Perguntas dos Teístas aos Céticos

 

Semelhante ao texto “É necessário ser cristão?”, no qual comento algumas crenças do cristianismo, este artigo será composto por perguntas e respostas. As respostas fornecidas são simples e visam responder às questões frequentemente levantadas por defensores fervorosos da fé cristã, especialmente aos céticos. Essas perguntas são geralmente feitas por meio de vídeos na internet e têm o objetivo, muitas vezes ingênuo, de deixar o cético sem resposta. Essa abordagem é ingênua porque os defensores de uma fé frequentemente assumem que a ausência de uma resposta à pergunta confirma a veracidade da crença que defendem. Espero demonstrar, por meio de respostas simples, que essa não é a forma como a epistemologia funciona. Para ilustrar a falácia desse raciocínio, imagine que você chega em casa e percebe que tudo foi revirado. Então, você afirma que o responsável foi um grupo de alienígenas e supõe que essa afirmação é verdadeira se ninguém puder fornecer uma explicação alternativa. Considero essa visão da realidade superficial e, portanto, ingênua. No entanto, vamos analisar essas perguntas mesmo assim.

 

P1: A existência de Deus já foi provada pela lógica, com uso de argumentos, não foi?

R1: Muitos acreditam que os "jogos de palavras" dos apologistas podem demonstrar a existência de algo na realidade que está além da nossa mente. A lógica trata corretamente dos axiomas, mas axiomas são apenas regras que não possuem uma existência independente. Por exemplo, "o todo é maior que a parte" não possui uma existência própria no mundo; apenas descreve uma regra aplicada a algo que existe, sem provar a existência desse algo seguindo o mesmo princípio. O grande problema com a divindade em uma religião é que, além da afirmação de sua existência não ser falseável, o dogma da religião rejeita o falibilismo ao qual tudo está sujeito. Aceitar a existência de algo que não pode ser submetido a essas duas condições não é um ato de convicção racional, mas uma necessidade psicológica de crer. A lógica funciona de forma semelhante à matemática: o resultado de um cálculo estará correto se não houver erros durante o processo. O problema é que quem chega a um resultado pode não perceber erros cometidos durante o cálculo (falácias lógicas). Nesse caso, pode concluir que o resultado está correto, mesmo quando não está. Esse é o perigo de basear-se puramente na lógica para afirmar a existência de algo no mundo. Utilizar uma simples combinação de palavras em um determinado idioma para abordar uma parte inexplorável da realidade (aquela que não pode ser verificada) parece uma forma de arrogância de quem não aceita que, na ausência de um método apropriado para conhecer algo, a postura mais honesta é suspender o juízo. Em relação às "provas" da existência de Deus baseadas unicamente na lógica, deixo aqui alguns silogismos para reflexão:

 

Silogismo 1

 

P1: Ou Javé existe e deseja ver os descrentes sinceros livres do tormento eterno (ou da destruição eterna), ou não existe. Não desejar o bem das pessoas nega seus atributos inerentes, como amor, benevolência e misericórdia.

P2: Se ele existe, é onisciente e sabia que os descrentes sinceros, suas criações, tiram conclusões apenas com base em boas evidências.

P3: Portanto, se Javé deseja ver os descrentes sinceros livres do tormento eterno, ele deveria ter providenciado boas evidências para a conclusão de que ele — e apenas ele — existe.

P4: As evidências existentes também são usadas por outras religiões para argumentar a favor da existência de seus deuses (como a suposta criação do universo, o ajuste fino, a moral absoluta, etc.). Logo, ele (Javé) não forneceu boas evidências para sua própria existência.

P5: Conclui-se que, ou Javé existe e não deseja ver os descrentes sinceros livres do tormento eterno, ou não existe.

P6: Em qualquer um dos casos, seus atributos inerentes (citados em P1) não são reais.

C: Portanto, Javé não existe.

(Extraído de "É necessário ser cristão?")

 

Silogismo 2

 

P1: A Javé atribuem-se, entre outras características, as seguintes: 1) desejo de que as pessoas se convençam de que ele é real; 2) poder para providenciar isso.

P2: Dadas as características mencionadas em P1, a existência de pessoas que não estão convencidas de que Javé é real é incompatível com a existência dele.

P3: Existem pessoas que, sinceramente, não estão convencidas de que Javé é real.

C: Portanto, Javé não é real.

 

Silogismo 3

 

P1: Deus é onipotente.

P2: Onipotência é o poder de fazer tudo o que é logicamente possível (definição de onipotência).

P3: Um feito é logicamente possível se é uma ação coerente que pode ser descrita em palavras sem contradições (definição de possibilidade lógica). a. Qualquer coisa que já tenha sido feita é logicamente possível.

P4: É logicamente possível criar uma massa finita de pedras que não possa ser levantada por seu criador (segue de P3).

P5: Portanto, um ser onipotente pode criar uma massa finita de pedras que não pode ser levantada por seu próprio criador (segue de P2 e P4).

P6: Portanto, um ser onipotente pode criar uma massa finita de pedras que não pode ser levantada por um ser onipotente (definição de “criador” para um ser onipotente).

P7: Para qualquer massa finita de pedras, é possível gerar uma força capaz de levantá-la contra um campo gravitacional uniforme (Segunda Lei do Movimento de Newton).

P8: Portanto, um ser onipotente pode levantar qualquer massa finita de pedras (segue de P2 e P7).

P9: As premissas P6 e P8 são contraditórias.

P10: Portanto, é logicamente impossível ser onipotente (segue de P3 e P8).

C: Portanto, Deus é logicamente impossível.

Fonte: Omnipotence Fails. Period.

 

Silogismo 4

 

P1: Se os argumentos em favor de um deus específico podem também defender outros deuses ou outras causas sobrenaturais, então esses argumentos não defendem nada em particular.

P2: Os argumentos em favor de um deus específico também podem ser usados para defender outros deuses ou outras causas sobrenaturais.

C: Portanto, os argumentos em favor de um deus específico não defendem nada em particular.

 

Silogismo 5

 

P1: Se houver falácias lógicas nas provas da existência de Deus, então essas provas são dubitáveis.

P2: Existem falácias lógicas nas provas da existência de Deus, tais como: argumento da incredulidade, apelo à ignorância, falsa dicotomia, Deus das lacunas, falácia do equívoco, evidência suprimida, apelo à consequência (ou ao medo), petitio principii (pedir a premissa), apelo à emoção, inversão do ônus da prova, evidência anedótica, etc.

C: Portanto, as provas da existência de Deus são dubitáveis.

 

Além disso, a razão pela qual as provas da existência de quaisquer deuses não convencem o consenso científico — e por que ninguém ganhou um prêmio Nobel por provar a existência de algum deus — é que essas provas são post hoc. O problema com uma explicação post hoc é que ela tenta explicar um evento ou fenômeno depois que ele ocorreu, e diversas outras explicações igualmente plausíveis podem surgir e, de fato, surgem. Por exemplo, há quem sugira que a origem do universo e da vida reside em uma lei desconhecida da natureza, que pode possuir alguns atributos “omni” e que está no cerne do panteísmo naturalista. Essa é uma alternativa equivalente a qualquer religião, apenas exigindo criatividade para explorar os detalhes e oferecer soluções persuasivas para as incongruências que surgem, como fazem os apologistas. No entanto, mesmo assim, sabemos que essa explicação pode ser imaginária ou real. Então, como diferenciá-las?

