O que esse dito de Jesus significa? Segundo Viljoen (2009), a maioria dos estudiosos concorda que isso tem a ver com ganância e inveja. Entretanto, há muitas interpretações diferentes nas tentativas de se aprofundar no significado pleno dessa passagem. Segundo ele, Platão usa uma imagem semelhante, ao descrever o olho humano como um tipo de fogo; quando o olho está funcionando bem, esse fogo dentro de nós é puro e flui através dos olhos para o mundo. Uma das teorias antigas sobre a visão era justamente que do olho emanava alguma substância que se fixava no objeto visto.
Algumas passagens do Antigo Testamento parecem indicar que os judeus também entendiam os olhos como auto-luminosos: “quanto à luz dos meus olhos, ela me deixou” (Sl 38.10), “a luz dos olhos alegra o coração” (Pv 15.30), “o Senhor ilumina os olhos” (Pv 29.13), etc. Embora essas expressões possam ser interpretadas metaforicamente, elas nos podem oferecer um interessante contexto veterotestamentário para a afirmação de Jesus, nos esclarecendo que os olhos podem ser a luz do corpo no sentido de que eles são uma janela não para que a luz entrasse (como um moderno interpretaria), mas para que a luz saísse. Assim, se há bondade nos olhos, é porque há luz no interior do corpo, e se os olhos são maus – ou seja, se há trevas neles – então há trevas também no interior do corpo.
Na literatura judaica, conforme Viljoen (2009), um olho mau ou escuro estava associado não apenas a ganância e inveja, mas também a falta de compaixão e malícia. Se Mateus 6.22-23 está logicamente conectado ao contexto maior de Mateus 6.19-25, ter um olho mau estaria relacionado a ajuntar tesouros na terra, servir ao dinheiro e ficar ansioso com as coisas dessa vida, enquanto ter um olho bom seria equivalente a ajuntar tesouros nos céus, servir a Deus e confiar Nele. Como, então, nós podemos impedir que a luz que há em nós se torne em trevas? Buscando o Reino de Deus e a Sua justiça com mais fervor do que buscamos as coisas desse mundo, mesmo as mais importantes, como comida e roupa.
Howes (2013) liga esse texto a Mateus 5.15, que diz: “Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa”. Isso faz sentido porque Lucas 11.33-36 conecta esses dois ditos de Jesus. Isso significa que, se em Mateus 5.14-16 e Lucas 11.33-36 a luz significa boas obras, a luz no corpo de Mt 6.22-23 também significariam, de maneira que a pessoa iluminada é aquela que produz boas obras; e, portanto, adquire um tesouro no céu. Nas palavras de Howes: “Que essa luz ou escuridão interior deve ser entendida como a disposição moral do indivíduo parece estar fora de sérias dúvidas".
O propósito dessa passagem é nos conduzir a um auto exame. É olharmos para dentro de nós mesmos para refletir sobre o que nos motiva, o que nós valorizamos, o que nós desejamos, o que nós buscamos, a quem nós servimos, em que ou em quem nós confiamos; em outras palavras, qual é nosso tesouro. “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Mt 6.21).
HOWES, Llewellyn. "Placed in a hidden place": Illuminating the displacement of Q 11: 33, 34-35. Neotestamentica, v. 47, n. 2, p. 303-332, 2013.
VILJOEN, Francois. A contextualised reading of Matthew 6: 22–23: ‘Your eye is the lamp of your body’. HTS Teologiese Studies/Theological Studies, v. 65, n. 1, 2009.