Parousia

O apóstolo Paulo começa II Tessalonicenses 2 rogando aos seus leitores que não se permitissem enganar em relação à vinda (parousia) de Jesus e a nossa reunião com ele. Nós estamos sendo preparados por Deus a cada dia para a parousia (i.e. presença, chegada, advento), conforme 1Ts 5.23, de modo que entender bem o que esse evento significa pode ser uma poderosa motivação para buscarmos a santificação e nos tornamos irrepreensíveis. Isso significa que a escatologia não pode ser um assunto inútil, nem a satisfação de vãs curiosidades, mas uma busca por santidade.

Nesse evento, os crentes que morreram "em Jesus" (1Ts 4.14) serão ressuscitados, e os que estiverem vivos nesse período terão seus corpos transformados. 1Ts 4 a partir do versículo 16 explica que o Senhor descerá do céu com "alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus", arrebatando Sua Igreja, e a levando para encontrá-lo nos ares; "e assim estaremos sempre com o Senhor". Esse evento também é chamado por Paulo em 2Ts 2.1 de "nossa reunião com ele". Não há razão bíblica para entender a parousia e a reunião com Jesus como duas coisas distintas, como alguns fazem.

Uma má compreensão disso pode levar não apenas a erros doutrinários, mas, como vemos no decorrer da carta, a problemas espirituais. Conforme John Piper, a experiência espiritual genuína e profunda depende de conhecimento bíblico genuíno e profundo. Coisas como fé, amor, paz, alegria, dependem da apreensão da mente da verdade bíblica objetiva. Na Bíblia, estudar, pensar e conhecer nunca são fins em si mesmos; eles sempre estão a serviço de sentir, querer e praticar a verdade.

Pela maneira como a parousia é apresentada em I e II Tessalonicenses, não parece que será uma série de acontecimentos, mas um evento único, em que "os céus, em fogo se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão" (II Pedro 3.12). Ela é o fim da história desse mundo. É o evento a partir do qual os ímpios receberão o seu castigo eterno e os santos receberão a glória eterna (2Ts 1.9-10).

Paulo explica que, antes da parousia, ocorreria uma grande apostasia; ou seja, a maioria dos cristãos professos abandonariam a verdadeira fé. Esse sinal mostraria aos tessalonicenses que o dia de Cristo não estava tão perto assim, de modo que eles não deveriam ficar paralisados pela expectativa do fim dos tempos.

Antes da parousia também seria revelado o Homem do Pecado, também chamado de Filho da Perdição. Essa é uma figura bastante discutida na história da Igreja. Parece-me que ele está ligado à apostasia, de modo que ele lidera esse movimento de afastamento. Ele é humano, mas não precisa ser necessariamente um único homem, mas um grupo de pessoas ou uma sucessão de homens que assume uma posição um seguido do outro.

No versículo 4 diz que o Filho da Perdição "se assentará, como Deus, no templo de Deus". Muitos intérpretes entendem que esse templo é o templo de Jerusalém, mas se é verdade que esse Iníquo promove um grande movimento de abandono da fé por parte dos cristãos, faz mais sentido crer que o templo de que o texto fala é a Igreja, o verdadeiro templo de Deus no Novo Testamento, a morada de Deus em Espírito, edificado sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a pedra principal (cf. Ef 2.20-22). Assim, esse Apóstata se coloca em uma posição de autoridade na Igreja visível para conduzir muitos à perdição.

Portanto, quando o mesmo versículo 4 diz que ele se opõe a tudo o que se chama Deus, isso não quer dizer que o Filho da Perdição é um ateu que persegue abertamente o Cristianismo, mas um líder cristão que, de dentro da Igreja, destrói a Igreja. Aqui, seu grande e principal erro é se colocar "como Deus" e "querendo parecer Deus". Ele se coloca como príncipe e pastor da Igreja, como tendo uma dignidade superior, como um guia, o chefe da Religião em todo o mundo, o vigário principal, aquele ao qual todos os membros da Igreja devem recorrer, o cabeça da Igreja, o porteiro dos céus, aquele sob cuja autoridade todos devem se submeter para se considerarem parte do Templo de Deus. Assim, ele não assenta no templo para ser adorado, mas para usurpar uma autoridade tão grande que, na prática, acaba sendo como Deus.