Um método consistente é o uso de previsões baseadas nos dados disponíveis. Em outras palavras, um deus seria provado se, em vez de oferecer explicações post hoc (que podem ser variadas e dependem apenas da imaginação), um elemento novo fosse previsto com base em expectativas relacionadas a esse deus. Por exemplo, se eu assumisse que ao orar para o poderoso deus X, um membro amputado de uma pessoa fosse restaurado em segundos, isso constituiria uma forte evidência da existência do deus X caso o membro perdido realmente surgisse após a oração. O surgimento do membro, conforme previsto, seria o elemento novo que buscávamos (não houve uma hipótese anterior que tenha previsto esse elemento). O fato de termos um elemento novo previsto na hipótese diferencia um evento imaginário de um evento real. Se for possível repetir essa previsão e obter o mesmo resultado, ainda melhor. Esse é o princípio que fundamenta o método científico, que nos avançou significativamente em áreas como medicina e tecnologia, por exemplo.

Note que os silogismos apresentados nesta questão, juntamente com o silogismo contra a perfeição moral de Javé apresentado em "P2: Como a moral é possível sem Deus?", indicam algo de extrema relevância que muitos ignoram: qualquer alternativa ao cristianismo que proponha uma entidade criadora das coisas, mas que não possua os mesmos desejos e atributos de Javé, torna-se uma opção mais provável e racional para resolver as questões que os cristãos tentam resolver com Javé (como a origem das coisas, o sentido da vida, etc.). E qual é a razão para essa conclusão? Veja: os deuses do deísmo e do pandeísmo, devido às suas características, não estão sujeitos às contradições demonstradas pelos silogismos anteriores (contradições que se aplicam perfeitamente a Javé, com base em seus atributos e desejos). O deus do deísmo não se interessa pela humanidade, e o deus do pandeísmo se desfez ao formar o universo. Portanto, se eu pretendo explicar um fenômeno, como a origem das coisas, e tudo o que consigo fazer é apelar para um ser superior e poderoso, qual seria a escolha mais racional para uma mente preocupada com a lógica e a coerência? Seria um deus sujeito a silogismos que demonstram suas contradições e incoerências ou um que não está sujeito a essas contradições?

 

P2: Como a moral é possível sem Deus?

R2: Sob uma ótica humanista secular, é possível descrever o fenômeno da moral na sociedade de forma simples: parece razoável que o propósito de uma sociedade seja a preservação de si mesma. Talvez seja por isso que os animais que vivem em grupo não destroem uns aos outros, mesmo não possuindo noções de certo e errado; eles devem saber, por instinto, que o propósito de uma sociedade é prosperar como tal, e matar, por exemplo, é contraproducente. Cada membro de uma sociedade se beneficia das ações dos outros (se eu não cultivo meu arroz, adquiro-o de outro membro e ofereço algo em troca), e isso torna vantajoso para todos manter o grupo intacto. Agir de forma destrutiva em uma sociedade leva a punições por parte dos membros que reconhecem a importância de conservá-la. As sociedades que sobreviveram ao longo do tempo só o conseguiram porque seus membros não se mataram uns aos outros. Basicamente, se eu coço suas costas em troca de você coçar as minhas, obtenho mais vantagens do que se te matasse e ficasse com a coceira nas costas.

Outro pensamento incorreto é supor que noções de certo e errado só existem se um deus que dita as regras for real. Certo e errado existem quando se pressupõe um objetivo, uma meta. Assim, as ações que te aproximam desse objetivo são consideradas certas, e as que te afastam dele são erradas. Como o objetivo das sociedades é o bem-estar comum (com o claro propósito de autopreservação), podemos conhecer e discernir as ações certas ou boas das erradas ou más sem precisar de uma entidade divina que nos diga isso.

Dividamos a dor em duas categorias: a dor necessária e a dor desnecessária. Consideraremos como necessária aquela que alerta sobre algo errado no organismo, ou que é gerada durante um tratamento dentário com a finalidade de aliviar um sofrimento causado por cáries. Chamaremos de desnecessária a dor que uma pessoa inflige a outra sem a intenção de aliviar qualquer outro tipo de sofrimento dessa pessoa. Tratarei brevemente da dor desnecessária. A biologia pode estudar o sistema nervoso e descobrir que a dor é objetiva (embora sua intensidade seja subjetiva) ao prever situações que desencadeiam o mal-estar que chamamos de dor. Com o conhecimento sobre o sistema nervoso e sua interação com o cérebro, foi possível desenvolver analgésicos e sedativos capazes de aliviá-la. Assim, temos algo concreto que nos afeta diariamente. Nós e outros seres com sistema nervoso evitamos a dor o quanto podemos. Evitar a dor não é um ato racional, mas instintivo, e será feito o possível para saná-la. Há uma base instintiva para a moral: evitar a dor. As ações diárias de uma pessoa, independentemente de sua crença, demonstram que esse pilar da moral a acompanha. A partir desse princípio, é possível traçar, com o uso da lógica e da racionalidade, os detalhes que comporão um bom código moral.

Claro, pode-se questionar: "Estou preocupado em evitar a dor, mas a minha e não a do meu vizinho. O que me impede de causar dor a ele por diversão?" Bem, a primeira coisa que deveria impedir isso é a empatia, que está presente na nossa espécie e em diversas outras. Mesmo um princípio de individualismo pode servir como uma barreira: uma pessoa que deseja evitar a dor e está disposta a submeter seu vizinho a ela está aumentando as chances de ser alvo de retaliação, o que, por sua vez, conduzirá ao que ela está tentando evitar. Ou seja, agir assim é contraproducente.

O que dizer das elites que acumulam riquezas muito além do necessário (incluindo alguns líderes religiosos)? Para responder a isso, escrevi um silogismo:

P1: A moral está intimamente associada ao bem-estar comum.

P2: O que dificulta o florescimento do bem-estar comum é imoral.

P3: Acumular riquezas em uma sociedade que possui miséria e influenciar a política para benefício próprio (usando o poder derivado desse acúmulo) dificulta o florescimento do bem-estar comum.

P4: Um bilionário possui as características descritas na premissa anterior.

C: Portanto, ser bilionário é imoral.

Há um argumento comum, herdado de Dostoiévski, que diz: "Se Deus não existe, tudo é permitido." No entanto, eu diria que, com um deus misericordioso (que suspende a justiça) que envia seu filho para pagar nossos pecados, tudo é permitido, pois tudo pode ser perdoado. Esse argumento de "tudo é permitido" assume que o cético teria um passe livre para causar prejuízo e destruição ao próximo por não temer nenhum deus. No entanto, esse pensamento parte de uma pressuposição falsa: a de que as pessoas, de um modo geral, têm um desejo inato de destruir ou causar dano desnecessário aos outros. Ignora o fato de que somos animais sociais e que possuímos afeto e empatia, assim como muitos outros animais.

