As perguntas que não querem calar - ponto de vista de Richard Foxe
PERGUNTAS DE MARIA CÂNDIDA
1. Se Deus é um só e deve ser seguido por todos e as entidades seguidas por outros povos como os hindus (Vishnu ou Oxum) são demônios e falsos deuses, por que Ele não apareceu logo para todos os povos em vez de, inicialmente, aparecer apenas para os hebreus? Desta forma, ele não impediria que esses povos adorassem os deuses errados? E, sendo Onisciente e Onipotente, aparecer logo para todos não seria fácil? Se Ele quer que todos sejam salvos, por que permitiu que, por séculos, povos que só tiveram o azar de nascer em outros lugares, adorassem seres diabólicos?
Richard. No Antigo Testamento não existia o conceito de demônio. Os únicos inimigos de Javé eram outros Elohim (plural de El) que, como ele, lideravam as tribos da Palestina e do Oriente Médio e lutavam um contra o outro. Mas esses Elohim jamais foram considerados “falsos deuses”, apenas cada povo tinha o seu com o qual havia estipulado um pacto, uma aliança. A prova se encontra em várias parte da Bíblia, em particular, no versículo em que Jefté diz: “Não possuirias tu o território daquele que Quemós, teu deus, desapossasse de diante de ti? assim possuiremos nós o território de todos quantos o Senhor nosso Deus desapossar de diante de nós” (Juízes 11:24). Isso significa que Javé (traduzido com Senhor) e Quemós são iguais e gozam dos mesmos poderes e dos mesmos direitos, cada qual na área de sua competência. Em outro livro (2Reis 3:27), Messa oferece em holocausto o seu filho primogênito a Quemós exatamente da mesma forma como os Israelitas faziam com os seus rebentos para obedecer às ordens de Javé (Ezequiel 20:26). Em definitiva, o “deus” do A.T. nada tem a ver com o Deus do Cristianismo, um ser puramente espiritual, bondoso e pai de toda a Humanidade. Javé é um chefe militar, terrível, desapiedado, sanguinário e ciumento. O medo dele é que os Hebreus o deixassem para se apoiar a outros Elohim mais poderosos que não faltavam naquela região e, ocasionalmente, isso ocorreu de verdade.
2. O que o senhor pensa das famosas aparições de Nossa Senhora – Fátima, Guadalupe, Lourdes – e do fato de só acontecerem em países católicos e da santa só aparecer para pessoas devotas e ignorantes, facilmente manipuláveis?
Richard. Durante os primeiros dois séculos da nossa era, a Igreja havia desenvolvido o conceito de Trindade formada exclusivamente por elementos de sexo masculino (o Pai, o Filho e o Espírito Santo). No entanto, diante da religiosidade popular, que ainda tinha em grande consideração a deusa Ísis, surgiu a necessidade de uma quarta figura de sexo feminino cujas características físicas e espirituais a aproximassem o mais possível à antiga divindade egípcia. Foi assim que surgiu o mito da Virgem Maria. As bases doutrinárias da suposta virgindade de Maria são simplesmente ridículas e se baseiam sobre a falsificação de dois versículos do A.T. No primeiro lemos que “Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel.” (Isaías 7:14). Entretanto, no texto original hebraico a palavra usada é “almah” que significa moça e não “betulah” que quer dizer virgem e, em lugar do verbo conceber, aparece o adjetivo “grávida”. Portanto, a tradução correta é a seguinte: “Eis que uma moça grávida dará à luz um filho”. Esse embuste é tão descarado que, a partir de 2017, nas Bíblias editadas pela Conferência Episcopal Alemã, esse versículo foi finalmente traduzido de forma correta, explicando ao leitor que a jovem grávida era Abi, esposa do rei Acaz (2Reis 18) e nada tinha a ver com a mãe de Jesus. Quanto à virgindade após o parto, a Igreja se baseia sobre esse outro versículo: “E disse-me o Senhor: Esta porta ficará fechada, não se abrirá, nem entrará por ela homem algum; porque o Senhor Deus de Israel entrou por ela; por isso ficará fechada.” (Ezequiel 44:2), mas a porta da qual se fala é a porta do santuário, não a vagina de Maria! Com relação às aparições, para não tediar o leitor, falarei o mínimo começando pela de Lourdes, lembrando que o dogma da Imaculada, nascido de uma simples crendice popular, foi proclamado no dia 8 de Dezembro de 1854 pelo papa reacionário Pio IX com base numa enquete entre 665 prelados, mostrando assim que a verdade teológica não nasce da avaliação de fatos objetivos, mas de um acordo entre as pessoas. Nem quatro anos depois, a Virgem supostamente aparece dezoito vezes à jovem analfabeta Bernadette Soubirous que, depois de três tentativas, consegue arrancar o nome da “Senhora” a qual finalmente afirma ser nada menos que a “Imaculada Conceição” confirmando, destarte, o dogma papal. Isso sim que é sorte grande! Sobre Fátima queria lembrar que quando os pastorinhos perguntam à senhora quando a Grande Guerra ia terminar