FELICIDADE (19)

Tomé, o apóstolo, tinha certa cultura, raciocínio fácil, compreendia as coisas com rapidez. Usava principalmente a razão, e pouco os sentimentos. A sua caridade para ser aplicada deveria ser bem compreendida. Examinava bem aqueles que iam ser beneficiados para bem sentir a necessidade alheia. Não tolerava a mentira. Lutou, mais tarde, para ser diferente, mas não conseguiu.

Invejava os colegas que se aproximavam do amor que o Cristo ensinava, que não exige, que não especula, que jamais erra na escolha. Gostava de viajar, conhecer lugares, fazer amizades, trocar ideias, observar as experiências alheias. Conhecia o misticismo da Índia e da China, os antigos escritos do Egito e da Caldeia, da Grécia e mesmo de Roma.

Tomé, também chamado Dídimo, nunca se esquecia de esmiuçar as coisas invisíveis. Sua consciência pedia ponderação ao aceitar qualquer fato. As ocorrências tinham que ser testadas à luz da razão. Sabia das verdades espirituais e assistiu os milagres do Cristo.

Tomé não representava ponto de negação ou dúvida, mas vigilância. Naquela época, como hoje, e ainda por milênios, existiam mais coisas falsas que verdadeiras, e Dídimo representava o vigiar de Jesus.

O Mestre o chamou para discípulo por encontrar no seu coração a disposição de espalhar a verdade, na plenitude do amor universal. Homem decidido, de caráter nobre, a ponto de entregar a vida para que o ideal do bem vivesse. Depois que conheceu o Cristo, seu assunto predileto era mostrar aos amigos a história de Jesus, seus prodígios e sua doutrina.

Encontrou Judas Iscariotes em Betsaida debatendo assuntos financeiros com um alto comerciante, que se dava às grandes compras e vendas. Ambos foram conversando, em direção ao casarão para a reunião regular que tinham todos finais de tarde com o Mestre.

Tomé e Judas Iscariotes entraram em silêncio, com a senha mental que todos usavam: “A paz seja nesta casa”. Felipe ergueu a voz pela indicação do Mestre, abrindo a reunião com a prece inicial. Tomé foi instigado pelo olhar do Senhor e indagou:

- Senhor! Procuro um tesouro bem diferente e talvez mais difícil que as pedras preciosas ou o ouro do mundo. Procuro um poder que vale mais que todos os poderes temporais da Terra, mas sou um garimpeiro inexperiente, não sei onde ou como encontrar. Esse tesouro é a Felicidade. Que me dizes, Mestre?

- Tomé! O que buscas não está muito longe porque reside dentro de ti. As preciosidades mais relevantes estão dentro do coração e a chave que abre é a virtude do Amor. A Felicidade verdadeira somente se expressa no reino dos anjos, mas todos estamos caminhando para lá. O Pai dá oportunidades e espera pacientemente que todos se decidam a buscar esse reino da mais alta fraternidade, onde o Amor é o sol que aquece a todos. Assim, não penses em viver egoisticamente só dentro de ti, gozando a Felicidade que te pertence.

‘Falaste bem quando chamaste a Felicidade de tesouro. O modo pelo qual deves encontrar essa preciosidade é frequentando a escola-oficina que instalamos. O poder que buscas para ti é importante, mas o mais importante é saber como usar esse poder. O homem que domina a natureza, que conhece a si mesmo, é o homem obediente às leis de Deus, pois essas leis são seus agentes com a mais intensa obediência. Qualquer um que desobedece-las responde imediatamente pelas consequências.

‘Não penses que os profetas, os místicos e os santos, operando prodígios, estão agindo fora da lei. São eles que vivem em um plano diferente da humanidade, e a sua obediência às leis maiores dá a eles o que realmente merecem pela vida que levam. Possuem poderes que nem desconfias.

‘A Felicidade é o conjunto de muitas qualidades que podes alcançar. Contudo, não são compradas nas feiras públicas, nem apanhadas de quem já as possui. Essas qualidades pertencem ao tempo e são filhas de esforços ingentes. Elas são devedoras da disciplina e da educação. Eis o que aconselhamos: pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis. Pede a Deus que Ele te dará a Felicidade, pois ela não pode existir sem que Ele a movimente.

‘Talvez não saibas a arte de pedir. No estado em que estás, levarás mais de um século para saberes pedir, sem que os teus lábios anunciem as tuas necessidades. Falamos o mesmo dileto e nem sempre nos compreendemos uns aos outros, porque nos falamos veladamente. Os homens do futuro perceberão todas as nossas intenções, porque a inteligência não para de crescer. Aquilo que achas difícil de compreender agora, tornar-se-á menos complicado para as crianças de amanhã.

Tomé bebia os ensinamentos do Senhor, como se estivesse sedento de água celestial. Uns cochichavam com outros: “Como é difícil ser feliz”. Em resposta ouviam: “As coisas boas não podem ser fáceis”. Tomé tinha vontade de gritar dentro do salão: “Meus irmãos, o Cristo é nossa Felicidade”. Mas o bom senso o reprimia e o próprio Mestre poderia não gostar. Pensava então, que a discrição é uma das portas para a Felicidade.

- Tomé! Quando a criança dá os primeiros passos, mesmo que sejam em falso, os pais sentem uma alegria tamanha que algo da Felicidade os visita por instantes. Também o garotinho se embeleza ainda mais por não saber expressar o seu contentamento. O nosso impulso, quando a imaginação vai além dos nossos ideais, é gritar, é falar, é fazer conhecer aquilo que estamos percebendo a todas as criaturas. Mas será que essa mesma disposição tem durabilidade, de maneira a nos acompanhar em todos os fatos, em todos os esforços que a vida requer de nós para nos ofertar tais poderes? Ponderemos sobre isso e vamos adiante, com Deus.

Tomé saiu dali cheio de esperança, pensando mesmo em polir o que de bom existia dentro de si. Queria sentir mais de perto a Felicidade.

Quando na Índia, estava cercado por fanáticos e não havia jeito de continuar a pregação do Evangelho, sentiu que era chegado o fim da sua vida física e se deixou ser apanhado para o sacrifício, sem palavras de revolta. Mas sentiu no coração uma harmonia indizível e uma serenidade imperturbável. Quando quis gritar que era feliz, apareceram dois dedos selando seus lábios. Esforçou-se para abrir os olhos, já agonizante, e viu com dificuldade, alguém sorrindo para ele, com os braços abertos.