Você pode argumentar que eu apenas descrevi como a sociedade se comporta, mas não justifiquei como ela deveria se comportar. O problema aqui é a pressuposição de que há um dever moral universal. Se você me pergunta: “Todos os grupos sociais inteligentes de todos os mundos possíveis deveriam seguir esse padrão moral?” Eu sou obrigado a perguntar: “Como posso saber se esse tipo de dever sequer existe?” Aqui chegamos ao problema da “guilhotina de Hume”. Segundo Hume, não faz sentido deduzir como as coisas devem ser a partir de como elas são. Na vida prática, um dever pode existir se uma meta for estabelecida previamente (se minha meta é ser professor, por exemplo, tenho o dever de estudar). Não vejo como é possível pensar em dever sem pressupor uma meta. A meta, por outro lado, envolve subjetividade. Se os membros do grupo social não concordarem com a meta (que justifica o dever), o caos se instala. Como já foi comentado, a meta das sociedades parece ser o alcance e a preservação do bem-estar dos membros, o que é evidente nas legislações e códigos penais, por exemplo.

O que dizer da alternativa religiosa? Há a ideia de uma entidade divina que é maximamente boa e tudo o que ela comanda é objetivamente bom, ou seja, não depende da opinião humana. No entanto, um problema aqui é que não existe um único modelo de entidade moral divina; há vários. Alguém poderia apontar outro deus ou mesmo o diabo como "comandantes da moral objetiva" que devemos seguir. Então, como descobrir qual é o verdadeiro comandante da moral? Se dois ou mais deuses fossem apresentados com seus respectivos códigos morais, como você descobriria qual deles é o verdadeiro fundamento da moral que os seres humanos deveriam seguir? Você pode apontar para o deus cujo código moral beneficia mais o bem-estar comum, mas nesse caso ficaria claro que a base para a moral não é um deus qualquer, mas o próprio bem-estar comum. Caso contrário, seria necessário demonstrar que o deus que você defende existe de fato para que ele possa ser um possível candidato ao comando da moral. Afinal, o candidato mais provável para qualquer cargo precisa, antes de mais nada, existir, e essa existência deveria ser demonstrada antes que o candidato fosse apresentado para tal.

A respeito do modelo cristão, Javé, como fundamento de uma moral objetiva, considere o seguinte silogismo:

P1: Viver em um sistema de obediência/recompensa e desobediência/punição, sem ter o direito de optar por não participar desse sistema, é viver como refém da vontade alheia.

P2: Qualquer deus que conceda o direito de não participar do seu sistema (seja possibilitando a ida para outro mundo, tornando o nascimento opcional para cada indivíduo, usando a onisciência para conhecer a escolha do indivíduo antes que ele nasça, etc.) é moralmente superior àquele que limita suas criações ao cenário descrito em P1.

P3: Javé limita suas criações ao cenário descrito em P1 e não oferece as opções do deus moralmente superior descritas em P2.

C: Portanto, o modelo moral do cristianismo é inferior ao que poderia ser e não pode ser considerado um fundamento de uma moral objetiva, nem a expressão de uma entidade moralmente perfeita.

Eis uma versão alternativa para esse silogismo:

P1: O sistema criado por Javé na Terra é binário, ou seja, os seres humanos têm as opções de fazer a vontade de Javé e receber uma recompensa determinada, ou não fazer essa vontade e receber uma punição determinada.

P2: Qualquer adulto, em suas plenas faculdades cognitivas, pode ter o desejo sincero de não ser um escravo da vontade alheia e, consequentemente, não se envolver nem ter que lidar com as consequências dessas duas opções; por um lado, não deseja fazer a vontade de Javé nem obter sua recompensa, e por outro, não deseja receber punição.

P3: Qualquer deus que ofereça a essa pessoa a opção de cancelar sua participação nesse sistema binário e arbitrário é moralmente superior ao deus que não oferece essa opção e submete as pessoas a uma situação de servos eternos de dois caminhos (com onipotência, seria fácil fazer uma pessoa desaparecer da realidade e removê-la da memória de todos, por exemplo).

P4: Javé não oferece às pessoas essa opção (eu sou um exemplo e não recebi essa opção), e a opção de suicídio não é um cancelamento da participação no sistema binário, pois se enquadra na categoria que leva à punição eterna.

C: Portanto, Javé não pode ser moralmente perfeito, nem comandante de um modelo de moral objetiva.

Além do que foi apresentado, existem diversos modelos de moral que sustentam uma moral objetiva (realismo moral) sem a necessidade de um deus. Muitos desses modelos podem surpreender os apologistas. Para mais informações sobre esses modelos, você pode conferir os seguintes links:

Realismo Moral 

Ética Objetiva Sem Religião

Reflita: se você ainda acredita que a crença em um deus ou no cristianismo impede o indivíduo de cometer crimes, faça uma pesquisa sobre a presença de ateus em presídios e compare o número de ateus com o de cristãos.

Recomendo assistir ao debate entre Shelly Kagan e William Lane Craig sobre esse tema.

 

P3: Se a origem do universo é o Big Bang, responda: o que explodiu? Como explodiu? E como surgiram os elementos que explodiram? Resumindo: qual seria a causa primeira do universo?

R3: Há dois notórios equívocos na forma como os criacionistas interpretam o Big Bang. O primeiro é a confusão entre creatio ex materia e creatio ex nihilo, que são erroneamente tratados como semelhantes. O segundo é a confusão entre o universo observável (ou conhecido) e o conceito de "tudo o que existe" (alguns chamarão de cosmos). Os criacionistas frequentemente interpretam a teoria da seguinte forma: “absolutamente tudo surgiu de absolutamente nada” ou “absolutamente tudo não existia e, como num passe de mágica, absolutamente tudo passou a existir”. Isso está incorreto. A teoria do Big Bang, em resumo, diz o seguinte: “o universo (essa porção observável que não engloba tudo o que existe) expandiu a partir de um estado de extremo calor e densidade”. O Big Bang não se refere à origem de "tudo", como muitas pessoas pensam, mas apenas de "tudo o que conhecemos" (há uma grande diferença entre essas duas coisas). A teoria também não trata de um surgimento ex nihilo, pois não se trata de uma criação a partir do nada. De acordo com esse modelo, o tempo começou nesse instante, tornando a ideia de um “antes” incoerente.

Um grande problema nesse tipo de questionamento sobre a origem das coisas é que os questionadores assumem como garantido algo que não pode ser demonstrado: que o que existe foi criado. E com "criado" estamos falando de uma situação bastante singular em que alguém ou algo faz com que o não existente passe a existir através de um fenômeno indistinguível de mágica! Além disso, é preciso salientar que o Big Bang é uma teoria sobre expansão, não criação. Criação antecederia a expansão, ou seja, antecederia o tempo de Planck, mas nada se sabe, dada a limitação do nosso atual conhecimento, sobre isso. O que é possível verificar, em termos de criação, é criação ex materia (como a madeira extraída de uma árvore que dá origem a uma cadeira), mas isso não entra na questão, pois estamos falando de criação ex nihilo (a partir do nada; sem matéria prima anterior). A criação ex materia (usada para justificar a necessidade da criação do universo) não passa de um rearranjo e combinação do que já existe.