e ela responde “nesse mesmo ano”, era o 1917. Só que a guerra terminou em 1918! Além disso, bem poucos conhecem o conteúdo duma carta que a vidente Lúcia escreveu, aos 5 de Junho de 1936, ao seu conselheiro espiritual Pe. José Bernardo Gonçalves: “Queria dizer, reverendíssimo padre, que agora mais do que nunca tenho medo de ter me deixado iludir pela minha imaginação e pode ser que eu fale comigo mesma quando, interiormente, penso que estou a falar com Deus. Ou que eu seja vítima duma ilusão diabólica e que, assim, esteja a enganar você, reverendo padre, e a santa Igreja”. De forma geral, a base das “aparições” são dois fenômenos psíquicos. A pareidolia, ou seja, uma imagem vaga e aleatória sendo percebida como algo distinto e com significado, e a apofenia, tendência psicótica em ver conexões incomuns entre eventos desligados e triviais. Ambos os fenômenos se somam e se amplificam reciprocamente em pessoas de inteligência e cultura abaixo da média, principalmente se essas já sofreram uma intensa doutrinação de tipo religioso.
3. Como explicar que Deus tenha feito tantas maravilhas, interferindo diretamente no destino e história dos povos no passado, matando os primogênitos do Egito, abrindo o Mar Vermelho e hoje ele não ajuda um desempregado a conseguir um emprego nem interfere diretamente no Oriente Médio?
Richard. Essa das pragas do Egito é pura mitologia e nunca houve “milagres” que, por sinal, nenhum antigo texto egípcio registrou. No caso, o único que realizou um milagre foi o próprio faraó que conseguiu acossar os Israelitas com carros e cavalos quando esses animais já haviam sido todos exterminados com a quinta praga: “Fez, pois, o Senhor isso no dia seguinte; e todo gado [cavalos, jumentos, camelos, bois e ovelhas] dos egípcios morreu; porém do gado dos filhos de Israel não morreu nenhum” (Êxodo 9:6). Quanto ao Mar Vermelho, a própria Bíblia fala no Yam Suf que nada tem a ver com esse mar, mas significa “mar de juncos”; portanto os Hebreus atravessaram um alagadiço, não um mar de verdade. Veja bem, os crentes cultuam a Bíblia como se se tratasse de um livro único, mas na verdade existem muitas versões e todas diferentes: a dos Católicos é diferente da dos Protestantes, que é diferente da dos Ortodoxos, que difere da dos Coptos a qual não coincide com a dos Samaritanos e, muito menos, com a dos Hebreus. Para piorar ainda mais, todas as traduções foram feitas com base teológica inventando conceitos inexistentes no texto original massorético pois, na língua hebraica, simplesmente não existem termos indicando Deus (no sentido de um ser universal e puramente espiritual), eternidade e o verbo “criar”, principalmente no sentido de criar do nada. Então, como podemos admitir que o A.T. seja considerado um texto de teologia se foi escrito num idioma desprovido dos termos identificativos dos conceitos fundamentais de qualquer pensamento teológico como Deus, criação e eternidade?
4. O senhor não acha contraditório que tenhamos o livre arbítrio e, ao mesmo tempo, Deus tenha planos para nós? As duas ideias não parecem contraditórias?
Richard. A respeito do livre arbítrio o meu pensamento coincide com o de Karl Popper que defende a autonomia da mente e a sua ação causal com relação ao cérebro e às suas componentes genéticas. Quanto aos “planos de Deus”, caso existam, só podem ser planos de ordem geral que não chegam a determinar o desenrolar das ações individuais cotidianas e, portanto, o conceito de Providência seria mais uma mitologia típica do Cristianismo. Uma vez Voltaire, falando sobre um caso em que uma dona de um pardal havia rezado nove ave-marias em favor de seu referido passarinho (que acabou sobrevivendo), o filósofo retrucou: "Eu acredito numa Providência geral, cara irmã, que estabeleceu desde a eternidade a lei que governa todas as coisas, como a luz do sol, mas não creio que uma Providência particular altere a economia do mundo por causa do vosso pardal". Mas mesmo admitindo a existência duma divindade, a definição melhor que encontrei a respeito de Deus vem do filósofo neoplatônico Plotino (204-270 d.C.). Segundo esse grande pensador, todas as coisas foram geradas pelo Um (Deus) não por sua vontade –como no caso do Deus cristão- sendo que um ato de vontade implica uma necessidade que, obviamente, contrastaria com o conceito de perfeição pois quem quer alguma coisa é porque sente necessidade dela e se sente necessidade significa que não é perfeito. O mundo, na filosofia de Plotino, veio do Um por geração espontânea, por irradiação, assim como o Sol emana luz e calor. Em particular, do Um deriva a Inteligência e dessa a Alma. É evidente que um Deus que não gerou os seres humanos mediante um ato de vontade consciente, muito menos poderá ter “planos” para eles.
