O EVANGELHO DE PONTA CABEÇA – DESCONSTRUÇÃO

Uma das coisas que logo aprendi, com o Evangelho, ou na Igreja, é a desconstrução.

São quase trinta anos de Igreja e nesse tempo conheci muitos pregadores e muita gente que prega. Existe uma diferença. Assim como existe a diferença entre o pastor pregador e o pastor que não é pregador. Deus deu dons aos homens e são esses que são os melhores de Deus. Saul profetizou certa vez, mas foi apenas uma vez e isso não o define como um profeta.

O que estou tentando dizer é que no inicio da minha fé, eu já conheci de cara a desconstrução. Eu aceitei Jesus lendo a Bíblia na minha casa. O Espírito Santo me convenceu da verdade e só depois fui para a Igreja.

Quando você entra na Igreja, você entra com o coração aberto, sem imaginar, de forma alguma que podem haver erros e abusos dentro da Igreja. Quem está de fora imagina os cristãos como as melhores pessoas do mundo e que na Igreja não existem erros. Com o coração e a mente aberta no meu primeiro ano fui vendo pouco a pouco os irmãos pregarem uma Bíblia que não era a que eu tinha lido. Notei como existem achismos e ideias pré-concebidas não bíblicas fazendo parte de nossos pulpitos. Aprendi um Evangelho estranho, que de maneira alguma era Evangelho. Entrando eu numa Igreja Pentecostal grande, observei que a predominância do Antigo Testamento, portanto de ideias judaicas era muito grande. Aprendi muitas doutrinas humanas e usos e costumes ruins. Imagina o novo-convertido que deve ser assim mesmo. Porém com um ano de Igreja eu já estava convencido que haviam erros muito claros ocorrendo no ensino da Igreja. Estando no Novo Testamento, não ouvíamos uma Palavra sobre o Novo Testamento. As Palavras que tínhamos, quando usavam versículos no Novo Testamento, eram nitidamente judaicas e claramente velho testamentárias.

A DESCONSTRUÇÃO DA CRUZ

Eu enxergava deturpações nos ensinos doutrinários. Eu enxergava um Evangelho estranho. Eu enxergava que alguma coisa estava errada, muito errada e aquilo foi fazendo desconstruções enormes em mim. Imaginava que a Igreja estava certa e o errado era eu. Havia dentro de mim que eu havia lido errado a minha Bíblia. As interpretações que fiz estavam erradas, não era possível que eu destoasse de uma Igreja inteira. Até que o ponto chave que selou de vez a desconstrução foi dada pelo Espírito Santo, numa revelação, numa oração.

O nosso pastor à época, estava ensinando sobre a Cruz e era estranho ouvi-lo. Primeiro que ele apelava para o emocional. Sua Cruz era emoção, lágrimas, dor. Ouvi com ele três pregações sobre a Cruz, nas três ele narrou os sofrimentos de Cristo na Cruz. Aquela Cruz era uma desgraça: dolorida, sofrida, sem esperanças. Na primeira vez que o ouvi chorei com muita dó de Jesus. A coisa foi feia e doeu muito. Na segunda vez que o ouvi, no mesmo tom apelativo, já não chorei – eu já tinha ouvido aquilo, talvez não com aquelas palavras. Na terceira vez entendi que ele estava pregando errado. A sua Cruz não trazia esperança, mas dor e sofrimento. Ouvi-lo pregar da Cruz dava mais dor e mais sofrimento. Não conhecia o termo à época, mas eu saia dos cultos com um fatalismo determinista. Não havia esperanças para mim, assim como não havia para nenhum de nós. Ser cristão – segundo entendi direito nas mensagens daquela Igreja – era sofrer e sofrer e sofrer mais um pouco. Eles nos mandavam orar, mas orar pra quê, se o nosso destino é só sofrer? Tudo destoava e não fazia sentido. Até que dentro da primeira Igreja onde aceitei a Jesus, a mensagem de púlpito conseguia retirar de mim, um novo convertido, o pouco de fé que eu tinha. Estava ficando descrente dentro da Igreja. Alguma coisa estava errado, ou tudo estava errado e eu não sabia precisar o quê. Eu não conseguia imaginar que alguém pudesse ser um pregador ruim e ao invés de pregar a Bíblia, com a mais boa vontade do mundo, sem o saber, a despregava. Era isso que acontecia, as mensagens eram a prova de fé, para ver se as pessoas continuavam ou não sendo cristãs, apesar da mensagem destoar com tudo o que a Bíblia ensinava. E o pior é que ainda vejo muitos ensinos iguais aos da minha primeira fase, ainda hoje, depois de vinte e oito anos de Igreja.