Afirmar que as coisas foram criadas por um deus específico é afirmar que nenhum outro fenômeno ou evento pode ser responsável pela presença delas. Mas como demonstrar que essa afirmação é verdadeira? O problema de fazer afirmações sobre questões além da investigação é que possibilidades que escapam ao nosso conhecimento podem ser negligentemente ignoradas. A solução do criacionismo à questão do começo do universo recai em, pelo menos, duas falácias lógicas: "apelo à ignorância" (não sei como foi feito, logo foi meu Deus) e "deus das lacunas" (a ciência não explica isso, então foi obra de Deus), pois atribui um suposto evento (criação do universo) a uma força não verificável e mal definida (Deus). Se não temos um método adequado e confiável para investigar um fenômeno, a resposta certa a respeito do fenômeno é "eu não sei". E ela será essa até que um método de investigação e demonstração apareça, se for possível.

Quando vemos uma lacuna no conhecimento humano, especialmente no que diz respeito às origens, tendemos a preencher essa lacuna com algo místico ou sobrenatural. O que estamos fazendo é piorar a situação, pois oferecemos, como solução para um mistério, um mistério ainda maior. Parece-me lógico que, para apresentar um candidato como explicação de um fenômeno, é necessário demonstrar primeiro que esse candidato existe. E não basta apresentar peças de evidências que podem ser usadas, igualmente, para evidenciar outros candidatos (ou entidades sobrenaturais). É preciso uma série de evidências que apontem apenas para um único caminho, que se aplique exclusivamente ao candidato proposto. Os cristãos não possuem isso.

Outra desonestidade intelectual pode ser percebida quando os teístas abraçam a teoria do Big Bang como prova da existência de um deus: eles estão claramente confiando em cosmólogos, mas somente no que lhes é conveniente. Se a confiança nos cosmólogos fosse mais ampla, eles nunca chegariam a qualquer deus como causa do universo, já que os cosmólogos não incluem deuses em seus modelos. Um exemplo é Craig, famoso apologista cristão, que tenta usar versões distorcidas da cosmologia para defender Javé. Ele apela ao modelo de dois conceituados cosmólogos, Guth e Vilenkin, para sustentar a criação do universo. No entanto, esses cosmólogos deixaram muito claro que o modelo em questão não defende o início do universo, mas a expansão do mesmo. Eles também afirmam que não há problema em um universo infinito, algo que Craig considera um problema com base nas teorias desses mesmos cosmólogos.

Veja essa maravilhoso vídeo onde isso fica claramente demonstrado:

Physicists & Philosophers reply to the Kalam Cosmological Argument featuring Penrose, Hawking, Guth

Craig e seus aliados frequentemente cometem a falácia da “evidência suprimida” ao abraçar apenas as partes que parecem corroborar suas crenças místicas, ignorando todo o restante. Além disso, eles caem na “falácia do espantalho” ao distorcer as afirmações dos cosmólogos para dar a entender que eles defendem algo que na realidade não defendem. Reflita: se você acredita que tudo o que existe foi criado por uma entidade benigna e inteligente, considere uma boa razão para essa entidade ter criado bactérias e vírus cuja única função parece ser causar dor e sofrimento a criaturas sencientes como os humanos. Milhares de insetos são projetados de tal forma que, em algum momento de suas vidas, precisam do sangue humano. Esse processo muitas vezes serve como uma desculpa perfeita para transmitir, no momento da absorção, vírus que causam doenças. Isso não é um argumento contra o design inteligente, mas a favor de um designer sádico.

Contra design inteligente existem diversas evidências, como as presentes no link abaixo:

Gambiarra Evolutiva

Recomendo o debate do Dr. Sean Carroll, no qual ele apresenta modelos cosmológicos para a origem do universo, incluindo modelos de universo eterno e autossuficiente: Debate legendado. 'Deus e a cosmologia' - Sean Carroll vs William Lane Craig.

 

P4: Ou o mundo foi criado por um ser inteligente ou surgiu do nada. Nada se origina do nada; logo, quem criou o mundo senão Javé?

R4: Esta afirmação é basicamente uma continuação do argumento apresentado em P1 (Kalam). Afirmações semelhantes são comuns: "O mundo foi criado; o universo e a vida não poderiam ter surgido espontaneamente." A conclusão do crente é que o mundo foi criado por um deus específico ou surgiu espontaneamente. No entanto, isso configura uma falácia lógica conhecida por vários nomes, como "falsa dicotomia", "falso dilema" ou "falácia do preto e branco". Essa falácia ocorre porque não considera uma série de possibilidades além das duas apresentadas. Limitar as possibilidades ao que você conhece pressupõe que a realidade está restrita ao seu conhecimento atual. Para ilustrar, considere a citação do sujeito que, ao encontrar sua casa bagunçada, atribui a bagunça a alienígenas. O ônus da prova recai sobre quem afirma que o mundo só pode ter surgido de uma das duas possibilidades apresentadas. Além dessas duas, há várias outras possibilidades a considerar: a Simulação de Nick Bostrom, o universo eterno de Mário Novello, o universo cíclico de Neil Turok, o multiverso de Sean Carroll e o amplituhedron de Nima Arkani-Hamed (estes quatro últimos modelos dispensam a necessidade de uma causa primeira), entre outras. A vantagem dessas propostas em relação à criação divina é que elas permanecem no âmbito do "natural" para resolver o problema. Elas não necessitam de entidades com atributos impossíveis de verificar; resolvem a questão de forma natural e indutiva. De acordo com o princípio da navalha de Occam, essas propostas são mais prováveis justamente por isso.

A respeito das complexidades, é importante destacar duas notas:

  1. Quando alguém afirma que as complexidades presentes no universo (como o DNA, o olho humano, etc.) só podem ocorrer por intermédio de um deus específico, está assumindo como garantidas duas coisas que não pode demonstrar. Primeiro, assume que essa complexidade NÃO PODE ocorrer sem a intervenção desse deus. Essa é uma afirmação e, como tal, carrega o ônus da prova, pois tenta descrever a realidade. Quais são as razões para aceitar como verdadeiro esse enunciado? Seria necessário demonstrar que complexidades não podem surgir sem a ação de um deus específico.
  2. Além disso, não há nada nesse pensamento que revele a IDENTIDADE da suposta causa inteligente. Em vez de perguntar "quem foi responsável por essa complexidade", seria mais apropriado questionar "o que foi responsável". Comparar complexidades naturais com criações humanas (como o clássico exemplo do relógio) não é compatível, pois estamos lidando com fenômenos naturais e independentes em contraste com objetos claramente projetados por alguém. Se, hipoteticamente, fosse demonstrado que o que existe foi criado por uma entidade divina, ainda assim, por questões de probabilidade e coerência, não necessariamente chegaríamos a Javé. Como comentei brevemente no texto "É necessário ser cristão?", "O que leva à conclusão de que Javé seja a única possibilidade de deus? A divindade do deísmo de Voltaire, por exemplo, criou as coisas, mas não interfere nos problemas humanos. Ela é, portanto, coerente com um mundo de miséria, dor e sofrimento desnecessário. Já um deus pessoal que possui atributos como onipotência, onisciência, misericórdia, amor infinito e interesse na humanidade não é coerente com esse exemplo de mundo — que é o mundo atual." Portanto, afirmar que o argumento Kalam leva a Javé é um claro exemplo da falácia Non sequitur.