5. Como se explica que não haja ruínas de Sodoma e Gomorra, do Templo de Salomão, da Torre de Babel nem registro da passagem dos hebreus pelo Egito?
Richard. Tudo isso se explica admitindo que a Bíblia é um conjunto de lendas, de mitologias e de textos oriundos de culturas diferentes, principalmente as da Antiga Babilônia onde os Israelitas, povo ignorante e sem cultura (nem sequer conheciam o significado da palavra “geometria”), aprenderam os primeiros rudimentos de literatura, de arte, de astronomia, etc. Significativo é o caso da Torre de Babel que nada era se não um imponente zigurate visto pelos Judeus cativos na Mesopotâmia. Quanto à lenda de Sodoma e Gomorra, mais uma vez foi plagiado um texto acádico anterior no qual Ninurta utiliza as “sete armas do terror” para reconquistar as cidades ocupadas por Nabu.
6. O que o senhor pensa sobre as epístolas de Paulo de Tarso e do que ele diz sobre as mulheres deverem ser submissas e caladas e sobre os “efeminados não herdarem o reino dos céus”?
Richard. As Epístolas de Paulo de Tarso são os primeiros textos escritos do Cristianismo, anteriores até aos Evangelhos. Nelas não se fala na infância de Jesus e o nome de Maria nem sequer é mencionado. Cristo mostrou empatia para as mulheres em geral: “Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram...” (Mateus 21:32), e indulgência para com as adúlteras: “E disse-lhe Jesus: Nem eu te condeno; vai-te, e não peques mais” (João 8:11). Mas para Paulo, a transgressão sexual se torna o pecado por antonomásia, como pode deduzido lendo o seguinte versículo: “Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei pois os membros de Cristo, e os farei membros de uma meretriz? De modo nenhum.” (1Cor. 6:15). No seu verdadeiro delírio contra o corpo, considerado a sede do pecado, Paulo afirma que o cristão deve “matar” a carne que significa “morte” e “ódio contra Deus”. Consequentemente, o sexo é abominado e a mulher é considerada apenas uma entidade sexual e perigosa; o casamento torna-se um mal necessário e melhor seria que todos fossem solteiros igual ele. Segundo alguns estudiosos, essas palavras “Contudo queria que todos os homens fossem como eu mesmo” (1 Cor. 7:7) pode significar que Paulo curtia a sexofobia ou até que era impotente.
7. Falaram muito para mim que eu receberia um emprego no tempo determinado por Deus, mas reparei que, em países ateus como Noruega e Suécia, ninguém precisa orar e esperar pelo tempo de Deus para conseguir um emprego? O que o senhor pensa sobre isso?
Richard. Penso que tem parcialmente razão porque nem o povo da Noruega nem o da Suécia são totalmente ateus, embora o percentual seja muito alto. Agora, porém, vou lhe fazer uma pergunta: “Quais nações na Europa ou na América são as mais desenvolvidas?” A resposta é as do norte, ou seja, as nações protestantes. Enquanto a Contrarreforma católica reprimiu o impulso cultural do Renascimento, o movimento protestante considerou a ignorância como filha do diabo, incentivou a leitura e a interpretação pessoal das Escrituras e toda família acabou tendo em casa uma Bíblia que era lida e debatida. Uma primeira consequência foi uma forte redução da taxa de analfabetismo e um estímulo para ler mais e mais livros. Além disso, o protestante sentia o impulso moral para o dever, a laboriosidade, a frugalidade, em oposição à moral católica que enaltecia a pobreza e a resignação diante das prepotências dos poderosos. Foi assim que nasceu o espírito da democracia, primeiro na Inglaterra e, em seguida, nos Estados Unidos. Para o protestante a riqueza é um sinal da benevolência do Senhor e, por isso, pode e deve ser conseguida desenvolvendo a indústria e o comércio.
8. Alguns tentam explicar o sofrimento pelo karma. Então, todas as pessoas morrendo de fome na África têm de pagar o mesmo karma? E, em situações como a de Hiroshima e Nagasaki, podemos dizer que todas as pessoas atingidas pela bomba atômica tinham um karma a pagar?