Os versículos 5-7 dizem que os tessalonicenses sabiam o que impedia o Filho da Perdição de se manifestar, porque Paulo já lhes havia falado dessas coisas antes. Essa é uma passagem difícil, e muitas teorias ao longo da história da Igreja foram elaboradas para explicá-la. Creio que esse que o detém não pode ser a Igreja, como é frequentemente ensinado, uma vez que o Iníquo aparece antes da vinda de Jesus, de modo que a Igreja só será removida depois que essas coisas acontecerem. Também não pode ser o Espírito Santo pelo mesmo motivo, sem o Espírito não há salvação, não há Igreja.

Uma opinião interessante, defendida, por exemplo, por Crisóstomo, é que aquele que retinha o ministério da injustiça era o Império Romano. Quando esse perdesse sua supremacia, deixaria lugar vago para o Filho da Perdição operar. Isso explicaria porque Paulo fala em termos enigmáticos, ao invés de dizer abertamente o que detinha o Iníquo, pois o apóstolo não queria chamar atenção negativa indesejada. Essa interpretação demanda que o Anticristo já tenha sido manifesto, o que, de fato, é o que acredito. O Iníquo já se revelou há muito tempo, de modo que a vinda de Jesus é iminente.

Outra possibilidade é que, se aquele que restringe o Iníquo é o Espírito Santo, quando o texto diz "do meio seja tirado", isso significa não uma remoção completa, mas uma diminuição de influência, que permite uma maior liberdade para a ação de Satanás no mundo. Isso é possível, embora não pareça uma leitura muito natural.

De fato, o foco de Paulo não era sabermos quem restringia o Iníquo, senão ele teria relembrado aos tessalonicenses. Sua preocupação era nos lembrar que o próprio Deus é quem restringe a ação do mal. Devemos lembrar, toda vez que parecer a nós que a apostasia tem avançado muito rapidamente, e ficarmos impressionados com o quão enganada a maioria dos crentes estão, que Deus está no controle mesmo da iniquidade, de modo que, se não fosse pela graça Dele, a maldade e o engano seriam ainda maiores. Assim, devemos buscar ao Senhor para que Ele nos livre também de todo engano, santificando-nos pelo poder do Seu Espírito.

Quem é, afinal, o Anticristo? Conforme a Confissão Batista de 1689, "o papa (...) é o anticristo, o homem da iniquidade". É no papado e seus seguidores que vemos a grande apostasia, em que um homem se assenta como Deus no templo de Deus, querendo parecer Deus. Talvez haja um último Papa no fim dos tempos que incorpore o espírito do Anticristo de maneira mais plena, mas isso é desnecessário; penso que seus antecessores já promoveram apostasia mais do que suficiente para que essa profecia de Paulo esteja satisfatoriamente cumprida.

A implicação disso, como eu disse acima, é que a vinda de Cristo é iminente. A qualquer momento Jesus pode voltar para buscar os Seus. Você está preparado? Você é um daqueles que se deixa enganar por falsos ensinos? Você tem experimentado o poder de Deus pela fé, ou vivido em incredulidade e fraqueza? O Espírito tem colocado em seu coração a boa, perfeita e agradável vontade de Deus, ou você tem se deixado dominar pela vontade da carne e de Satanás? Você tem se tornado a cada dia digno do Reino de Deus, ou faz parte daqueles que ficarão longe da face do Senhor para sempre? Você tem certeza que conhece a Deus? Se sim, você pratica verdadeiramente o Evangelho?

Avalie a si mesmo e veja se você está seguro para quando Cristo voltar, ou se está sob ameaça e precisa se arrepender. Apresse-se, pois a volta do Senhor é iminente. Quando os homens menos esperarem, Ele virá com os anjos do seu poder e com labareda de fogo para se vingar dos Seus inimigos, inclusive para desfazer o Iníquo "pelo assopro da sua boca" (2Ts 2.8).