Por último, consideremos o seguinte silogismo:

P1: Ou há um método confiável para verificar um dado ou evento, ou não há (ao menos atualmente).

P2: Se não há um método confiável para verificar um dado ou evento, não há razões sólidas para fazer conclusões sobre esse dado ou evento.

P3: Atualmente, não há um método confiável para verificar a questão das origens (universo, vida, etc.).

C: Portanto, não há razões sólidas para fazer conclusões sobre a origem das coisas.

Dado isso, é crucial analisar o método usado por quem afirma conhecer a origem das coisas. Se, através desse método, for possível chegar a conclusões falsas, saberemos que o método não é confiável. A fé, por exemplo, é um desses métodos. Por meio da fé, diversas religiões ao redor do mundo e ao longo das eras afirmaram a existência de deuses, dogmas e crenças variadas. Não há qualquer afirmação, mesmo desprovida de lógica, que não possa ser sustentada por fé. Portanto, qual é a validade de uma conclusão baseada nesse método?

 

P5: Se espécies semelhantes produzem espécies semelhantes, como ocorrem mutações que originam novas espécies? Por que não vemos criaturas em seu processo natural evolutivo? Onde está o elo perdido entre o homem e o macaco?

R5: O primeiro ponto a esclarecer é o seguinte: se alguém afirma que a teoria da evolução diz que o homem veio do macaco, essa pessoa demonstra que não compreende a teoria da evolução. O maior erro dos críticos da evolução é não estudá-la. Esse é um assunto complexo que exige um aprofundamento em várias áreas da biologia para uma verdadeira compreensão. Outro grande erro é o equívoco sobre a definição de “teoria”. Na ciência, o termo “teoria” tem um significado diferente daquele que usamos, por exemplo, para a teoria de um detetive sobre um crime. Todos os seres vivos são, de certa forma, “elos perdidos”, pois todos estão em constante evolução, de forma gradual. O problema dos criacionistas nesse ponto é achar que, de um dia para o outro, uma galinha começa a se transformar em um porco e que, assim, seria possível ver uma galinha-porco no quintal. Estamos falando de mudanças graduais e sutis que ocorrem ao longo de milhões de gerações. Ninguém pode identificar o momento exato em que uma espécie se torna outra. Para evitar cometer o erro de criticar o que mal se conhece, recomendo a leitura de livros publicados por autoridades no assunto e, se possível, a consulta a estudiosos que se dedicam ao tema há anos. Sobre este tema, proponho os seguintes questionamentos: por que uma pessoa, geralmente um apologista cristão, procura motivos para negar a evolução por seleção natural? Será que essa pessoa estudou a evolução de forma imparcial e descobriu incongruências, ou será que ela busca motivos para rejeitar a evolução para evitar uma contradição com suas crenças? Aquele que acredita que uma entidade celestial criou os seres vivos da forma como são (por um processo indistinguível de mágica) não pode aceitar a evolução como um fato, pois isso geraria uma dissonância cognitiva. Não é preciso dizer que esse tipo de conclusão é enviesado e desonesto. Reflita sobre isso e considere assistir ao vídeo em inglês intitulado “9 Misconceptions about Evolution”. Também recomendo consultar o site talkorigins.org. Se preferir material em português, o biólogo Pirulla desmistifica bastante esse assunto em seu canal no YouTube. Recomendo fortemente, do citado biólogo, a série "Principais Confusões com Relação à Evolução".

Segue o link de um ótimo exemplar dessa série:  

P.C.R.Evo [8] - Perfeição demais pra ter surgido pela Evolução

 

P6: Se a ciência afirma que a vida provém de vida, como explicar que algo sem vida pode gerar vida?

R6: Este é um assunto que requer um aprofundamento em várias áreas da Biologia. Negar algo que você sequer compreendeu é falacioso. Até onde sei, ninguém sabe ao certo como a vida surgiu na Terra. Esta é uma resposta sincera. Criacionistas costumam tratar a ciência como se ela já tivesse descoberto tudo o que é possível descobrir, mas a ciência está sempre em atividade, pois é um método contínuo de investigação e descoberta. Muitas pessoas ainda estão em busca de respostas para questões complexas.

Muitos criacionistas duvidam da ciência, chamando-a de "deus dos ateus", mas sem ela, sequer estariam diante de uma câmera gravando um vídeo, pois essa tecnologia só foi possível graças a descobertas e avanços científicos. Se a humanidade se conformasse em apenas aceitar que tudo o que existe foi criado por uma divindade e que as coisas funcionam como funcionam apenas porque um deus quis assim, viveríamos em um mundo muito diferente, com ferramentas de madeira e sem a capacidade de gravar vídeos de críticas ao que se desconhece.

Reitero a questão: se a vida foi criada por um deus benigno, por que ele criou bactérias e vírus cuja única função em seu ciclo vital é causar dor e sofrimento desnecessário a outros seres?

 

P7: Se a existência de um deus real e bom é incompatível com um mundo de sofrimento, por que o índice de ateísmo é absurdamente maior em países onde há menos sofrimento? Por que as pessoas que mais sofrem são as mais crédulas?

R7: Supondo que esses dados estejam corretos, parece lógico que pessoas que sofrem podem ser mais crédulas. Aqui estão algumas razões possíveis:

  1. Elas podem acreditar que o sofrimento não é causado por Javé, e, portanto, não o culpam por isso.
  2. Elas perdem a esperança em quem deveria resolver ou amenizar seus problemas, como o governo.
  3. Em vez disso, elas se apegam ao que resta: um ser mágico que pode resgatá-las da situação infernal e garantir um futuro de vida eterna e perfeita, compensando o sofrimento temporário na Terra, desde que mantenham a fé nesse ser.

Reflita: será que um deus de amor afogaria animais e crianças inocentes por causa do pecado de alguns? Javé fez isso durante o dilúvio. Será que um ser onisciente e onipotente não teria um método mais eficaz, como punir apenas os culpados e poupar animais e inocentes de mortes horrendas e sofríveis, como o afogamento?

 

P8: Você conhece alguém cuja vida miserável foi transformada pelo poder do ateísmo? Alguém que, após se tornar ateu, conseguiu, com essa filosofia, salvar seu casamento, sair das drogas ou realizar algo semelhante?

R8: Suponha que você tem uma vida miserável e eu prometo lhe dar um bilhete premiado da loteria em um futuro próximo, sob a condição de que você viva seguindo uma série de normas sem se desviar delas. Como você viveria até lá? Sem dúvida, conduziria sua vida com muito otimismo, mas privando-se de viver como gostaria para viver como eu quero que você viva. O que aconteceria se, ao chegar o dia marcado, eu dissesse que foi tudo uma mentira e que não há bilhete premiado algum? Qual seria sua reação? Como você recuperaria o tempo que usou para viver conforme minhas regras, em vez de viver da forma que você gostaria?