Richard. Essa do karma não faz o menor sentido e a sua observação já responde à pergunta.
9. Falam que homossexualidade é uma abominação aos olhos de Deus, um problema espiritual. Mas outras espécies animais apresentam casos de homossexualidade, como golfinhos e leões. Isso provaria que a homossexualidade é natural e não um pecado?
Richard. Embora a maioria dos animais seja heterossexuais, um percentual significativo pratica a homossexualidade, cerca de 18%. O motivo real ainda é desconhecido, mas decerto não se trata nem de perversão, nem de doença, nem de erros genéticos, nem de livre escolha e, muito menos, de pecado. Por outro lado, como se poderia estabelecer o que é perversão ou pecado? A moral é o resultado de educação, de princípios e valores adquiridos que fazem a pessoa sentir que deve agir numa determinada maneira. O verdadeiro pecado é impor aos outros –até com atos violentos- uma visão restrita do mundo e, destarte, alimentar sentimentos de exclusão e discriminação em relação àqueles que são diferentes ou pensam diferentemente. A homossexualidade é unicamente o modo de ser de algumas pessoas que apenas seguem a sua própria natureza sem querer prejudicar ninguém.
10. Falam que Deus não dá uma cruz maior do que a pessoa pode carregar. Mas não parece cruel e sádico deixar alguém sofrer até o limite? E por que tanta gente não aguenta e comete suicídio? Vale salientar que o suicídio tem se tornado um problema de saúde pública, pois os casos só aumentam.
Richard. Como um Deus sádico não tem cabimento restam apenas duas possibilidades. Ou ele não existe, ou não interfere nos eventos do mundo. Muitos cristãos imaginam Deus como um ser com sentimentos humanos que, invisível, nos espreita em continuação e nos castiga se pecarmos. Essa imagem de Deus, que pessoalmente não hesitaria a definir idólatra, encontra respaldo nos inúmeros atos de devoção -romarias, promessas, orações repetidas até o infinito, castigos, etc.- que caracterizam o comportamento dos pobres de espírito. Esse povo acredita que a estátua de uma Virgem possua poderes mágicos e a ela se dirige com maior frequência que a Deus ou a Jesus.
11. Se Deus é onisciente, por que resolveu testar Jó, apostando com Satanás? A atitude de Deus nesta parábola não parece mais própria da de uma pessoa irresponsável e insensível? Porém, muitos que são confrontados com essa questão dizem que não podemos contestar Deus. O senhor pensa que essas pessoas não querem admitir que Deus não exista ou talvez exista e não se importa com nosso sofrimento?
Richard. Como você mesma falou, se trata apenas de uma parábola, ou seja de uma lenda sem o menor fundamento histórico. Quanto à suposta onisciência de Deus, o filósofo David Hume explicou que, mesmo admitindo a existência de uma ou mais divindades, podemos atribuir a ela(s) graus finitos de poder, inteligência e bondade, enquanto pensar em atributos infinitos (onipresença, onipotência, etc.) é um ato “sem fundamento racional”. Em outras palavras, a inferência analógica vale apenas para as coisas humanas, mas não para um ser transcendente do qual nada sabemos. Pensar de forma diferente significa cair no antropomorfismo. Imaginar um Deus que, apesar de perfeito, interage continuamente com as pessoas e os eventos significa admitir que o projeto original é falho e cheio de defeitos, assim como o seria um aparelho que necessitasse continuamente da intervenção de seu projetista. Infelizmente os cristãos não conseguem enxergar essa contradição lógica.
12. O senhor acha que alguém se torna melhor depois que se converte? Muitas pessoas são ateias ou agnósticas e têm bom caráter. Outras, cristãs, têm péssimo caráter. Claro que há cristãos bons. Mas isso não provaria que o caráter independe da crença ou descrença em Deus?
Richard. Respondo fazendo minhas as palavras de Miguel de Unamuno: “Os homens que sustentam que por não crerem no castigo eterno do inferno seriam maus, creio, em honra deles, que se equivocam. Se deixaram de crer numa sanção além-túmulo não se tornariam piores por isso, mas buscariam então outra justificativa ideal para a sua conduta. Aquele que sendo bom crê numa ordem transcendente, não é bom tanto por crer nela, mas nela crê por ser bom.” Até papa Francisco, em relação aos cristãos que frequentam cotidianamente a igreja mas odeiam os outros e se comportam como hipócritas, na audiência geral do dia 02/01/2019 disse o seguinte: "É um escândalo: melhor que eles nem entrem numa igreja. Bem melhor viver como um ateu."