Mas um dia eu fui orar em casa e o Espírito Santo falou comigo bastante claro, uma palavra, para mim naquele momento, das mais enigmáticas: Paulo, esqueça tudo o que você já aprendeu de Cruz até agora. A partir de agora eu vou te ensinar o que é a Cruz.

Eu entendi que eu chegava a um lugar, onde, primeiro eu desaprendi a doutrina correta, para a partir de agora prender corretamente. A economia de Deus, conforme fui descobrir depois, é diferente da nossa. Primeiro você dá, depois você recebe. Primeiro eu aprendi errado, para depois eu aprender certo. A Cruz foi a minha primeira e grande desconstrução, que era a desconstrução da Igreja. A Igreja que eu olhava do lado de fora, como impossível de erros, tinha erros claros e alguns até básicos e bobos. Eu que já estava a ponto de desviar, pois a Igreja não dava as devidas respostas, tive um novo alento, uma sobrevida, uma nova esperança. Limpei da minha mente tudo o que aprendi na Igreja sobre a Cruz e passei a estudá-la. Fiz muitas perguntas aos meus amigos mais velhos de Igreja, sendo alguns até mesmo professores da Escola Dominical, mas em poucos meses eu passava o ensino de todos eles. As minhas perguntas ninguém sabia mais responder. Algumas vezes nem sabiam sobre o quê eu estava falando. Eu parti para os livros, naquela época não havia Internet. Li muito e aprendi muito. Depois desse período, sem nunca ter deixado a Igreja, eu voltei para a minha Igreja com outros olhos: os homens erram por não estudarem a Bíblia e nem fazerem interpretações corretas. Há muito na Igreja do ouvi alguém falar, mas ele mesmo não se aprofundou no assunto para saber se era real ou não o que lhe diziam.

A desconstrução da Cruz era a desconstrução da Igreja. Notava que a Igreja não era a idealizada por mim, quando eu estava do lado de fora dela, antes de aceitar a Jesus. E ai veio a segunda grande desconstrução, daquelas de mudar a vida para sempre: a minha oração estava errada.

A DESCONSTRUÇÃO DA ORAÇÃO

No principio da minha caminhada, mesmo não sabendo orar, eu orava e Deus respondia, mas quanto mais eu me aprofundava no estudo e no entendimento da Bíblia, parecia que Deus exigia que eu orasse melhor e corretamente. Foi muito claro um embate que tive certa vez com Deus, onde eu pedia um emprego e o emprego não chegava. Num dia eu resolvi sair da oração só quando Deus falasse comigo e respondesse afirmativamente que iria me dar o emprego. Naquele dia eu não aceitava um não. Eu estava desempregado e dois anos e sabia que Deus queria me ajudar, mas não compreendia onde estava o erro. Em Deus não estava, com certeza, então o que era? Foi uma oração dificil: Senhor, por favor me ajuda. Pelo teu amor me dá o que peço. Senhor ajuda. E nada. Quanto mais orava, tinha a sensação que estava fazendo algo errado, ou havia algo errado. Deus não gostava mais de mim? Deus havia se enjoado de mim e não iria mais me responder? Eu estava destinado a ir para o mundo, pois o Evangelho não funcionou para mim? Ai o Espírito falou. Eu entendia que uma voz falava dentro de mim. Era uma impressão, porém nítida, que não era eu falando comigo, primeiro porque a voz dentro de mim falava coisas que eu não sabia e nem tinha como saber. “Paulo, eu não vou responder essa oração. Aliás, não vou responder a nenhuma dessas suas orações. Nenhuma delas.” “Como assim Senhor? O meu pecado é tão grande que o Senhor me abandonou?” “Não Paulo, não é isso. Você está simplesmente orando errado. Você chegou a um nível de Bíblia que não pode orar mais como uma criancinha.” “E como eu devo orar então Senhor?” “Eu vou te mostrar.” E ai não aconteceu nada.