O ateísmo é simplesmente a descrença em deuses; ele não tem o propósito de fornecer conforto com histórias improváveis e não demonstráveis. No entanto, você pode se reconfortar ao saber que poderá viver sua única vida da forma que achar melhor, sem se limitar a regras de um suposto deus.

 

P9: Se você rejeita Javé, devo presumir que você leu toda a Bíblia?

R9: Este é um equívoco clássico. Um ateu não rejeita um deus específico apenas por rejeitá-lo. O pré-requisito para rejeitar algo é reconhecer que isso existe. Como posso rejeitar um prato delicioso de Sabbotinum se ele nem sequer existe? Rejeitar é diferente de duvidar. A questão sobre ler a Bíblia é interessante, pois destaca a importância de conhecer aquilo que você critica. Eu li toda a Bíblia, mas será que o questionador leu todos os livros sobre evolução, cosmologia, biologia, sociologia e outros temas que ele questiona ao ateu?

 

P10: Os ateus são minoria; a minoria deve provar que a maioria está errada. Além disso, como podem sociedades ao redor do mundo cultuar deuses? Só pode ser Javé colocando essa ideia na cabeça delas.

R10: "A minoria tem que provar à maioria." Segundo a epistemologia, quem afirma a existência de algo tem o dever de demonstrar o que afirma; isso é conhecido como ônus da prova. Quanto à afirmação de que a crença universal em deuses deve ser atribuída a Javé, esse argumento falha porque, se fosse verdade, as pessoas acreditariam no mesmo deus. No entanto, existem milhares de deuses, credos, dogmas e costumes diferentes. Além disso, há comunidades, como algumas tribos indígenas, que foram descobertas sem nenhuma crença religiosa. O fenômeno de crença mundial em deuses pode ser explicado por fatores psicológicos e culturais, sem precisar recorrer à existência de um deus específico.

O antropomorfismo, por exemplo, é a tendência de atribuir características humanas a objetos e seres imaginários, como deuses. Também buscamos explicações para eventos misteriosos, como fenômenos naturais, a morte e a origem da vida e do universo, frequentemente recorrendo a deuses que supostamente realizam tais feitos com seu poder mágico. A necessidade de uma vida eterna melhor do que a vida atual também alimenta a crença em um deus com esse poder. Além disso, o "efeito manada," estudado por Solomon Asch, mostra como a crença individual pode ser influenciada pela crença do grupo. Em outras palavras, para ser aceito pelo grupo, um indivíduo pode adotar crenças comuns ao grupo sem perceber.

Embora a crença universal em deuses possa ser explicada por esses fatores, não saber como algo acontece não significa que um ser místico seja a causa. Isso é conhecido como a falácia "deus das lacunas." Se seguirmos o raciocínio de que a minoria deve provar à maioria, e considerando que a maioria das pessoas no mundo é não cristã (incluindo ateus, agnósticos e pessoas de outras religiões), cabe aos cristãos, como minoria, provar que seu deus e seu livro sagrado são os únicos verdadeiros.

 

P11: Você precisa de fé para confiar nos seus sentidos. Que outra razão teria para confiar neles?

R11: O criacionista Adauto Lourenço uma vez disse: "Você não está me vendo, está vendo fótons interagindo com elétrons." Essa é, de fato, a definição do que chamamos de "ver." Usando essa lógica, eu poderia dizer a alguém que está caindo: “Não se preocupe, você não está caindo, está apenas sendo atraído pela força da gravidade.” Isso é uma tautologia, uma falácia. Lourenço afirmou a um adulto (alguém com muita experiência no mundo): "Você precisa de fé para crer que está me vendo." Será necessário fé para acreditar nos nossos sentidos ou nossa experiência cotidiana com o mundo demonstra que podemos confiar neles?

Imagine duas pessoas atravessando uma avenida. Suponha que uma delas esteja privada de seus sentidos. Qual delas terá mais chances de chegar viva do outro lado? Troque a pessoa privada dos sentidos por alguém que duvida de todos os sentidos, e o resultado será o mesmo. Se nossa experiência com o mundo nos fornece resultados confiáveis e efetivos (por indução), a necessidade de fé para confiar nos sentidos se torna desnecessária. Fé não tem relação com demonstração, pois é exatamente o oposto: é acreditar sem evidências; acreditar sem experiência; acreditar com base apenas no viés de confirmação.

 

P12: Onipotência é fazer qualquer coisa logicamente possível; o paradoxo da pedra exige algo ilógico, não?

R12: Embora essa não seja exatamente uma pergunta, gostaria de comentar sobre o paradoxo da pedra e como os teístas o distorcem para atacá-lo com mais facilidade. A proposta do paradoxo é mostrar que a ideia de onipotência é logicamente incoerente, e ele faz isso tão bem que é necessário recorrer à falácia do espantalho para atacá-lo. Teístas alegam que esse paradoxo foi refutado na Idade Média, que não é utilizado em meios acadêmicos, que só é usado por quem não conhece filosofia, e que o argumento se baseia em contradição lógica. Esses são métodos clássicos de desqualificação.

Mas será que o argumento é realmente tão falho? Será que a proposta é ilógica? A ideia é bem simples e eu mesmo posso demonstrar: "Crie uma pedra tão pesada que nem mesmo seu criador possa movê-la." Se eu for lá fora e criar um monte de pedras até que eu, seu criador, não possa movê-las, estarei cumprindo o que o argumento pede. Não há nada de ilógico nisso. O problema surge quando se propõe essa tarefa a um ser onipotente: ele não pode realizá-la. Chegamos ao ponto em que eu, um ser não onipotente, posso fazer algo que um ser onipotente não pode.

Se alguém me pedisse para subir em um pódio e dizer: "Eu não existo", eu poderia fazer isso perfeitamente. Mas Javé pode? Segundo a Bíblia, ele não pode mentir! Se além de onipotente, ele também é onisciente, então ele sabe tudo, incluindo suas ações futuras. Se ele sabe suas ações futuras, não pode agir de maneira diferente; está limitado pelo seu próprio poder ilimitado. O paradoxo demonstra que a simples ideia de onipotência é logicamente incoerente, e não a proposta de criar algo que o criador não possa mover, como muitos afirmam para facilitar o ataque. A pedra não possui a propriedade de ser imovível, como alguns sugerem, e sim a propriedade de ser pesada o bastante para não ser movida por quem a criou (falácia do espantalho).

 

P13: As profecias bíblicas não provam que as escrituras são divinamente inspiradas?

R13: Para dar crédito aos textos proféticos da antiguidade, é necessário resolver uma série de problemas associados a eles. O primeiro é a possibilidade de demonstrar, sem sombra de dúvida, que o texto profético foi realmente escrito antes do evento. Mesmo que o texto faça parte de um livro notoriamente anterior ao evento, é difícil provar que o trecho específico da profecia já fazia parte do livro antes que o evento ocorresse (em outras palavras, não há garantias de que o trecho específico da profecia não tenha sido acrescentado após o evento que profetizou). Esse é um grande problema quando se trata de fragmentos de cópias de pergaminhos milenares.

O segundo problema é demonstrar que o evento ocorreu exatamente conforme a profecia. Detalhes sobre um evento recente não são tão problemáticos, mas quando tratamos de um evento milenar, imprecisões entram em questão e prejudicam a credibilidade da profecia.

