CANANEUS DA BÍBLIA
O GENOCÍDIO CONTRA OS CANANEUS
Quando comecei a ler a Bíblia, por sugestão de professores de um Colégio Marista, tinha menos de 15 anos. Levei mais ou menos um ano e meio para ir do Gênesis ao Apocalipse. Mas desde o início, certos relatos me deixaram perplexo e espantado. Por que havia tantos crimes ordenados ou praticados por Deus, se em seus mandamentos ele mandava “não matar?” Por que havia tanta formicação, incestos, poligamia, relações homo-sexuais, se nos mandamentos tudo isso era proibido?
Levei dezenas de anos, pesquisando em mais de uma centena de livros e tratados para descobrir que os “Dez Mandamentos” só foram escritos durante o período dos reis, entre 700 a 500 a.C., enquanto os fatos narrados aconteceram numa época entre 2.000 a 1.000 a.C. quando os israelitas ainda não tinham nem reis, nem leis e nem escrita. Interessante é que nessa época Deus conversava diretamente com Abraão, Jacó, Moisés e Josué e ordenava o que eles deviam fazer. Para Deus o melhor que Josué podia fazer era conquistar o máximo de cidades e povoados na terra dos cananeus (atual Palestina) sem poupar a vida de ninguém. Era um genocídio total contra os cananeus, os legítimos donos das terras.
Josué 10: 28 – No mesmo dia, Josué tomou Maceda e passou-a ao fio da espada, bem como o seu rei: votou-os ao anátema, com tudo que lá se encontrava de ser vivo, sem deixar sobrevivente, e tratou o rei de Maceda como havia tratado o rei de Jericó. 29 – Josué, com todo Israel, passou então de Maceda a Lebna e a atacou. Iahweh a entregou, com o seu rei, nas mãos de Israel, que a passou ao fio da espada, bem como a todo ser vivo que lá se encontrava, não deixando um sobrevivente sequer. Tratou o seu rei como havia tratado o rei de Jericó. 31 – Então Josué, e todo Israel com ele, passou de Lebna a Laquis, que sitiou e atacou. 32 – Iahweh entregou Laquis nas mãos de Israel, que a tomou no segundo dia e passou ao foi da espada, com tudo o que nela havia de ser vivo como havia feito com Lebna. 33 – Nesse tempo o rei de Gazer, Horam, subiu para socorrer Laquis; Josué, porém, o derrotou, bem como ao seu povo, sem deixar sobrevivente. 34 – Josué, com todo Israel, passou de Laquis a Eglon. Sitiaram-na e atacaram-na. 35 – E no mesmo dia a tomaram e passaram-na ao fio da espada. Ainda no mesmo dia consagraram ao anátema tudo o que nela havia de ser vivo, assim como havia feito com Laquis. 36 – De Eglon Josué subiu, com todo Israel, a Hebron, e atacaram-na. 37 – Tomaram-na e a passaram ao fio da espada, bem como seu rei, todas as cidades dela dependente e tudo o que nelas se achou de ser vivo. Não deixou nenhum sobrevivente, do mesmo modo como fizera com Eglon. Consagrou-a ao anátema, bem como tudo o que nela se encontrava de ser vivo. 38 – Então Josué, com todo Israel, dirigiu-se a Dabir e a atacou 39 – Tomou-a com o seu rei e com todas as cidades dela dependentes; passaram-nas ao fio da espada e votaram ao anátema tudo o que nelas se achou de ser vivo; não deixando nenhum sobrevivente. Como havia feito a Hebron, assim fez Josué a Dabir e ao seu rei, tudo como havia feito a Lebna e ao seu rei. 40 – Assim Josué conquistou toda a terra, a saber: a montanha, o Negueb, a planície e as encostas, com todos os seus reis. Não deixou nenhum sobrevivente e votou todo ser vivo ao anátema conforme havia ordenado Iahweh, o Deus de Israel; 41 – Josué os destruiu desde Cades Berner até Gaza, e toda a terra de Gósen até Gabaon. 42 - Todos esses reis, com suas terras, Josué os tomou de uma só vez, porquanto Iahweh, Deus de Israel, combatia por Israel. 43 – Finalmente Josué, com todo Israel, voltou ao acampamento de Guilgal.
