"Se Deus sabia que Satanás se rebelaria e Adão e Eva pecariam, por que Ele os criou?”
Gostaria de começar esclarecendo algumas coisas. Primeiro é que sou cristão, praticante e procuro seguir fielmente aos mandamentos que Cristo deixou para nós. Procuro seguir com uma vida idônea perante Ele.
Nasci em um berço cristão, tenho a certeza de que Deus me ama e tem algo especial pra mim. Já passei por coisas nessa vida que não desejo que ninguém passe, mas isso não vem ao caso aqui e agora.
Como cristão que sou, acredito em Deus, em Jesus Cristo e também no Espirito Santo, mas existem perguntas que ficam na mente que dificilmente encontraremos respostas, ou se encontrarmos parece não ser tão convincente pra quem nos ouve.
Essas perguntas se formam e a culpa não é nossa. Na verdade a Religião e/ou a religiosidade tem colocado muitos pontos de interrogações na mente dos crentes e não se tem respostas pra muitas delas. Isso acontece porque confundem Sã doutrina (Oque Deus deixou na Bíblia) com usos e costumes (ideologia de quem se acha mais santo do que o seu próximo).
Eu por exemplo já me perguntei o porquê Deus nos criou? Porque colocar o homem na terra. Quais os propósitos dEle pra nós? Nós dizemos que Ele sabe de tudo, mas uma pergunta sempre se forma na minha mente e confesso que não tenho resposta pra ela.
"Se Deus sabia que Satanás se rebelaria e Adão e Eva pecariam, por que Ele os criou?”
Resposta: Esta é uma pergunta de duas partes. A primeira parte é “Deus sabia que Satanás se rebelaria e Adão e Eva pecariam?” A resposta se encontra no que a Bíblia ensina sobre o conhecimento de Deus. Sabemos pelas Escrituras que Deus é onisciente, o que literalmente significa que Ele "sabe tudo". Jó 37:16, Salmos 139:2-4, 147:5; Provérbios 5:21; Isaías 46:9-10 e 1 João 3:19-20 não deixam dúvida de que o conhecimento de Deus é infinito e que Ele sabe tudo o que aconteceu no passado, está acontecendo agora e acontecerá no futuro.
Ao olhar alguns dos superlativos nestes versículos -- "perfeito conhecimento", "todos os meus caminhos te são bem conhecidos", "sabe tudo" -- é evidente que o conhecimento de Deus não é apenas maior que o nosso, mas é infinitamente maior. Ele conhece todas as coisas em sua totalidade. Isaías 46:10 declara que Ele não só sabe tudo, mas controla tudo também. De que outra maneira poderia ele "fazer conhecido" a nós o que iria acontecer no futuro e afirmar sem qualquer equívoco que os Seus planos acontecerão? Então, Deus sabia que Adão e Eva pecariam? Ele sabia que Lúcifer iria se rebelar contra Ele e tornar-se Satanás? Sim! Claro que sim! Eles estavam fora de Seu controle a qualquer momento? Absolutamente não. Se o conhecimento de Deus não fosse perfeito, então haveria uma deficiência em Sua natureza. Qualquer deficiência na natureza de Deus significa que Ele não pode ser Deus, pois a própria essência de Deus exige a perfeição de todos os Seus atributos. Portanto, a resposta à primeira pergunta necessariamente tem que ser "sim".
Seguindo adiante à segunda parte da pergunta: "Por que Deus criou Satanás e Adão e Eva sabendo de antemão que eles pecariam?" Esta pergunta é um pouco mais complicada porque estamos pedindo um "porquê" a uma pergunta para a qual a Bíblia geralmente não dá respostas abrangentes. Apesar disso, devemos ser capazes de chegar a um entendimento limitado se examinarmos algumas passagens bíblicas. Para começar, já vimos que Deus é onisciente e que nada pode acontecer fora do seu conhecimento. Então, se Deus sabia que Satanás se rebelaria e cairia do céu e que Adão e Eva pecariam, mas mesmo assim Ele os criou, isso deve significar que a queda da humanidade foi uma parte do plano soberano de Deus desde o início. Nenhuma outra resposta faz sentido ao levarmos em consideração o que temos dito até agora.
Agora temos de ter cuidado em notar que a queda de Adão e Eva em pecado não significa que Deus é o autor do pecado, nem que Ele os tentou a pecar (Tiago 1:13). A queda serve um propósito no plano geral de Deus para a criação e humanidade. Novamente, isso deve ser o caso, ou então a queda da humanidade nunca teria acontecido.
Se considerarmos o que alguns teólogos chamam de "metanarrativa" (ou enredo global) das Escrituras, vemos que a história bíblica pode ser dividida em três seções principais: 1) paraíso (Gênesis 1-2); 2) o paraíso perdido (Gênesis 3 - Apocalipse 20) e 3) o paraíso recuperado (Apocalipse 21-22). De longe, a maior parte da narrativa é dedicada a deixar o paraíso perdido e alcançar o paraíso recuperado. A cruz está no centro da metanarrativa. A cruz foi planejada desde o início (Atos 2:23). Era conhecido e preordenado que Cristo iria para a cruz para dar a Sua vida em resgate por muitos (Mateus 20:28) -- aqueles escolhidos pela presciência de Deus e predestinados para serem o Seu povo (Efésios 1:4-5).
