O caso do crucifixo comunista

O CASO DO CRUCIFIXO COMUNISTA
Miguel Carqueija

Antes de lançar acusações deveríamos de nos munir de argumentos objetivos e fatos concretos. Na ausência disso, esperar ou abster-se.
Infelizmente as pessoas não andam fazendo assim e até ressuscitam acusações requentadas. E pior, contra pessoas altamente respeitáveis.
Atualmente deram para falar mal do Papa Francisco que é um homem santo e digno, além de extremamente simpático. E aqueles que dele falam mal são com certeza, em sua maioria, pessoas que não o assistem diariamente principalmente na mídia católica, como eu faço. E eu constato e vejo o quanto ele é grande. A mesma coisa posso dizer do Papa Emérito Bento XVI. Ratzinger foi papa titular por apenas oito anos mas foi um dos maiores papas da História, e é considerado o maior teólogo vivo — com certeza uma das mais extraordinárias inteligências do mundo atual. Tive o desgosto certa vez de topar com uma colega de trabalho que disse ser ele, “carrancudo”. Ora, eu também acompanhava Bento XVI diariamente e certamente ele não era nem é carrancudo. Como podem fazer afirmações gratuitas e contrárias à evidência dos fatos?
Agora andam dizendo que Francisco é comunista. Infelizmente há grupos católicos nessa campanha de difamação. Não me venham dizer que são católicos “conservadores”. Conservador sou eu, ora bolas. Esses pequenos grupos, que também atacaram muito Paulo VI (hoje reconhecido como santo) podem ser classificados como zelotes ou fundamentalistas. Menos comuns que os protestantes, os católicos fundamentalistas existem sim, em pequeno número. E podemos notar que os seus argumentos são raivosos e superficiais. Parecem até, por vezes, esquerdistas “argumentando”. Eu notei nos anos 70 que os zelotes que atacavam Paulo VI (e que eram certamente ortodoxos em matéria de doutrina) por considerá-lo conivente com a heresia do progressismo, silenciavam sistematicamente em relação a atos do pontífice que, se eles fossem comentar, teriam de apoiar. Por exemplo, quando certo Abade Franzoni declarou sua intenção de se inscrever no Partido Comunista da Itália, Paulo VI rapidamente o expulsou da Igreja. Mas isso, não vi os nossos fundamentalistas comentarem. Silêncio sufocante.
Assim, os atuais também evitam de todo falar na recente beatificação de bispos romenos que foram martirizados pelo infame regime comunista de Ceausescu, felizmente defenestrado há tempos.
Por outro lado recebi outro dia, no zap (e o zap é uma coisa útil mas também muito chata), uma dessas mensagens, acompanhadas de uma foto de Francisco com Evo Morales, presidente da Bolívia e notório comunista (é um índio comunista e por isso meio heterodoxo). A foto mostrava o crucifixo herético, com a foice e o martelo, quando Evo o entregou ao papa, por ocasião da visita apostólica deste à Bolívia.
Anos atrás eu já discutira isso com um protestante, só faltava ter que discutir com católicos.
Antes de mais nada vamos entender que não foi o Papa Francisco quem deu um crucifixo blasfemo ao Evo Morales; foi o doido do Evo Morales quem deu o crucifixo blasfemo ao papa.
Notaram a relação inicial que a gente deve fazer? Seria como se alguém tentasse me dar um tatu empalhado e em decorrência disso eu começasse a ser acusado de anti-ecológico.
O resto saiu na imprensa da época e eu me lembro muito bem. A imprensa atestou que Francisco fez cara feia ao receber o objeto e comentou em voz baixa, “Isto não está certo”. Mas ele não iria fazer escândalo numa recepção oficial. Discretamente, sem se importar com mal-entendidos, Francisco mandou devolver o objeto a Morales e retornou a Roma sem levá-lo.
O que mais queriam? Que Francisco quebrasse o crucifixo na cabeça do Evo Morales? O Evo bem que merecia, mas convenhamos, Bergoglio não iria fazer uma coisa dessas.

Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2019.