Esse foi apenas um início do genocídio israelita que se estendeu para muitos outros locas e povos por cerca de 40 anos, sempre com o aval e apoio de seu malvado e vingativo Deus Javé.. Em toda a narrativa sempre fica bem claro que esses massacres foram feitos “sem deixar um sobrevivente sequer”, ou seja: foram trucidados homens, mulheres e crianças indistintamente.
Sempre com a anuência e auxílio de seu Deus Javé: invejoso, malvado, vingativo e assassino, aos poucos os israelitas foram praticando um extermínio em massa em uma terra que jamais tinha sido deles, mas que o seu Deus Javé tinha “prometido” para seus antepassados, a custa do assassinato de milhares de pessoas.
Lendo a historia da Bíblia, sempre constatei que o Deus que ali era mostrado não era o Deus cristão que eu havia aprendido nas aulas de religião. O “meu” Deus era um cara muito legal, amoroso, compreensivo, compassivo e se diferenciava muito daquele Deus brutal e raivoso que os israelitas seguiam.
O que podemos ver na Bíblia é que, mo início, os hebreus eram um pequeno grupo de pastores. Quando Abraão (2160-1985 a.C.) chegou a Canaã com familiares, lá por 2085 a.C. não deviam ser mais de uns 10 homens (ele, Ló e agregados) com suas mulheres e filhos. Andavam com seus rebanhos pela região desde as margens do Eufrates até a região do Neguev, a procura de bons pastos, em uma região não muito povoada.
Sempre eram bem recebidos pelos habitantes locais. Viviam trocando de pastos constantemente em busca de novas pastagens. Quando Jacó (2000-1853 a.C.), neto de Abraão, deixou Canaã com destino ao Egito, lá por 1870 a.C., seus familiares eram 66 pessoas (Gênesis 46:: 27). Continuavam a ser apenas humildes pastores nômades, ignorantes e analfabetos, morando em tendas, sem uma pátria definida.
Depois da saída do Egito, lá por 1440, eles seriam 603.500 homens de 20 anos para cima (|Números 1: 46), sem contar mulheres, crianças e velhos. Depois de 40 anos no deserto, guiados por Moisés, de um povo de pastores pacíficos tornaram-se um grupo de bárbaro sanguinário, aniquilando e saqueando tudo que encontravam pelo caminho. Segundo Moisés, todos esses massacres eram mandados ou comandados por seu Deus Javé.
Ao ler e reler esses trechos da Bíblia, sempre me perguntava: que Deus é esse? Confortava-me imaginar que provavelmente tudo isso acontecia não por ordem ou anuência de Deus, mas pela mente distorcida e insana de Josué, que usava o nome de Deus, para praticar suas atrocidades.
Isso também aconteceu na cristianismo, quando cruzados, em nome de Deus, executaram atrocidades contra os povos árabes, ou mesmo os cristãos contra si mesmos, durante as várias “Santas Inquisições”. Triste é var que em “nome de Deus”, tantos crimes e injustiças são praticados.
FONTE:
Bíblia de Jerusalém – Ed. Paulus, São Paulo, 2016.
COMENTÁRIOS:
O homem sempre criou deus à sua imagem e semelhança. E sempre usou o nome de deus para justificar seus atos. O deus dos hebreus não era nada diferente do deus Zeus dos gregos, lançador de raios, ou do deus da guerra Marte dos romanos, Apenas somos herdeiros desta cultura, E por estarmos dentro dela, tendemos a tomá-la como absoluta, como um peixe dentro de um aquário, que não tem consciência da água. Os judeus atuais não tem este concepção da divindade furiosa e violenta dos hebreus da idade do bronze. Os hebreus desenvolveram o Talmud e Kabalah para situar as coisas no seu devido contexto. E interpretar as escrituras como alegorias, portadoras de um significado escatológico. Nas interpretação atuais dos judeus, os conflitos de implantação de Israel, ( sejam historicamente verdadeiros ou falsos) são alegorias dos conflitos das pessoas com seus impulsos irracionais e primitivos, na busca da realização ( a terra prometida). O conceito humano sobre Deus é sempre historicamente situado e localizado. Porque as coletividades humanas ( a massa) não podem transcender o seu tempo histórico. Só o indivíduo é capaz de fazê-lo.