O terceiro problema é que, se um sujeito cumpre uma profecia antiga, deve-se considerar a possibilidade de que ele tenha acessado o texto profético antes de cumpri-la. Se esse acesso foi possível, o cumprimento da profecia perde completamente a sua validade.

O quarto problema é que alegações de profecias cumpridas existem em outras religiões. Portanto, se uma profecia cumprida prova a existência do Deus por trás dela, então isso provaria a existência de mais de um deus.

O quinto problema é que, se uma profecia cumprida prova que o texto é divinamente inspirado, uma profecia não cumprida prova que o texto não é inspirado. O site “The Skeptic's Annotated Bible”, que possui uma versão nacional chamada “Bíblia do Cético”, lista uma série de profecias bíblicas que não se cumpriram.

O sexto problema é que é preciso confirmar se o texto original diz exatamente o mesmo que a cópia atual do texto. Temos cópias preservadas, e não o texto original. Devido a cópias de cópias e traduções para outros idiomas, o termo original de um texto antigo usado para expressar uma ideia pode ter sido alterado, intencionalmente ou não.

O sétimo problema é que, se um conhecimento avançado para a época em que foi dito ou escrito é considerado evidência de inspiração divina, então há mais razões para dar atenção ao povo sumério. O conhecimento deles em astronomia, numa época em que não havia tecnologia para explorar o cosmos, é impressionante. Segundo eles, esse conhecimento avançado foi concedido pelos deuses que vieram dos céus. Esses deuses foram mencionados antes de Javé e algumas histórias desse povo, como a do dilúvio, foram posteriormente incorporadas na Bíblia.

A última consideração sobre esse tema assume que todos os problemas anteriores foram resolvidos e que temos o que pode ser chamado de profecia. Há agora uma evidência inconfundível de uma divindade que conhece o futuro? Se formos sinceros com os fatos, admitiremos que não conhecemos — e não temos como conhecer — o processo que permitiu ao profeta escrever a profecia. É semelhante à mágica de um mágico ou à ilusão de um ilusionista: você pode alegar que um deus concedeu poder a ele, mas, na realidade, você apenas desconhece o processo que permitiu realizar aquilo. Diante de tantas dúvidas razoáveis, surge a questão: se as profecias foram um método de Javé para demonstrar sua existência às pessoas, precisamos reconhecer que seu método é falho, pois algo mais simples, como aparecer a todos, seria muito mais eficaz e menos duvidoso. Antes de concluir esse tema, sugiro o seguinte questionamento: o que você espera de uma entidade onisciente e onipotente que está disposta a fornecer evidências de sua existência? Espera previsões de eventos que podem ser reproduzidos por mãos humanas e que estão sujeitos aos problemas citados acima, ou espera predições de eventos que nenhum homem pode reproduzir (como milhares de pessoas ressuscitando em diversos pontos do mundo no exato dia, mês e ano profetizados)? Em suma, enquanto essas questões persistirem, não há razões para depositar fé cega em profecias antigas de livro algum.

 

P14: Deus fez um milagre na minha vida, como negar isso?

R14: É comum ouvir relatos de milagres que transformaram a vida das pessoas. Algumas afirmam ter sido curadas de doenças, outras foram salvas de situações de risco, outras ainda relatam ter visto imagens de santos sangrando, entre outras alegações. No entanto, assim como no caso das profecias, há problemas sérios com afirmações de milagres.

Partindo do pressuposto de que um milagre não pode ocorrer por meios naturais, consideremos os seguintes pontos: em primeiro lugar, precisaríamos de um método que nos permita distinguir o momento em que o natural termina e o sobrenatural começa. Como podemos saber que todas as explicações naturais para um fenômeno ou evento foram consideradas? Quando afirmo que algo foi um milagre, será que investiguei todas as opções naturais possíveis antes de chegar a essa conclusão? Se não o fiz, pode haver uma explicação completamente natural que eu simplesmente não conheço.

É importante distinguir entre não saber como um fenômeno ocorre e afirmar que ele só pode ser causado por meios sobrenaturais. Quando digo: "não sei como isso aconteceu ou isso não deveria acontecer, logo foi meu Deus quem fez", estou indo contra a lógica. Uma dessas contradições é chamada de "Hipótese Nula", que, resumidamente, afirma que não há razões para concluir que o evento B é consequência do evento A a menos que a relação de causa e efeito seja demonstrada. Ou seja, não posso concluir que o que aconteceu comigo foi uma obra divina até que eu possa demonstrar isso. O raciocínio "B ocorreu depois de A, logo B é consequência de A" é falacioso, como ilustra o seguinte exemplo: "Imaginei uma pessoa vestida de vermelho enquanto olhava para a rua. Segundos depois, uma pessoa vestida de vermelho passou na rua, logo essa pessoa foi consequência da minha imaginação."

Em segundo lugar, é preciso considerar o problema do viés de confirmação. Quem acredita ter sido alvo de um milagre muitas vezes deseja que o evento realmente seja um ato divino em sua vida. Isso demonstraria o quanto o criador do universo se preocupa com sua causa, refletindo a tendência humana de se considerar especial no universo. Para ilustrar, imagine que a Bíblia descreva um milagre como um ato do demônio. Mesmo que o milagre cause o bem, seria interpretado como uma artimanha do diabo para desviar as pessoas do caminho de Javé. Suponha que, desde a infância, ouvimos relatos de milagres sempre associados ao demônio na vida das pessoas. Nesse contexto, se alguém que acredita em milagres se encontrasse em uma situação que, na nossa realidade, seria julgada como um milagre, ela pensaria que foi alvo de um milagre? Sabendo que, se fosse um milagre, isso indicaria a atuação do diabo em sua vida, sua fé poderia estar abalada. A pessoa, então, procuraria uma explicação natural para o suposto milagre, para evitar a ideia de que foi alvo do diabo.

É evidente como nossos desejos influenciam nossas crenças. Como mencionei no texto "É necessário ser cristão?", acredito que o descaso com o sofrimento alheio nos leva a aceitar que as situações positivas em nossas vidas sejam atribuídas a Javé. Eu teria muita dificuldade em aceitar que esse deus usou seu tempo e boa vontade para melhorar algo em minha vida, enquanto milhares ou milhões de pessoas em situações incomparavelmente piores permanecem sem ajuda. Essas pessoas morrerão na miséria e na dor. Quem sou eu para receber uma dádiva em vez de quem precisa muito mais?

Por fim, sugiro o seguinte questionamento: quando você se sentir inclinado a chamar um evento de milagre, pergunte a si mesmo: "Esse evento poderia ter ocorrido naturalmente?" Se a resposta for "sim", pergunte-se: "Então por que estou chamando isso de milagre?" Se a resposta for "não", pergunte-se: "Como sei que isso não pode ocorrer por meios naturais? Explorei todas as possibilidades naturais? Estou desejando que isso seja um milagre?"

 

P15: A ideia de deus está presente em todas as civilizações. Nós sabemos, por instinto ou intuição, que Javé existe, não é verdade?

