Segundo Mandamento, Legislação e Pornografia
Vivemos em uma cultura de imagens. Dizem que a imagem superou a palavra como veículo dominante de comunicação. Isso não significa que, no passado, imagens não tenham despertado fascínio e atração; que o digam todos os idólatras e iconoclastas da história. Isso torna o Segundo Mandamento – que trata sobre não fazer determinadas imagens – perfeitamente atual.
Conforme Adler (2014), uma das ideias do mundo antigo relacionadas a esse mandamento é a de que as imagens visuais eram tão poderosas que provocavam os espectadores a confundir a imagem com seu protótipo, levando a uma perigosa fusão de significante e significado. Não apenas idólatras, mas muitos iconoclastas compartilham dessa ideia de que uma imagem pode se fundir com aquilo que representa. Isso significa que para se cumprir o Segundo Mandamento de modo a não praticar uma iconoclastia que seja o outro lado da moeda da idolatria, é preciso rejeitar a atribuição de poder extraordinário às imagens, o que pode ser um pouco contracultural.
Adler (2014) afirma que essa potencial confusão entre representação e protótipo é muito mais presente na imagem do que na escrita. É muito incomum alguém tratar um texto sobre alguma coisa como a própria coisa retratada, enquanto vemos abundantemente uma imagem de algo (como um deus) ser tratada como aquele algo. Entretanto, embora os Dez Mandamentos não proíbam que se represente a Deus com palavras, o Terceiro Mandamento, que proíbe tomar o nome de Deus em vão, pode ser aplicado a muitas representações textuais do Eterno.
Portanto, embora não possamos exagerar o poder das imagens, não a podemos considerar como algo trivial e sem importância. Por exemplo, não é necessário nenhum estudo, pois me parece óbvio, que pornografia visual tem geralmente muito mais efeito (e mesmo efeitos negativos) do que pornografia escrita.
Podemos aplicar esse pensamento às questões legais. Embora eu seja totalmente contrário a leis proibindo obscenidade ou pornografia, por exemplo, não acho justo que pornografia escrita não seja restringida de alguma forma por lei se a visual for, embora concorde que a visual deva ser tratada de modo mais duro (caso haja alguma restrição para elas) justamente por seus efeitos maiores.
Isso nos leva ao ponto de que, de fato, algumas imagens são indissociáveis de seus protótipos. Não podemos chamar de violenta uma pessoa que se empolga com uma cena de violência fictícia, mas podemos chamar aquele que se alegra com um vídeo de violência real. Da mesma forma, é muito difícil assistir uma cena de sexo sem que isso desperte na pessoa algum sentimento de desejo ou repulsa sexual.
Ao associar essa ideia do poder (embora limitado) das imagens com o sétimo (não adulterarás) e o décimo (não cobiçarás) mandamentos, podemos entender como as palavras de Jesus de “que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela” fazem todo sentido. Primeiro você cria uma imagem da pessoa na sua mente e se apega a ela, esse desejo conduz à cobiça, e a cobiça conduz ao adultério no coração, que não teria acontecido se você não tivesse visto aquela pessoa, ou, se visto, tivesse afastado a imagem dela na sua mente para não gerar desejo e cobiça.
Isso significa que, em certo sentido, a pornografia não existe por si mesma. O erotismo é produzido no coração humano, e não na representação em si. Por isso, o mero uso da força estatal para coibir a imoralidade não vai conseguir acabar com ela; aliás, para muitos, a repressão sexual pode até incentivar o descontrole (BELAVUSAU, 2010). Então o uso da força estatal nesse sentido não precisa ser uma pauta cristã; assim como a maioria dos cristãos contemporâneos não acredita que alguém deva ser preso por tomar o nome de Deus em vão, ter outra religião ou quebrar o sábado.
ADLER, Amy. The first amendment and the second commandment. In: Law, Culture and Visual Studies. Springer, Dordrecht, 2014. p. 161-178.
BELAVUSAU, Uladzislau. Art, Pornography and Foucauldian Reconstruction of Comparative Law. Maastricht Journal of European and Comparative Law, v. 17, n. 3, p. 252-280, 2010.