Por que nunca quis ser missionária

“Lida propriamente, a Bíblia é a maior força para o ateísmo jamais concebida”

Isaac Asimov

Sempre me disseram que eu seria missionária. Dois primos evangélicos uma vez falaram que Deus havia lhes revelado que Ele tinha me escolhido para ser uma grande missionária. Até pregadores itinerantes me falaram a esse respeito, dizendo-me que eu devia ter certeza que esse era o grande plano de Deus para minha vida. Entretanto, nunca senti inclinação para seguir tal caminho, porque não gosto de fazer a cabeça de ninguém e acredito que cabe a toda pessoa descobrir seu próprio caminho. Respeito demais a inteligência e a individualidade das pessoas para achar que me cabe dizer a elas que caminho devem seguir e o que lhes é melhor.

Esta minha convicção se tornou mais forte quando conheci um rapaz evangélico num ponto de ônibus que perguntou por que eu, tão inteligente, não queria ser missionária, já que eu tinha bons argumentos e sabia escrever e falar bem. Eu simplesmente respondi:”Não gosto de fazer a cabeça de ninguém.”

Vejamos a resposta dele: “Mas isso não é fazer a cabeça de ninguém, é ensinar a verdade.” Eu não quis mais estender a conversa e, se o encontrasse hoje, eu diria: “Acreditar em algo não significa que seja verdade.” Depois, verdade é algo que sabemos, não algo em que simplesmente acreditamos. Muita gente não acreditava que os gatos eram bruxas que tinham mudado de forma ou que os canhotos e epilépticos eram possuídos pelos demônios? Para eu dizer que algo é verdade, preciso ter certeza. Como posso afirmar que o que está na Bíblia é a verdade? Muita coisa relatada neste livro é fantástica demais e, acrescentemos, muitos dos fatos mencionados não têm registros de outras fontes. Não há registros além da Bíblia que falem das muralhas de Jericó ou de que houve escravidão no Egito. Além disso, os milagres que aconteciam tão prodigamente neste livro não acontecem hoje e, como dizem Sam Harris e outros que ousam questionar as Escrituras, ninguém hoje vê tais milagres acontecendo. Uma vez, quando um rapaz me aconselhou a estudar a Bíblia para entender a Palavra, ele ficou chocado quando falei que ler a Bíblia foi o que reforçou minha descrença no Deus judaico-cristão. Ele perguntou o porquê e eu falei sobre ser estranho demais apenas um casal ter dado origem à humanidade, não haver sinais do Templo de Salomão, da Torre de Babel, Sodoma e Gomorra e tantos outros. Depois que ele foi embora, eu até encontrei um ex-professor de Sociologia dos tempos de faculdade e meu professor disse: “De fato, ninguém contesta o fato de que não há sinais de que essas coisas tenham acontecido. Como o Egito, uma nação tão avançada para a época, nada fala dos hebreus?”

Esse meu professor até falou que o problema é que nós temos dúvidas, medo da morte e somos constantemente tomados por uma sensação de vazio e queremos entender por que estamos no mundo e talvez por isso busquemos a religião. Eu disse que andara por várias e tinha deixado, pois nenhuma me dera uma resposta. Então, como posso chegar e ensinar alguém a acreditar em algo sendo eu mesma tão cheia de dúvidas? Já me disseram para ter fé e que ter dúvidas era o Inimigo plantando perguntas na minha cabeça, porém penso que ter dúvidas e querer entender o mundo faz parte do que nos torna humanos. Tudo oferece mais perguntas que respostas.

Quando alguém me fala que devo acreditar e diz que Deus fez isso ou aquilo na sua vida, prefiro me calar porque penso no vídeo Inferno de Sam Harris. Ele fala sobre gente dizendo: “Deus me curou de um eczema, Deus mandou tal pessoa aparecer e consegui pagar a hipoteca da casa.” Segundo Sam Harris, quando consideramos o bem que Deus supostamente deixa de fazer a tantas outras pessoas, tal fé soa obscena. É se recusar a pensar honestamente. Na verdade, faz sentido dizer que essa fé é a exaltação máxima do narcisismo. Ainda que tal afirmação enraiveça muitos cristãos, preciso falar honestamente, já que passei em um concurso e finalmente estou para começar a trabalhar e quando falam que Deus me deu o emprego, eu retruco que é estranho que Ele tenha me dado após eu ter deixado há muito de acreditar na Providência Divina e ter deixado de orar e me ajoelhar com o rosto no chão. Perdi a conta de quantas vezes orei, chorei e me humilhei. Alguns até dizem que, se Deus não me ajudou antes, é porque eu não era merecedora. Isto só leva a outras dúvidas. Que critérios Deus usa para determinar quem merece ou não sua ajuda?

Ontem mesmo, umas pessoas ficaram escandalizadas ao saber que não acredito mais e uma moça falou:” Tá repreendido em nome de Jesus.” Uma senhora falou que, sem Cristo, não conseguirei nada e eu disse ser irônico a minha vida ter começado a dar sinais de uma mudança positiva quando parei de acreditar. Vejam a resposta de um rapaz: “O que o diabo dá, o diabo toma.” Então, foi o diabo que me fez passar no concurso? Eu estudei para a prova, fui fazer a prova objetiva, a prova de títulos, viajei para tomar posse para ser professora de inglês e foi o diabo que me deu a prova? A moça que disse que estava repreendido disse que a filha dela no carrinho era um milagre de Deus, pois o marido dela havia sido diagnosticado como estéril. Isso foi realmente um milagre? Não sei. Mas então, por que nunca ouvimos falar que Deus curou alguém de fibrose cística, autismo, retardo mental ou esclerose múltipla? Essas pessoas parecem não refletir que, quando Deus faz um milagre na vida de uma pessoa, supostamente não faz na vida de umas mil, que podem precisar bem mais. Ao passar no concurso, tomei a vaga de muita gente que talvez tenha orado pedindo a Deus para passar.

No final, a moça saiu, horrorizada com minhas palavras e eu vi que só tenho motivos para nunca ter querido ser missionária. Para dizer que algo é a verdade, tenho que ter certeza e digo que, se um dia descobrir que estou errada em minhas afirmações, serei a primeira a mudar tudo que tenho dito até agora.