As Cruzadas para a conquista da Terra Santa, que ocorreram entre os anos 1000 a 1200 não tinham nada a ver com os turcos otomanos que só surgiram na região, vindo da Ásia central, no ano 1299, quando as cruzadas já tinham sido aniquilados pelos árabes muçulmanos. Não podemos confundir, árabes muçulmanos com turcos otomanos, que não tinham nada a ver com os árabes, e que de 1299 a 1923, dominaram toda o Oriente Médio, subjugando todos os povos árabes que eram grupos de tribos inimigas e rivais entre si. Foi o inglês, Lawrence da Arábia, que uniu os povos árabes para guerrear contra os turcos e os vencer.
também li bíblia em criança e muito me escandalizei, mortes filhos querendo matar pais,mulheres decapitando generais inimigos........Nao sou favorável a leitura OBRIGATÓRIA DA BÍBLIA! Mas, a freira diretora da escola, mulher inteligente, fez o certo:deu, a toda classe 12 anos - tanto a bíblia quanto um livro que adorei, chamado Historia geral - com fotos do Egito da assíria, esfinges, índia.....Deixou a minha escolha hora de ler um ou outro, era libertaria ofereceu conhecimento e escolha!!!!!!!!
Conquistas e invasões fundamentadas em religiões.
Os cananeus eram um povo perverso, que, entre outras atrocidades, oferecia crianças a Moloque no fogo.
O Criador é santo e justo. O dia do castigo e da punição teria que chegar. No caso dos cananeus levou séculos. Que diferença faz se o Criador, na execução de seus justos juízos escolhe como agentes exércitos humanos ou catástrofes naturais?
Ele é Deus. Quem é o homem mortal para que possa questiná-lo ou acusá-lo de injustiça?
Outro erro crasso de sua análise parcial, tendenciosa e ateísta: o "lo qatal" (= "não matarás") não excluía a pena de morte por crimes, tudo devidamente registrado na Torá.
Você está corretíssimo... biblicamente foi por isso que Deus mandou matar... exatamente por causa dos pecados dos outros povos (que não era o povo escolhido)... lembrando que tudo começa com Abraão... Deus revela ser o único e verdadeiro Deus não há outro Deus apenas o Deus revelado por Abraão (Deus se auto-revela para Abraão - o pai da fé judaico-cristã)... enquanto que toda a população da terra de Ur era politeísta... Na Bíblia está escrito e fica muito claro... o Deus de Israel... Israel é o meu povo... Israel o povo escolhido. Para o contexto da época no caso de não existir a guerra... apenas se e somente se... Os outros povos estrangeiros se convertessem a fé em Javé... como aconteceu com alguns egípcios na época do êxodo e a figura estrangeira mais famosa convertida a Raabe. Deus mandou matar mulheres grávidas as crianças e até mesmo os animais dos povos inimigos destruindo toda a identidade destes povos que cultuavam deuses ballains feitos pela mão humana. A Justiça de Deus é que os outros povos fossem sim punidos pelos seus pecados e idolatrias... o assunto é polêmico e complexo... muitos tem diversas opiniões... passando uma borracha nisso tudo... surge Jesus que prega o amor ao próximo e até mesmo o amor pelos nossos inimigos. Veja como este assunto é fantástico e incrível... e precisa ser sim bastante estudado... eu amo a Bíblia.