Ao ler as Escrituras com muito cuidado e levando em consideração o que foi dito até agora, somos levados às seguintes conclusões:
1. A rebelião de Satanás e a queda da humanidade foram conhecidas e predestinadas por Deus.
2. Aqueles que se tornariam o povo de Deus, os eleitos, foram conhecidos e predestinados por Deus.
3. A crucificação de Cristo, como uma expiação pelo povo de Deus, foi conhecida e predestinada por Deus.
Assim, ficamos com as seguintes perguntas: Por que criar a humanidade com o conhecimento da queda? Por que criar a humanidade sabendo que apenas alguns seriam "salvos"? Por que intencionalmente enviar Jesus para morrer por um povo que intencionalmente caiu em pecado? Do ponto de vista do homem, não faz sentido. Se a metanarrativa se move do paraíso, ao paraíso perdido, ao paraíso recuperado, por que não ir direto ao paraíso recuperado e evitar o período do paraíso perdido?
A única conclusão à qual podemos chegar, tendo em conta as afirmações acima, é que o propósito de Deus era criar um mundo no qual a Sua glória poderia se manifestar em toda a sua plenitude. A glória de Deus é o objetivo principal da criação. Na verdade, é o objetivo principal de tudo o que Ele faz. O universo foi criado para mostrar a glória de Deus (Salmo 19:1), e a ira de Deus se revela contra aqueles que não glorificam a Deus (Romanos 1:23). Nosso pecado nos leva a carecer da glória de Deus (Romanos 3:23) e no novo céu e nova terra, a glória de Deus é o que vai fornecer a luz (Apocalipse 21:23). A glória de Deus se manifesta quando os Seus atributos estão em exibição perfeita e a história da redenção é uma parte disso.
O melhor lugar para ver isso nas Escrituras é Romanos 9:19-24. A ira e misericórdia mostram as riquezas da glória de Deus e não se pode ter nenhuma delas sem a queda da humanidade. Portanto, todas estas ações -- queda, eleição, redenção, expiação -- servem o propósito de glorificar a Deus. Quando o homem caiu no pecado, a misericórdia de Deus foi exibida imediatamente em não matá-lo no local. A paciência e tolerância de Deus foram expostas quando a humanidade caiu mais profundamente em pecado antes do dilúvio. A justiça e ira de Deus estavam em exposição quando Ele executou julgamento durante o dilúvio, e a misericórdia e graça de Deus foram demonstradas quando Ele salvou Noé e sua família. A ira e a justiça de Deus serão reveladas no futuro quando Ele cuidar de Satanás de uma vez por todas (Apocalipse 20:7-10).
A maior exposição da glória de Deus foi na cruz, onde a Sua ira, justiça e misericórdia se reuniram. O justo julgamento de todo o pecado foi executado na cruz e a graça de Deus foi exibida ao derramar a Sua ira contra o pecado em Seu Filho, Jesus, em vez de em nós. O amor e a graça de Deus são manifestados naqueles a quem Ele salva (João 3:16, Efésios 2:8-9). No fim, Deus será glorificado quando o Seu povo escolhido O adorar por toda a eternidade com os anjos, e os ímpios também glorificarão a Deus quando a Sua justiça e retidão forem finalmente vindicadas pela punição eterna dos pecadores impenitentes (Filipenses 2:11 ). Nada disto poderia ter acontecido sem a rebelião de Satanás e a queda de Adão e Eva.
A objeção clássica a esta posição é que a presciência e predestinação de Deus a respeito da queda limitam a liberdade do homem. Em outras palavras, se Deus criou o homem com pleno conhecimento da iminente queda no pecado, como o homem pode ser responsável pelo seu pecado? A melhor resposta a esta pergunta pode ser encontrada na Confissão de Fé de Westminster capítulo III:
“Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.” (WFC, III.1)
O que isto quer dizer é que Deus ordena os eventos futuros de tal forma que a nossa própria liberdade e a função das causas secundárias (por exemplo, as leis da natureza) sejam preservadas. Os teólogos chamam isso de "concorrência". A vontade soberana de Deus flui simultaneamente com o nosso livre-arbítrio de modo que o nosso livre-arbítrio sempre resulta na realização da vontade de Deus (por "livre-arbítrio" queremos dizer que nossas escolhas não são coagidas por influências externas).
Para resumir, Deus sabia que Satanás se rebelaria e que Adão e Eva pecariam no Jardim do Éden. Com esse conhecimento, Deus ainda criou Lúcifer e Adão e Eva porque a sua criação e queda faziam parte do Seu plano soberano de manifestar a Sua glória em toda a sua plenitude. Embora a queda tenha sido conhecida e preordenada de antemão, a nossa liberdade de fazer escolhas não é violada porque as nossas escolhas livres são o meio pelo qual a vontade de Deus é realizada.