R15: Primeira fraqueza desse argumento: assumir que o número de pessoas que acredita em uma afirmação tem impacto na veracidade dessa afirmação. Isso é claramente falso, e temos exemplos claros disso. Um dos principais é a crença antiga de que o Sol girava em torno da Terra. Só recentemente, com o avanço tecnológico, descobrimos que estávamos errados. A vasta quantidade de pessoas que acreditava que o Sol girava em torno da Terra não foi suficiente para tornar essa afirmação verdadeira.

Segunda fraqueza desse argumento: assumir que temos uma intuição natural sobre a existência de um deus é pressupor que é do interesse desse deus que saibamos que ele existe. Se ele realmente imbuiu as pessoas com essa intuição, mas não forneceu uma forma clara e inconfundível de identificá-lo, isso é problemático. A evidência disso está no fato de que várias civilizações, ao longo dos tempos, criaram e adoraram milhares de deuses diferentes, cada um com exigências distintas. Que razão haveria para se preocupar com um deus que não proporcionou um conhecimento inato suficiente para sua identificação?

Terceira fraqueza desse argumento: desconsiderar o que a psicologia e a evolução dizem sobre nossa inclinação para o sobrenatural. De acordo com essas ciências, temos uma tendência, herdada de processos evolutivos, de buscar padrões, relações de causa e efeito e de antropomorfizar objetos e fenômenos — o que é evidenciado pelo fenômeno da pareidolia, por exemplo. Essas tendências levam ao misticismo, do qual surgem as religiões. O artigo em inglês intitulado "The Human Brain Evolved to Believe in Gods", publicado no site "discovermagazine.com", aborda esse assunto com sólidas referências.

 

P16: Deus é a única resposta possível às grandes questões, como a origem do universo e seu ajuste fino, a origem da vida, a fundação da moral, etc. Não está claro que não há outra forma de respondê-las?

R16: O que leva bilhões de pessoas a concluírem que Javé é tão óbvio que não pode ser negado é o fato de ele resolver todos os problemas científicos e filosóficos que ainda não foram solucionados. Mas o que há em Javé (ou em outros deuses) que permite essa aparente solução fácil dos problemas que afligem a humanidade? No debate entre Matt Slick e Tjump (link no final dessa resposta), o segundo expõe essa questão de uma forma simples e interessante. Ele argumenta que os atributos "omni" (onisciência, onipresença, onipotência, onibenevolência, etc.) são a chave que permite a qualquer deus resolver problemas científicos e filosóficos, como a origem do universo e da vida.

Acontece que esses atributos não são verificáveis e, por isso, o método científico não os considera (se assim o fizesse, teria que permitir o uso de quaisquer ideias místicas ou sobrenaturais igualmente não verificáveis e improváveis). Mesmo que Javé se revelasse de forma indubitável e mostrasse seu poder e sua sabedoria, não teríamos como saber se ele é onipotente e onisciente ou apenas muito poderoso e muito sábio. No entanto, se a ciência fosse desonesta a ponto de permitir o uso de atributos não demonstráveis (e contraditórios) como esses, ela poderia, por meio da própria natureza, resolver os mesmos problemas que qualquer deus resolve.

Tjump lembra que ainda não conhecemos tudo sobre a natureza e seus fenômenos. Assim, se ele aplicasse atributos "omni" a alguma lei da natureza ainda não descoberta, poderia resolver problemas que qualquer deus resolve sem a necessidade de invocar nada além da própria natureza (o que, do ponto de vista da navalha de Occam, é um ponto positivo). No entanto, a ciência não é intelectualmente desonesta a ponto de invocar atributos não verificáveis e extremamente improváveis (pois lidam com infinitos e possuem incoerências) para resolver (ou aparentar resolver) os grandes problemas que nos cercam. Dessa forma, quando alguém diz: "isso não pode ser explicado por meios naturais, portanto explico com o deus da minha religião", deveria reconhecer que o mais provável é: "isso não pode ser explicado por nosso conhecimento atual sobre a natureza, portanto pode ser algo natural que ainda não descobrimos". Essa segunda colocação é mais provável, pois faz uso da indução (ao contrário de invocar uma entidade que nunca antes foi verificada). Matt Slick, ainda nesse debate, afirma que a diferença é que ele não invocou esses atributos ao deus de sua religião, mas aprendeu sobre eles nos textos sagrados dessa religião (cristianismo). Ele diz que, se muitas pessoas antes dele escreveram textos a respeito disso, ele está justificado em dizer que nada disso é invenção dele (como seria no caso de Tjump se ele atribuísse atributos "omni" a leis desconhecidas da natureza). E nisso Matt Slick tem razão; ele realmente não inventou nada sobre Javé e os atributos "omni". No entanto, se Tom contasse com textos antigos escritos por pessoas que, no lugar dele, atribuíssem os citados atributos "omni" às leis desconhecidas da natureza, Matt Slick consideraria isso suficiente para concluir que esse é o caso? Será que ele esquece que diversas outras religiões (incluindo aquelas mais antigas e originais do que a dele) também possuem textos sagrados preservados até hoje que falam de deuses com atributos "omni"?

Abaixo deixo o link para o debate citado, mas em inglês:

Matt Slick vs TJump, Is there any reason to believe in God?

 

Uma nota sobre conclusões e certezas

Rapidamente, quero propor um exercício mental para avaliar nossas conclusões e certezas sobre as coisas. Sejamos intelectualmente honestos (ao menos agora) e tentemos acreditar em mais afirmações verdadeiras e em menos afirmações falsas possíveis. Para ajudar nessa tarefa, separemos tudo o que nosso pensamento pode processar em duas categorias: A e B. Na categoria A, incluímos tudo o que podemos conhecer através de checagem ou demonstração (é aqui que incluímos nossos animais de estimação, montanhas e fenômenos naturais como a chuva). Na categoria B, incluímos as coisas que não podemos acessar por checagem ou demonstração (é aqui que incluímos a origem da vida, do universo e a suposta existência de entidades não-físicas).

Posto isso, questione: minhas conclusões e certezas deveriam vir das duas categorias? Para responder a essa questão, é preciso fazer outra: qual seria o pré-requisito para chegar a uma conclusão honesta? Ora, o método que nos avançou para o futuro e nos garantiu uma incrível medicina e uma alta tecnologia que facilita e estende nossas vidas está baseado em checagem, experimento e demonstração. Então, temos aqui um pré-requisito que funciona e que pode nos conduzir a conclusões seguras. Consequentemente, conclusões feitas sem esses elementos não possuem um respaldo confiável e podem, com muita facilidade, conduzir ao equívoco. Como as coisas da categoria A, por definição, são passíveis de checagem e demonstração, é seguro tirar conclusões delas. Mas o que dizer das afirmações advindas da categoria B? Qual seria a postura mais honesta ao lidar com elas? Seria ignorar os pré-requisitos da certeza e tirar conclusões apressadas, ou vencer o ego e assumir que "eu não sei" é, muitas vezes, a resposta certa? O que pode ser mais danoso: assumir que não sabe (muitas vezes por falta de método para saber) ou se iludir com uma falsa certeza? Pense nisso.

 

abril de 2019

Alexandre de Freitas Grasselli