Graça Para Dar
"(...) em todos eles havia abundante graça. Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos. E repartia-se a cada um, segundo a necessidade que cada um tinha." (Atos 4.33b-35)
"Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus dada às igrejas da macedônia; como em muita prova de tribulação houve abundância do seu gozo, e como a sua profunda pobreza abundou em riquezas da sua generosidade. Porque, segundo o seu poder (o que eu mesmo testifico) e ainda acima do seu poder, deram voluntariamente." (II Coríntios 8.1-3)
Esses textos mencionam a relação entre a graça divina e o desprendimento material de duas comunidades cristãs: a Igreja primitiva em Jerusalém e a Igreja da Macedônia. Quanto a primeira, o texto diz que por conta da abundante graça de Deus que havia sobre aqueles irmãos, não havia necessitado algum entre eles. Essa igreja tinha tudo em comum, em uma comunidade praticamente sem propriedade privada, em que cada um recebia o que precisava. Isso não significa que todos os cristãos precisam viver em grupos comunistas. Essa foi uma prática voluntária, jamais imposta, basta conferirmos o capítulo seguinte dos Atos dos Apóstolos; e também foi uma prática em um momento histórico específico, que logo foi abandonada.
A lição principal de ambos os textos é que todos os cristãos têm a obrigação moral de ajudar os seus irmãos em Cristo que passam necessidades à medida de suas capacidades. Note que essa obrigação não se estende a todas as pessoas, mas especialmente aos irmãos na fé, pois somente estes eram incluídos no grupo daqueles que recebiam "segundo a necessidade que cada um tinha" (At 4.35). Igualmente, o desprendimento dos macedônios era para o serviço "que se fazia para com os santos" (2Co 8.4). Gálatas 6 confirma isso dizendo: "Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo" (v.2) e "façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé" (v.10).
Paradoxalmente, essa obrigação se baseia, como vimos, na graça, no favor imerecido de Deus para conosco. Não apenas na graça passada, mas na esperança da graça futura. Isso porque Jesus, aquele que ressuscitou dos mortos e, portanto, tem toda a autoridade para nos prometer para essa vida e para a próxima, disse que se amarmos até os nossos inimigos, se fizermos o bem, se emprestarmos sem esperar nada em troca, teremos grande recompensa do Pai (Lc 6.35).
Essa graça significa que, apesar de todas as dificuldades que aqueles irmãos enfrentavam, eles tinham muita alegria e eram ricos em generosidade (mesmo os que eram financeiramente pobres). Precisamos ter em mente que isso é GRAÇA DE DEUS, não mérito humano. Deus operava nos judeus e nos macedônios e através deles. Sim, toda bondade que possa haver nos homens é favor imerecido do Pai, pois de nossa própria natureza, à parte de Deus, só pode vir pecado, maldade e morte. Por outro lado, essa graça não opera em nós de modo automático, como que nos forçando a fazer a vontade do Senhor sem a participação da nossa própria vontade. Por isso Paulo disse anteriormente: "vos exortamos a que não recebais a graça de Deus em vão" (2Co 6.1).
A graça de Deus não nos livra sempre da tribulação, mas às vezes ela opera nos fazendo ser fieis a Ele apesar das dificuldades. Por isso, não podemos deixar que os problemas enfraqueçam nossa confiança na bondade divina; antes, devemos vê-las como uma oportunidade de experimentar a misericórdia do Senhor de modos e intensidade que nunca vivemos antes.
A graça opera também preservando nossa alegria em meio ao sofrimento. Os macedônios não apenas estavam felizes, mas "houve abundância do seu gozo". Eles estavam MUITO alegres, mesmo passando necessidades, coisa que não podemos dizer de muitos cristãos hoje que vivem em relativa prosperidade material. Isso é um milagre divino, uma manifestação do poder sobrenatural de Deus sobre a vida dos seus filhos, uma graça, não exclusiva dos cristãos judeus e dos macedônios, mas disponível a todos nós, como o próprio Apóstolo Paulo experimentou: "transbordo de gozo em todas as nossas tribulações" (2Co 7.4b).
Essa graça não operou trazendo prosperidade financeira aos irmãos macedônios. Isso significa que nem sempre Deus faz prosperar os crentes fieis a Ele, o que deveria ser óbvio, mas muitos cristãos contemporâneos não percebem. Com toda a sua fidelidade, os macedônios eram profundamente pobres. E os crentes judeus que tinham posses abriam mão delas. Isso porque Deus está muito mais preocupado em nos abençoar aperfeiçoando nossas almas do que nos dando bens, de modo que Ele frequentemente retém a benção material para nos conceder benção espiritual e eterna.
A consciência da graça de Deus fazia com que esses irmãos tivessem alegria em abrir mão de suas posses, poucas ou muitas, para abençoar os outros. Aprenda que tudo é graça, tudo o que você tem é imerecido, e você aprenderá a ser generoso e a não ser egoísta. Perceba o quanto você é pecador, indigno, fraco, e notará a grandiosidade da misericórdia do Senhor sobre a tua vida que te constrange a ser misericordioso também com os outros.
A graça divina gerou nesses cristãos uma generosidade que poderia ser vista como absurda. Eles não colocaram limites humanos e carnais em sua bondade, coisa que nós frequentemente fazemos. Eles não pouparam sacrifícios. Eles se doaram voluntariamente. "Voluntariamente" é uma palavra importante de se frisar porque muitos cristãos ignoram que Deus vê seus corações mais do que seus bolsos. Isso significa que precisamos não apenas ser generosos, mas amar a generosidade, nos alegrar em dar, pois essa é a única forma de louvarmos e manifestarmos a graça de Deus que opera em nós. Pois quem gostaria de uma graça que nos faz sofrer? Como Deus pode ser honrado se doamos em seu nome e ficarmos tristes por isso? Assim, a bondade de Deus para conosco é glorificada quando somos bons com os outros sem nos entristecermos pelos sacrifícios que precisamos fazer.