Quando Abraão foi para Canaã, foi muito bem recebido pelos cananeus como se fossem da mesma família. Ele vivia na terra dos cananeus mudando de partos, com seus rebanhos sem ser incomodado. Seus descendentes casaram e arruaram mulheres cananitas para seus filhos. A história, a arqueologia, a paleontologia, a genética comprova que cananeus e hebreus tinham a mesma origem genética, a língua tinha a mesma origem acadiana, tinham os mesmos costumes, as mesmas crenças, e os mesmos deuses, só variando um pouco os rituais em cultuar esses deuses. O Deus El, dos cananeus virou Eloim para os hebreus. O nome de personagens bíblicos sempre tem o EL, no final referendo-se ao deus cananeus. Samuel, Ezequiel, e o próprio pais se chama Israel, nome que o Deus El, deu para Jacó. No geral os cananeus não eram nem piores nem melhores do que os israelitas, pios na Bíblia há dezenas de passagens onde eles ou seus descendentes, os isra(EL)itas, fazem sacrifícios de crianças para o deus Baal, filho de El, e também cultuado tanto pelos cananeus como pelos israelitas.
COMENTÁRIO DO DEUS BÍBLICO:
O Deus bíblico pode ser fusão de vários deuses pagãos, dizem especialistas.
Personalidade e atributos de Javé são compartilhados com outras divindades do Oriente.
Pai celestial El, jovem guerreiro Baal e até 'senhora' Asherah teriam sido influências.
A afirmação pode soar desrespeitosa para judeus ou cristãos, mas não está muito longe da verdade: Javé, o Deus do Antigo Testamento, parece ter múltiplas personalidades. Para ser mais exato, especialistas que estudam os textos bíblicos, lêem antigas inscrições encontradas nos arredores de Israel ou escavam sítios arqueólogicos estão reconhecendo a influência conjunta de diversos deuses pagãos antigos no retrato de Javé traçado pela Bíblia.
A idéia não é demonstrar que o Deus bíblico não passa de mais um personagem da mitologia. Os pesquisadores querem apenas entender como elementos comuns à cultura do antigo Oriente Próximo, e principalmente da região onde hoje ficam o estado de Israel, os territórios palestinos, o Líbano e a Síria, contribuíram para as idéias que os antigos israelitas tinham sobre os seres divinos. As conclusões ainda são preliminares, mas há bons indícios de que Javé é uma fusão entre um deus idoso e paternal e um jovem deus guerreiro, com pitadas de outras divindades – uma delas do sexo feminino.
O ponto de partida dessas análises é o fundo cultural comum entre o antigo povo de Israel e seus vizinhos e adversários, os cananeus (moradores da terra de Canaã, como era chamada a região entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo em tempos antigos). A Bíblia retrata os israelitas como um povo quase totalmente distinto dos cananeus, mas os dados arqueológicos revelam profundas semelhanças de língua, costumes e cultura material – a língua de Canaã, por exemplo, era só um dialeto um pouco diferente do hebraico bíblico.
Memórias de Ugarit
Os cananeus não deixaram para trás uma herança literária tão rica quanto a Bíblia. No entanto, poucos quilômetros ao norte de Canaã, na atual Síria, ficava a cidade-Estado de Ugarit, cuja língua e cultura eram praticamente idênticas às de seus primos do sul. Ugarit foi destruída por invasores bárbaros em 1200 a.C., mas os arqueólogos recuperaram numerosas inscrições da cidade, nas quais dá para entrever uma mitologia que apresenta semelhanças (e diferenças) impressionantes com as narrativas da Bíblia. “Por isso, Ugarit é uma parte importante do fundo cultural que, mais tarde, daria origem às tribos de Israel”, resume Christine Hayes, professora de estudos clássicos judaicos da Universidade Yale (EUA).
Uma das figuras mais proeminentes nesses textos é El – nome que quer dizer simplesmente “deus” nas antigas línguas da região, mas que também se refere a uma divindade específica, o patriarca, ou chefe de família, dos deuses. “Patriarca” é a palavra-chave: o El de Ugarit tem paralelos muito específicos com a figura de Deus durante o período patriarcal, retratado no livro do Gênesis e personificado pelos ancestrais dos israelitas: Abraão, Isaac e Jacó.
Nesses textos da Bíblia há, por exemplo, referências a El Shadday (literalmente “El da Montanha”, embora a expressão normalmente seja traduzida como “Deus Todo-Poderoso”), El Elyon (“Deus Altíssimo”) e El Olam (“Deus Eterno”). O curioso é que, na mitologia ugarítica, El também é imaginado vivendo no alto de uma montanha e visto como um ancião sábio, de vida eterna.
