OS TERREIROS E SUAS RELAÇÕES COM O ESPAÇO URBANO E CONVÍVIO SOCIAL
RESUMO
Os terreiros são importantes na vida das religiões de matriz africana, representam a história de luta e resistência dos povos africanos e seus descendentes no período da escravatura, representam a força e a fé, é lugar do encontro, da sacralidade e dos ritos. Segundo Assunção (1999), os terreiros são também espaços organizacionais nos quais se realizam cultos.
É possível então pensar a sua existência como identificação social, estabelecem vínculos de apropriação da vida religiosa, experiência do povo com o sagrado nem sempre aceito, mas percebido em suas práticas. Violência e imposição demarcaram o terreiro e o limitaram pelos poderes dominantes impedindo as expressões ritualísticas, mas as lutas e as resistências não permitiram o seu fim.
A imagem do sagrado na vida urbana, a especialização e os indivíduos que dividem o mesmo espaço motivam para a tentativa de compreensão de suas relações. É preciso entender como se dá a convivência das religiões afro-brasileiras e adeptos de outras denominações religiosas. Em Maceió, ainda é significativo o número de terreiros, as observações socioculturais e a visibilidade não se restringem ao espaço privado, mas na participação com outros indivíduos.
Distantes dos centros urbanos, do desenvolvimento da cidade, os terreiros têm a característica da desestruturação da localização com seus participantes e vizinhos. Para Sodré (2002), os terreiros e os deslocamentos, os processos de “desterritorialização”, “territorialização” e “reterritorialização”, as adaptações e os desafios que enfrentam são essenciais para entender as formas de sobrevivência, as relações das lideranças com as comunidades vizinhas e o poder público. As intervenções alteram o cotidiano para melhoria das comunidades, e são percebidas nas ações desenvolvidas por esses líderes religiosos.
Palavras-chave: Terreiros, Espaço Urbano, Resistência, Intervenção Social.
OBJETIVOS
Geral:
• verificar como se dá as relações dos terreiros de Candomblé e Umbanda e adeptos de outras denominações religiosas no espaço urbano, e as relações sociais e suas intervenções.
Específicos:
• entender o processo de construção sociocultural dos terreiros e sua participação;
• observar nas convivências de suas rotinas como os indivíduos se entendem nas diferenças;
• analisar as ferramentas que ajudam na identificação dos terreiros e seus componentes.
• entender como os símbolos e seus significados ajudam em sua identificação na cidade.
OS TERREIROS E SUAS RELAÇÕES COM O ESPAÇO URBANO E CONVÍVIO SOCIAL
Dentre as várias expressões religiosas de nossa sociedade o Candomblé e a Umbanda são fundamentais para se entender melhor o processo de construção de nossa história. Os terreiros têm como função não somente a agregação de seus fiéis em seu meio, mas um olhar para a afirmação de sua cultura e a participação na vida social. Apresenta-se como a força e espaço de sobrevivência dos povos afro-brasileiros e seus descendentes. As reflexões a seu respeito no espaço urbano tenta analisar a vida dentro da cidade no convívio com outros indivíduos que vivem no mesmo espaço.
Tentar entender como a sociedade contemporânea em seu desenvolvimento urbano absorveu a sua presença, e como as regras são aplicadas para todos os participantes deste espaço é de extrema relevância, pois pode proporcionar o aprofundamento a partir dos muitos teóricos que já se dedicam a esta área, dialogar com eles de forma científica identificar como estão e como vivem os terreiros em Maceió.
O espaço urbano caracterizado pela diversidade e suas complexidades religiosa, política e social é visível e desafiadora no funcionamento dos dias, nas rotinas e nos sujeitos que atuam nela. Entender o pensamento e a cultura que fazem parte e traçar formas de convivência possível é uma tarefa ainda penosa. As expressões religiosas delineadoras do cotidiano evidenciam as experiências que levam às suas ações e a participação ativa dos membros construtores da história que está sempre em movimento.
