Celibato sacerdotal e super-heroínas japonesas

CELIBATO SACERDOTAL E SUPER-HEROÍNAS JAPONESAS
Miguel Carqueija

Acendeu-se novamente a celeuma em torno do celibato dos padres católicos. No meu entender em grande parte isso é intromissão indébita num assunto interno da Igreja Católica, pode não ser um assunto doutrinal mas disciplinar. Ao contrário do que espalham por aí o padre não é “um homem como outro qualquer”, ele carrega o sacramento da Ordem, que o distingue dos demais homens. Para isso ele faz os votos de castidade, pobreza e obediência. E ao contrário do que espalham, o instinto sexual não é tão avassalador assim e é perfeitamente possível passar sem sexo, até mesmo a vida inteira, como o Jean Valjean de Victor Hugo (no romance “Os miseráveis”).
É fazer muito pouco do ser humano achar que o mesmo é escravo de vícios como o cigarro ou de atitudes opcionais.
É um grande erro, responsável por grande parte dos males da atual civilização decadente, difundir a ideia estrambótica de que todo mundo tem que fazer sexo com todo mundo.
O sexo, ao contrário de certo mal-entendido real ou forjado que também espalham por aí, não é visto pelos cristãos como “uma coisa suja”. Quem acha isso dos cristãos é que acha o sexo uma coisa suja, são aqueles que sujam o sexo. Para os cristãos o sexo é uma coisa santa, tanto que o matrimônio cristão é um sacramento. Além disso o matrimônio não é só para fazer sexo, é para cultivar o amor e o respeito entre homem e mulher e o amor pelos filhos, sua criação e formação.
Curiosamente essas pessoas que ficam trombeteando que padre tem que casar são as mesmas que defendem o aborto, a pílula anticoncepcional, a ligação de trompas, a vasectomia, a sociedade anticoncepcional, o controle da natalidade enfim, e resulta disso tudo a ojeriza dos casais em gerar prole. Ora, que contradição dessas pessoas, quererem agora que os sacerdotes se casem para gerar mais gente!
Temos de refletir que o casamento de padres, embora existisse na Igreja antiga, foi proibido por uma questão de evolução. A Igreja foi aperfeiçoando seus métodos graças à melhor compreensão alicerçada pelos séculos. Basta ver, por exemplo, que ela passou a incluir a Psicologia para melhor compreensão do comportamento humano, inclusive os pecados.
Não refletem os “casamentistas clericais” que uma grande parte do clero não é secular mas regular, as ordens conventuais e monásticas onde se habita em mosteiros e conventos, tendo tudo em comum, e que esse tipo de vida é incompatível com levar mulheres (ou homens no caso das freiras) para dentro dos muros conventuais e gerar crianças lá dentro, para que cresçam lá, isso acabaria com a vida monástica que é entrega a Deus de forma sublime. Não entendem que o celibato sacerdotal não é repúdio ou censura à vida conjugal mas uma opção por algo ainda superior mas que não é para todos: a paternidade espiritual com a entrega da vida aos fiéis, na oferta dos Sacramentos, da Palavra, no atendimento aos enfermos e outras funções próprias de sacerdotes, além da Missa diária.
Imaginem um padre deixando de celebrar a missa porque nesse hora teve de ir buscar os filhos no colégio, já que a esposa estava no trabalho! Na verdade a vida conjugal e familiar é tão exigente que um padre casado não iria mais cuidar direito dos fiéis e do múnus sacerdotal, iria é dar mau exemplo. E logo estariam pululando padres divorciados e em disputa judicial com as esposas. E casando de novo e de novo, já que teriam de fazer sexo. Padres pegando doenças venéreas e as espalhando, já que não haveria mais voto de castidade.
Ora essa, o celibato não é apenas uma invenção da Igreja Católica e o bom senso mostra que a virgindade é aceita na humanidade, mesmo fora da Igreja Católica.
Nos desenhos e quadrinhos japoneses (animês e mangás) eu descobri exaltações desse valor. E lá a cultura é basicamente xintoísta e budista.
Tomemos o caso de Sailor Moon, super-heroína criada em 1991 por Naoko Takeushi. Ela mesma se casa com Endymion, no final do mangá. Mas as suas auxiliares — Sailor Mercúrio, Sailor Vênus, Sailor Júpiter e Sailor Marte, continuarão solteiras, porque são as guardiães de Sailor Moon, por ser esta a Princesa da Lua. Que as guardiães da princesa (e há nisso um significado religioso) devem permanecer solteiras isso se percebe inclusive na série de animação dos anos 90, da Toei, onde apesar de uns namoricos que elas têm nada vai adiante, e no distante futuro continuam sem família, acompanhando a Princesa, já que viverão mais de mil anos.
Nessa fantasia, o mangá é mais explícito. Há uma cena onde a Vênus fala em namorar, mas depois admite que é só brincadeira. Nos namoros que ela tentara antes de conhecer Sailor Moon ficara tudo a meio do caminho, até Minako Aino (a Vênus) perceber que sua vida seria dedicada a uma pessoa, a Sailor Moon (o caráter messiânico da personagem Sailor Moon faz disso um simbolismo da pessoa que se dedica a Cristo). E a Rei Hino (Sailor Marte) dá uma resposta ainda mais taxativa: “Não há lugar para homens em nossas vidas.” Isso é textual, no mangá que é a história original e oficial. Equivale a um voto de castidade.
Em “Mai Otome”, criação original de Hajime Yatate com produção em desenho animado do Estúdio Sunrise, vemos como no Reino de Windblom, num outro planeta, existe em seu território a pequena nação de Garderobe, espécie de Vaticano, onde são treinadas as jovens que se oferecem para serem “otomes” (donzelas), ou seja, guardiães que recebem o poder de voar e de materializar armas, e que se tornam as guardas de monarcas. A série acompanha a trajetória de Arika Yumemyia, de 14 anos, uma encantadora garota que deseja ser uma otome. Logo no início, ao ser admitida em Garderobe,ela  é informada que as otomes devem se manter sempre virgens, pois se praticarem sexo perderão seus poderes e consequentemente não poderão mais ser otomes. Arika concorda tranquilamente com essa exigência e em nenhum momento da série pensa em se entregar a um homem. Voto de celibato é voto de celibato.
Se até na cultura japonesa, onde o Cristianismo tem pouco espaço (embora apareçam com frequência nos mangás e animês, elementos cristãos), a virgindade e o celibato possuem aceitação em suas criações, entendo que a Igreja Católica está certíssima ao preservar seus sacerdotes de um elemento estranho à verdadeira vida sacerdotal. E tanto isso é verdade que os nossos irmãos protestantes aboliram o sacerdócio desde Lutero, os pastores protestantes são apenas pregadores, por isso podem casar.

Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 2020.




Imagens: em cima Sailor Marte, a Guerreira do Fogo: voto de castidade para servir à Princesa da Lua. Em baixo, Arika Yumemyia (a mais alta): a guardiã virginal da Rainha Mashiro (à sua esquerda).