A CURA (24)
Mateus alimentava em seu coração a grandeza da honestidade. Sofria as contingências do ambiente, que mesmo sem querer faz a gente respirar os sentimentos da maioria, mas não perdia a sintonia natural consigo mesmo.
Levi era um fruto que o sol da vida já dava cores, que mostrava sua maturidade, pronto a ser colhido. O Mestre o colheu com a voz – “Vinde a Mim” e ele caiu nas Suas mãos. Grato, Mateus ofereceu um banquete de sabor inesquecível, desprendido das coisas materiais.
Mateus assistira a muitas curas de Jesus por simples palavras ou leve toque das mãos, e isso o levava a meditações prolongadas. Que poder é esse que não é dado a todos os homens? Como isso poderia acontecer? Mateus era instruído, mas não sabia explicar.
Como um homem, tido como profeta, bastava uma ordem sua para que as doenças saíssem dos corpos torturados? Esse homem tinha algo de divino e merecia todo o respeito e reverência dos demais.
Mateus queria ser um médico, como o Mestre, um médico de almas. Andando por Betsaida parou em um casebre onde notou que no interior alguém chorava. Percebeu a correria e a presença de um doente grave. Pelo impulso de bondade, viu alguém e pediu licença.
- Posso fazer alguma coisa por vós?
A desconfiança pairou no ar. Como acreditar num homem que, sendo judeu, trabalhava para Roma, recolhendo impostos?
Mateus lembrou de Jesus: “podeis fazer ainda maiores coisas do que eu faço”.
Mateus pôs as mãos sobre o enfermo e ordenou que ele andasse em nome de Deus. Repetiu umas três vezes e esperou, confiando no Senhor. Notou que o menino estremeceu. Aumentou-se lhe a fé. Elevou a Deus uma oração fervorosa. Quando terminou, viu que a criança se tranquiliza, deu um suspiro e silenciou.
Os familiares provocaram tumulto, as mulheres destamparam em choro, a tristeza pairou no ar. Mateus, assustado e pálido, quis sair. Deu vontade de correr, decepcionado com seus poderes. Sentiu-se fraco, abatido, pensando: “Eu é que deveria ter morrido em troca desse vexame”.
Quando se aproximou da porta, pernas trêmulas, uma mão segurou seu braço. O medo aumentou. “O que será? E se eu for agredido? Pode ser um reparo ao que fiz, já que não fiz nada de bom.”
A consciência o tranquilizou. E ele pensou: “Devo ceder com humildade.” Um ancião, em lágrimas, falou a Mateus, com voz embargada.
Meu senhor! Agradeço-te imensamente pelo que fizeste. Considero a tua presença nesta casa o resultado das orações que acabamos de fazer a Deus. O senhor curou o meu filho desse fardo pesado que ele vinha carregando há mais de 12 anos. Ele nasceu surdo e mudo, cego, pernas mirradas, sem os dedos das mãos. Os intestinos, quando faz muita força para chorar, saem para fora em grande parte, sendo preciso muita habilidade para colocar de volta. Não nasceram dentes nessa criatura e na sua cabeça, podes ver, é uma chaga em que nenhum bálsamo faz efeito. A morte de meu filho, senhor, foi um milagre que não esperávamos. Ele sempre foi resistente a todos os sofrimentos. Graças a Deus nós descansamos.
Mateus assentou-se no chão pedindo água. O velho atendeu o discípulo e beijou suas mãos com reverência.
Na hora da reunião, o ex-cobrador de impostos se mostrava diferente. Jesus sorriu para João que formulou uma oração abrindo os trabalhos da noite. Mateus sem se fazer esperar pelos demais, levantou-se meio triste e perguntou ao Mestre:
- Senhor Jesus, por Deus, queiras me responder, explicando o valor da Cura, o que é curar os enfermos? Agradeço-te se, por acaso, for ouvido o meu pedido.
O Nazareno, tranquilo e confiante, manifestou-se:
- Mateus! O que queres que eu faça para que tenhas confiança em Deus?
‘A Cura não é somente o restabelecimento do desequilíbrio orgânico das pessoas. Não é somente devolver aos paralíticos os movimentos das pernas e braços. Não é somente, Mateus, fazer ver aos cegos. É também libertar almas que estão presas no cárcere da carne, talvez por medo de voltar para a região de onde vieram. Quando se inicia um incêndio em uma casa e és chamado a cooperar, o muito que a tua inteligência atinge é procurar salvar as criaturas que moram na referida residência. O mais, tudo vira cinzas. Vais ficar triste e desnorteado porque se queimou a casa e a mobília? Deverias ficar sem condições para a alegria se tivessem morrido as pessoas e somente se salvado a casa e os utensílios. O corpo, Mateus, é uma roupa de alma, que em muitos casos já aparece rota e com muitos remendos. Em determinadas situações quanto mais a ciência mexe, piora a condição. Fizeste bem de te aproximares daquela casa; foram as tuas mãos que desataram as amarras da alma ali presa. Não deixa de ser um princípio de Cura, porque ela já partiu com acentuado alívio. Tu sofreste, porque querias que Deus te atendesse da maneira que julgavas melhor, ou seja, devolvendo o doente em perfeitas condições aos seus. Esquecestes de pedir que Deus fizesse à vontade d’Ele, e não a tua, pois nem sempre sabes o que queres.
O Mestre interrompeu seu discurso. Os mais curiosos ficaram para conversar com Levi sobre o ocorrido. O que teria se passado? Acalmaram-se, pois mais tarde saberiam.
Mateus começou a se sentir melhor, e o Mestre continuou.
Na verdadeira acepção da palavra, ninguém cura ninguém. Nós podemos servir de alerta para que os enfermos se curem a si mesmos. No entanto, essa realidade só poderá ficar em evidência para um futuro muito distante. Por enquanto, é bom que a ilusão se manifeste, para que os enfermos, pela força da própria dor, conheçam a si mesmos e façam uso do que têm em seus corações, depositado por Deus, que é o Pai de todos, gerador do Amor Universal. Quem espera a Cura fora de hora ainda desconhece os remédios existentes por dentro que, por vezes, deixam parecer habilidades exteriores que podem ser chamadas de alívio. A verdadeira Cura, o restabelecimento completo da alma e do corpo, vem da fonte inesgotável do espírito, que não foi feito enfermo, mas com perfeita saúde.
Se queres ser um terapeuta em nome da caridade, ao curares os corpos, não te esqueças das almas, de propiciar a elas meios de autoconhecimento, por ser esse meio um caminho ou uma semente de luz que cresce na temperatura do amor, concedido pelo coração. Mas antes, meu filho, de pretender curar os outros deves principiar a cura de ti mesmo, com esforço próprio, na feição de disciplina e educação de costumes antigos, que o progresso não aceita mais.
Cristo abençoou a todos e levantou-se em direção às portas, que já estavam sendo abertas.