O Candomblé e a Umbanda assim como outros grupos estão envolvidos nessa realidade sociocultural, têm em seus formatos a vida de um povo que nesse movimento também participa e se compromete com o que está em sua volta. Para Augras (2008), o Candomblé revela a realidade social global e também particular o funcionamento de sua dinâmica. Dessa forma, a sua vida ativa na comunidade colabora com a vida das pessoas de muitas maneiras.
Nesta dinâmica, encontramos os terreiros de Candomblé e Umbanda, dividindo os espaços urbanos, percebidos pelos seus participantes e pelos que não fazem parte de sua religião, este último carregado de suas razões por vezes se mostram incomodados com sua presença e não medem esforços para esconder seu desconforto. Por outro lado, esses dois grupos se veem inseridos numa mesma realidade social, a precariedade da vida que levam, afastados do olhar dos gestores, são um só, pois não usufruem dos direitos mais simples como moradia digna, acesso a Educação, saúde e segurança. O desemprego e a ausência da qualificação para o mercado de trabalho é muito grande.
A percepção, conceitos e suas representações no contexto cultural referente àquilo que vemos e o que pensamos ser.
[...] É, pois fácil de ver que a representação que temos de algo não está diretamente relacionada à nossa maneira de pensar e, contrariamente, por que nossa maneira de pensar e o que pensamos depende de tais representações, isso é no fato de que nós temos, ou não temos, dada representação. Eu quero dizer que elas são impostas sobre nós, transmitidas, e são o produto de uma sequência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no decurso do tempo e são o resultado de sucessivas gerações. (MOSCOVICI, 2003, p. 37)
Portanto, a forma de agir na comunidade depende do nível de compreensão dos indivíduos que dividem esses espaços, as implicações serão vistas a partir daquilo que foi transmitido por gerações e gerações. Os grupos participantes dos terreiros e os que convivem com eles sem que façam parte dos mesmos dividem o mesmo local. Compartilham o mesmo espaço sem que necessariamente sejam integrantes dos terreiros. Como se dá essa relação a partir da compreensão de sua percepção e suas rotinas?
Os terreiros têm grande importância histórica e desempenham também um papel social de acordo com a realidade que os circundam. Suas relações interferem diretamente na vida da sociedade, no olhar atento às necessidades da comunidade.
O sagrado e o profano num mesmo espaço, nas significações diárias de todo o elemento que dispõe. A participação desses dois mundos com suas diferenças e sua presença de forma plena nos gestos que controlam o cotidiano e explica ao mesmo tempo.
Um Estudo da Perseguição aos Terreiros de Alagoas em 1912 Rafael (2004), mostra o evento do quebra de 1912; a perseguição aos terreiros compondo parte triste e inesquecível da história do candomblé em Alagoas, culminando na dispersão de pais e mães de santo e no surgimento da modalidade do xangô rezado baixo, maneira encontrada para continuarem os seus cultos sem que fossem descobertos. Esse episódio ficou conhecido como o mais cruel e violento desrespeito à vida e ao sagrado, evidenciando a força do racismo e intolerância às religiões de matriz africana.
Abelardo Duarte (1952) e Oséas Rosas (1959), falam da presença do terreiro de Tia Marcelina em Maceió característica de uma “nação africana”, terreiro de nação “Nagô”. Negra vinda da Costa de onde trouxera a sua “coroa de Dadá”, como o primeiro “toque”, ela não foi a única forma de representação do Xangô por essas terras, muitos outros terreiros também foram identificados, mas o dela representa bem esse início.
A diáspora traz o desfecho do medo e do terror experimentado a partir da política e a dominação religiosa dessa época e o silêncio durante muito tempo interrompeu parte da história e calou os batuques dos terreiros.