A destruição do Iníquo com um sopro e pelo esplendor da vinda de Cristo mostra que vai ser muito fácil para Jesus aniquilar o Anticristo. Não será esforço algum para o nosso Senhor. Outra interpretação do sopro (ou espírito) da boca do Senhor é que o Filho da Perdição seria derrotado pela Palavra do Senhor, considerando que Paulo está fazendo uma referência a Isaías 11.4; isso ainda mantém o sentido de que será fácil para Deus destruir o reinado de Satanás, mas enfatiza o modo dessa destruição acontecer.

Embora a leitura natural de II Tessalonicenses 2 nos conduza a interpretar que a derrota do Anticristo acontecerá em um só momento, podemos entender (como Calvino) que, ao dizer que ele seria aniquilado pelo esplendor da vinda de Cristo, Paulo quer dizer ele seria derrotado já bem antes do Juízo Final, como que a mera luz da antecipação da presença de Jesus já fosse suficiente para destruí-lo, "assim como o sol, antes de ser visto por nós, afugenta as trevas da noite pela emanação dos seus raios" (Calvino).

Após esse consolo, no versículo 9, Paulo fala um pouco mais sobre o Iníquo, dizendo que sua vinda é "segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder". Obviamente, "todo o poder" é uma hipérbole, só Deus tem todo o poder, mas isso significa pelo menos que nosso adversário é muito perigoso, porquanto é muito poderoso e sua maldade é enérgica, seu ódio é produtivo, seus planos são muitas vezes bem sucedidos (pelo menos aparentemente).

Os servos de Satanás recebem dele, com permissão de Deus, poder para fazer sinais e prodígios. Isso significa que nem todo milagre é evidência de que uma doutrina é correta, de modo que a verdadeira fé não se baseia apenas em eventos sobrenaturais, embora seja verdade que uma das evidências que o Senhor apresenta da veracidade da Sua Palavra são os "sinais, prodígios e maravilhas" que a acompanham (2Co 12.12). Por outro lado, muitos dos milagres de Satanás são "prodígios de mentira" (2Ts 2.9), de modo que, ainda que Deus permita ao nosso adversário fazer coisas assustadoras, sua prática mais comum é a pura enganação. É assim que o Reino de Deus se evidencia pelos milagres, pois os prodígios da Verdade são maiores, mais numerosos e impressionantes do que os do engano.

É Deus quem lhes envia a operação do erro, para que creiam na mentira (2Ts 2.11). Embora os planos de Satanás contra os ímpios sejam bem sucedidos, são os planos de Deus, em última instância, que têm sua eficácia completa, uma vez que Deus usa o Adversário como um mero instrumento do seu juízo contra os pecadores. Tal como Paulo enviara Timóteo para auxiliar os tessalonicenses (1Ts 3.1-5), Deus envia a operação do erro, sem que Ele mesmo seja de modo algum culpado, uma vez que os maus caem nas ciladas do maligno por sua própria vontade, porque eles não amam a verdade, eles consideram sinais e prodígios como mais importantes do que a revelação divina e "tiveram prazer na iniquidade" (2Ts 2.12).

Finalmente, Paulo opõe aquilo que eles deveriam fazer, crer "a verdade" (2Ts 2.12) com aquilo que eles de fato fizeram, ter prazer no pecado. Isso significa, primeiramente, que a fé em si mesma não tem nenhuma valia se não for fé na verdade; não é a intensidade da fé o que importa mais, mas seu conteúdo. Por isso no versículo seguinte Paulo diz que os tessalonicenses, ao contrário dos seguidores do Iníquo, foram escolhidos por Deus para a salvação e manifestaram isso através de "fé da verdade".

Por outro lado, a fé também é oposta a um prazer na iniquidade, de modo que a fé verdadeira não é apenas uma crença, mas uma alegria na verdade. Se não fosse assim, Paulo não ia opor a crença na verdade ao prazer na iniquidade, mas dizer que eles creram ou praticaram a iniquidade. O problema deles não começou no fato deles terem feito o mal, mas de terem amado o mal. O crente fiel, ao contrário, "tem o seu prazer na lei do Senhor" (Sl 1.2).