O tempo passou, mas eu entendi que Deus queria me dizer algo. O Mauro, um irmão querido dos meus primeiros dias, me emprestou um livro – ele sempre me emprestava seus livros -, o livro era O Nome de Jesus, do Kenneth Hagin. Incrível, o livro já estava a um tempo em casa e eu não conseguia passar da primeira metade da primeira página. E olha que o livro inciava o primeiro capítulo na metade de baixo da página. Ou seja, eu não conseguia ler um quarto da primeira página, pois não conseguia ler. Não havia concentração alguma. Eu já tinha decidido devolver o livro, pois estava a muito com ele e não conseguia ler. Era o único que eu não conseguia ler. Um dia eu estava jejuando, da forma que aprendi. Jejum tem que ter oração, leitura da Palavra, estudo bíblico, tempo com Deus, louvor, adoração, meditação. Jejum pra mim é entrar na presença de Deus e não ficar com fome, não foi assim que eu aprendi. A moda do jejum parcial pegou, mas eu acho a coisa muito ridícula. Jejum de Internet, ou de doce, pra mim não é jejum. Assim como ir trabalhar sem comer, não é jejum. Jejum é entrar na presença de Deus. E ai te digo que da pra jejuar comendo. O unico que entendeu esse conceito foi o R. R. Soares, que ensina a sua Igreja a viver uma vida jejuada, ou seja, na presença de Deus. Jejum que não ora, que não lê a Bíblia, não escuta uma mensagem, não canta, não dança ao Senhor, não faz nada a Deus, não nos expõe a Ele, pra mim não é jejum. Ir trabalhar e ficar sem comer não é jejum, é regime. E não espere que um regime vá te dar o que só Deus pode. Enfim, um dia eu estava jejuando e o Espírito falou comigo. “Paulo, Paulo?” “Sim, Senhor.” “Pare um pouquinho o que você está estudando e o que você está orando e leia aquele livro que o Mauro te emprestou.” Eu até desanimei na hora. Tanta coisa pra Deus falar. Eu tinha tantas perguntas e Deus me mandava ler o livro que eu não conseguia ler. Não era possível. Mas eu já havia aprendido algo: Se em jejum, Deus me falava alguma coisa, essa era a resposta, mesmo que eu duvidasse a principio. Se em jejum, onde a gente quer ouvir Deus falar, sabendo que o que Ele falar é o que vai trazer a resposta, ou a vida mudada, então devemos prestar atenção no que Ele nos fala em jejum. Naquele jejum eu tive uma única revelação do Espírito: Leia o livro que você não consegue ler.

Confesso que desanimado eu peguei o livro que estava guardado. Tentei ler e nada. Eu lia as palavras, mas não entendia uma uncia frase possível. “Senhor, olha ai, não dá, não consigo ler esse livro.” “Continua.” Fui tentando mais algumas vezes, até que de repente as palavras começaram a fazer sentido. Eu não li o livro, eu comi o livro. Em poucas páginas eu já sabia o que estava orando errado: Eu não orava em Nome de Jesus, o Nome Acima de Todo Nome, que é um título ganho na Terra e reconhecido no Céu. Eu comecei a orar em Nome de Jesus e a partir dali nunca mais parei. Essa foi uma das maiores desconstruções que já tive na vida.

SENDO CONSTRUIDO PELAS DESCONSTRUÇÕES

Foram muitas as desconstruções que tive no decorrer da vida, até aqui. Somos ensinados de uma maneira e com os dias passando vamos notando que existem outras possibilidades, ou outras visões do mesmo assunto. Nunca parei de ser construído, desconstruído, para ser construído e novamente vou seguindo sendo desconstruído. Acho que isso é o andar cristão, aprender, reaprender e isso eternamente. Isso é aprendizado. Aprendemos e quanto mais aprendemos ai é que vamos notando que existem outras possibilidades, outros ensinos.

Com o decorrer do tempo novas visões doutrinárias foram-me incorporadas. A oração é uma constante desconstrução. Quando achamos que agora sabemos tudo, ai vem alguém com uma nova maneira de pregar, nos chamando atenção para um fato, uma situação, alguma coisa.

O EVANGELHO DE PONTA CABEÇA

Essas desconstruções, assim como outros fatos que vamos ver, formam um Evangelho desconhecido para a maioria das pessoas. Donald B. Kraybil escreveu o livro “O Reino de Ponta Cabeça”, que obviamente fala do Reino de Deus. O autor conseguiu captar que o que falam e o que a Bíblia falam são coisas distintas. Eu, desde o inicio da minha caminhada cristã, já havia percebido isso. Quero nessa série falar alguma coisa a respeito do livro do irmão Kraybill, mas a minha visão é mais abrangente. Quando defino esses estudos como o Evangelho de Ponta Cabeça, a idéia é falar de toda a Bíblia e não apenas do Reino de Deus. Sinto que a Bíblia é mais do que falam e que o Evangelho é mais do que pensam.

Fique na paz. Amém.

Paulo Sérgio Lários

pslarios
Enviado por pslarios em 11/10/2018
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