As dificuldades identificadas nos terreiros também são sinais da negação da minoria que estão à margem do modelo social, distantes dos favorecimentos, e invisíveis precisam de um porta-voz para que lhes sejam garantidos os seus direitos básicos. Nesse caso, os líderes religiosos se apresentam, como esta voz, a exemplo de Mãe Vera da Casa de Resistência Abassá de Angola, localizada no Conjunto Otacílio de Holanda, próximo ao terminal de ônibus do Eustáquio Gomes – Maceió –AL. As ações de liderança não se restringem à prática da religiosidade, mas, principalmente à preservação das artes, e ao acolhimento dos que se encontram em situações de vulnerabilidade.
Apesar da intolerância religiosa que ainda permeia os terreiros e seus adeptos, percebe-se o crescimento da Umbanda no espaço urbano. Este crescimento corresponde à consolidação de uma sociedade urbana industrial (Ortiz, 1999). E mesmo com as diferenças nas camadas sociais contrariando o código burocrático, o mais pobre entre os indivíduos pode alcançar um papel de destaque (Maggie, 1977).
Os seguidores da Umbanda geralmente são identificados nos terreiros que possuem maior influência no Candomblé, frequentado por pessoas de classe popular (Birman 1983), já os terreiros que possuem maior influência do espiritismo são frequentados pela classe média. O terreiro e suas interpretações de acordo com a sua posição social levando em consideração os valores morais das entidades no segundo caso (BIRMAN, 1983, p. 85).
Embora não haja unanimidade entre os estudiosos, parece que no Brasil a maioria dos terreiros, cerca de 80% deles, cultua as três formas de rituais, 15% praticam exclusivamente a umbanda e 5% exclusivamente o candomblé. (p.70).
Assim é possível perceber na espacialização as atuações conforme os costumes, os ritos e a sua ordem na esfera pública tornando visíveis suas relações, traduzindo-se nas significações da participação dos atores que compõem a sua estrutura também social.
. Segundo Veras e Silva (2006), São Paulo viveu dois momentos de segregação negra, um foi em 1890 a 1940, segregação negra, um foi em 1890 a 1940, o primeiro foi quando os negros moraram em cortiços ou vilas operárias e o outro com os negros e pobres (negros e nortistas) repetindo a hegemoneidade. São Paulo não foi a única cidade que passou pelo processo de crescimento. Maceió e outras capitais se viu nesse processo desenvolvimento que transformou os espaços, reorganizando as classes entre ricos e pobres. Os terreiros e os deslocamentos, afastamentos que até hoje são das periferias e das pessoas de baixa renda.
A comunicação entre as religiões nas grandes cidades provoca o debate para a interpretação também do sistema social que envolve os seus participantes. Historicamente, o Candomblé foi durante muito tempo limitado em seu território e nas relações da produção capitalista. Portanto, a história da cidade passa pelo crivo dos tantos terreiros localizados nas periferias distantes dos grandes centros urbanos e dos suntuosos templos. O processo de resistência é visível e proporciona nos mecanismos disponíveis desses tempos atuais um chamado para a luta em defesa dos seus direitos e o respeito dos mesmos.
Os terreiros são para a cidade a expressão da vida e seus movimentos, e nos seus significados, reafirmam a cultura, a identidade dos seus indivíduos, neles os sentimentos se transformam e ajudam a melhorar a realidade, contribuem para a visibilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões a respeito do Candomblé e a Umbanda são muitas e, para as pesquisas é uma temática desafiadora e rica por se tratar da vida de muitos que na história e na participação nos direitos dos cidadãos foram anulados, tendo em vista os interesses de grupos dominantes. Ainda hoje é possível perceber os distanciamentos provocados pela falta de diálogo do passado e reconhecimento. A riqueza cultural aproxima e identifica, mas no percurso interrompeu os passos que poderiam culminar numa vida de respeito a todos.
Espera-se que sejam percebidos nos terreiros as fontes de reflexões da história e configurando um cenário de resistência, nas muitas maneiras de se discutir sua importância. Os batuques dos rituais ainda provocam incômodos a muitos grupos que não participam de sua realidade. No processo de construção da cidade, no desenvolvimento social, a identificação e a localização dos terreiros e a vida nas cidades as relações socioculturais.
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