Tal como os patriarcas bíblicos, El é uma espécie de nômade, vivendo numa versão divina da tenda dos beduínos; e, mais importante ainda, El tem uma relação especial com os chefes dos clãs, tal como Abraão, Isaac e Jacó: eles os protege e lhes promete uma descendência numerosa. Ora, a maior parte do livro do Gênesis é o relato da amizade de Deus com os patriarcas israelitas, guiando suas migrações e fazendo a promessa solene de transformar a descendência deles num povo “mais numeroso que as estrelas do céu”.
Israel ou “Israías”?
Outros dados, mais circunstanciais, traçam outros elos entre o Deus do Gênesis e El: num dos trechos aparentemente mais antigos do livro bíblico, Deus é chamado pelo epíteto poético de “Touro de Jacó” (frase às vezes traduzida como “Poderoso de Jacó”), enquanto a mitologia ugarítica compara El freqüentemente a um touro. Finalmente, o próprio nome do povo escolhido – Israel, originalmente dado como alcunha ao patriarca Jacó – carrega o elemento “-el”, lembra Airton José da Silva, professor de Antigo Testamento do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (SP).
“É o nome do deus cananeu, mais um indício de que Israel surge dentro de Canaã, por um processo gradual”, diz Silva. Ele argumenta que, se Javé fosse desde sempre a divindade dos israelitas, o nome desse povo seria “Israías”. Isso porque o elemento adaptado como “-ías” em português (algo como -yahu) era, em hebraico, uma forma contrata do nome “Javé”. Curiosamente, o elemento se torna dominante nos chamados nomes teofóricos (ligados a uma divindade) dados a israelitas no período da monarquia, a partir dos séculos 10 a.C. e 9 a.C.
E esse nome (provavelmente Yahweh em hebraico; a sonoridade original foi obscurecida pelo costume de não pronunciar a palavra por respeito) é um enigma e tanto. As tradições bíblicas são um tanto contraditórias, mas pelo menos uma fonte das Escrituras afirma que Javé só deu a conhecer seu verdadeiro nome aos israelitas quando convocou Moisés para ser seu profeta e arrancar os descendentes de Jacó da escravidão no Egito. (A Moisés, Deus diz que apareceu a Abraão, Isaac e Jacó como “El Shadday”.) O problema é que ninguém sabe qual a origem de Javé, o qual nunca parece ter sido uma divindade cananéia, exatamente como diz o autor bíblico.
Senhor do deserto
A esmagadora maioria dos arqueólogos e historiadores modernos não coloca suas fichas no Êxodo maciço de 600 mil israelitas (sem contar mulheres e crianças) do Egito, por dois motivos: a semelhança entre Israel e os cananeus e a falta de qualquer indício direto da fuga. Mas muitos supõem que um pequeno componente dos grupos que se juntaram para formar a nação israelita tenha sido formado por adoradores de Javé, que acabaram popularizando o culto. Quem seriam esses primeiros javistas? Uma pista pode vir de alguns documentos egípcios, que os chamam de Shasu – algo como “nômades” ou “beduínos”.
“Duas ou três inscrições egípcias mencionam um lugar chamado 'Yhwh dos Shasu', o que, para alguns especialistas, parece ser 'Javé dos Shasu'. Talvez sim, talvez não. Não temos como saber ao certo”, diz Mark S. Smith, pesquisador da Universidade de Nova York e autor do livro “The Early History of God” (“A História Antiga de Deus”, ainda sem tradução para o português).
“É menos provável que o culto a Javé venha de dentro da Palestina e da Síria, e um pouco mais plausível que ele tenha se originado em certas regiões da Arábia”, diz Airton da Silva. Mark Smith lembra que algumas das passagens poéticas consideradas as mais antigas da Bíblia – nos livros dos Juízes e nos Salmos, por exemplo – referem-se ao “lar” de Javé em locais denominados “Teiman” ou “Paran”. Aparentemente, são áreas desérticas, apropriadas para a vida de nomadismo. “Muitos especialistas localizam essa região no que seria o noroeste da atual Arábia Saudita, ao sul da antiga Judá [parte mais meridional dos territórios israelitas]”, diz Smith.
Guerreiro divino
Seja como for, quando Javé entra em cena com seu “nome oficial” durante o Êxodo bíblico, a impressão que se tem é que ele já absorveu boa parte das características de um outro deus cananeu: Baal (literalmente “senhor”, “mestre” e, em certos contextos, até “marido”), um guerreiro jovem e impetuoso que acabou assumindo, na mitologia de Ugarit e da Fenícia (atual Líbano), o papel de comando que era de El.
Indícios dessa nova “personalidade” de Deus surgem no fato de que, pela primeira vez na narrativa bíblica, Javé é visto como um guerreiro, destruindo os “carros de guerra e cavaleiros” do Faraó e, mais tarde, guiando as tribos de Israel à vitória durante a conquista da terra de Canaã. Tal como Baal, Javé é descrita como “cavalgando as nuvens” e “trovejando”. E, mais importante ainda, uma série de textos bíblicos falam de Deus impondo sua vontade contra os mares impetuosos (como no caso do Mar Vermelho, em que as águas engolem o exército egípcio por ordem divina) ou derrotando monstros marinhos.
Há aí uma série de semelhanças com a mitologia cananéia sobre Baal, o qual derrotou em combate o deus-monstro marinho Yamm (o nome quer dizer simplesmente “mar” em hebraico) ou “o Rio” personificado. Na mitologia do Oriente Próximo, as águas marinhas eram vistas como símbolos do caos primitivo, e por isso tinham de ser derrotadas e domadas pelos deuses.
Javé também é associado à chuva e à fertilidade da terra pelos antigos autores bíblicos – atributos que aparecem entre as funções de Baal. Há, porém, uma diferença importante entre os dois deuses: outra narrativa de Ugarit fala do assassinato de Baal pelas mãos de Mot, o deus da morte, e da ressurreição do jovem guerreiro – provavelmente uma representação mítica do ciclo das estações do ano, essencial para a agricultura, já que Baal era um deus que abençoava a lavoura.
O lado guerreiro de Javé é talvez o mais difícil de aceitar para a sensibilidade moderna: quando os israelitas realizam a conquista da terra de Canaã, a ordem dada por Deus é de simplesmente exterminar todos os habitantes, e às vezes até os animais (embora, em alguns casos, os homens de Israel recebam permissão para transformar as mulheres do inimigo em concubinas).
Textos de outra nação da área, os moabitas (habitantes de Moab, a leste do Jordão) ajudam a lançar luz sobre esse costume aparentemente bárbaro. Um monumento de pedra conhecido como a estela de Mesa (nome de um rei de Moab em meados do século 9 a.C.) fala, ironicamente, de uma guerra de Mesa com Israel na qual o rei moabita, por ordem de seu deus, Chemosh, decreta o herem, ou “interdito”. E o herem nada mais é que a execução de todos os prisioneiros inimigos como um ato sagrado. Tratava-se, portanto, de um elemento cultural de toda a região.
Lado feminino
Se a “múltipla personalidade” de Javé pode ser basicamente descrita como uma combinação de El e Baal, há uma influência mais sutil, mas também perceptível, de um elemento feminino: a deusa da fertilidade Asherah, originalmente a esposa de Baal na mitologia cananéia. Normalmente, Deus se comporta de forma masculina na Bíblia, e a linguagem utilizada para falar de sua relação com os israelitas é, muitas vezes, a de um marido (Deus) e a esposa (o povo de Israel). Mas o livro bíblico dos Provérbios, bem como alguns outras fontes israelitas, apresenta a figura da Sabedoria personificada, uma espécie de “auxiliar” ou “primeira criatura” de Deus que o teria auxiliado na obra da criação do mundo.
Segundo o texto dos Provérbios, Deus “se deleita” com a Sabedoria e a usa para inspirar atos sábios nos seres humanos. Para muitos pesquisadores, a figura da Sabedoria incorpora aspectos da antiga Asherah na maneira como os antigos israelitas viam Deus, criando uma espécie de tensão: embora o próprio Deus não seja descrito como feminino, haveria uma complementaridade entre ele e sua principal auxiliar.
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