Da tripla negação ao honesto testemunho.
Ninguém pode ler esta passagem sem sentir-se surpreso pela assombrosa honestidade do Novo Testamento. Pois quando estudamos os evangelhos e a sua história vemos que Marcos escreveu esta versão do evangelho, e uma das fontes que ele usou foi testemunho e as pregações de Pedro. Então logo vemos que quem narra esta passagem é Pedro. Sendo assim podemos interpretar que Pedro por várias vezes deve ter dito o seguinte: “Com medo da cruz eu agi assim ou eu fiz isto”. E aqui aprendemos uma lição que devemos levar por toda a vida: Uma coisa é ler a história, onde a interpretação se faz fácil, outra bem diferente é vivê-la e sentir na carne o azorrague dos acontecimentos.
O que vemos acontecer com muita frequência, é que quando narram esta história o fazem, de tal maneira que deixam de fazer a real justiça a Pedro. E isto acontece porque deixamos de reconhecer que até o último momento o comportamento de Pedro nessa noite foi de uma valentia fantasticamente temerária. Tinha começado tirando a espada no jardim tão afoitamente como quem teria enfrentado sozinho toda uma turba. Nessa refrega tinha ferido o servo do sumo sacerdote. No versículo sessenta e seis vemos o seguinte: Estando Pedro embaixo no pátio, veio uma das criadas do sumo sacerdote. (Mar 14:66). Aqui vemos Pedro deixar de lado a prudência pois o último lugar aonde alguém teria sonhado que Pedro fosse, seria o pátio da casa do sumo sacerdote, e aí foi precisamente aonde ele se dirigiu. Isto em si era uma tremenda audácia. Os outros poderiam ter fugido, mas Pedro estava mantendo a palavra empenhada no versículo: Disse-lhe Pedro: Ainda que todos se escandalizem, eu, jamais! (Mar 14:29). Embora outros se fossem, ele se manteria junto a Jesus.
Mas o que se faz interessante é que o Evangelho sempre está comprometido com verdade e Pedro não somente narra o seu ato de coragem, mas também mostra o seu ponto onde se faz presente a miscelânea da natureza humana. A narrativa mostra que ele sentou-se junto ao fogo porque a noite era fria. Sem dúvida estaria envolto em sua capa. Talvez alguém avivou o fogo ou jogou nele uma parte de lenha e fulgurou uma chama fugaz que permitiu reconhecer a Pedro. E então veio a fatídica afirmação: e, vendo a Pedro, que se aquentava, fixou-o e disse: Tu também estavas com Jesus, o Nazareno. (Mar 14:67). E de imediato quando o medo sobrepõe a coragem veio a triste negação: Mas ele o negou, dizendo: Não o conheço, nem compreendo o que dizes. E saiu para o alpendre. E o galo cantou. (Mar 14:68). Imediatamente negou toda relação com Jesus. Mas, é aqui que devemos lembrar que ele estava vivendo a história, e neste momento o cheiro da morte estava no ar. É comum vermos alguns pregadores citar tal acontecimento como se desdenhasse a atitude de Pedro. Mas o que devemos pensar é qualquer homem prudente teria abandonado o pátio na maior corrida, mas ele não o fez. Ele não iria embora. O mesmo voltou a acontecer uma vez e outra vez Pedro negou a Jesus, mas tampouco pôde ir embora. Mais uma vez aconteceu o mesmo e uma vez mais Pedro negou a Jesus. Não amaldiçoou o nome de Jesus. Como podemos ver: Ele, porém, começou a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais! (Mar 14:71). E então vemos cumprir-se o que Jesus havia dito a ele.
A noite romana estava dividida em quatro vigílias, das dezoito até as seis da manhã. Ao finalizar a terceira vigília, às três da manhã, trocava-se o guarda. Ao trocar o guarda se dava um toque de corneta que era chamado o gallicinium, ou seja, canto do galo, em latim. Muito provavelmente o que aconteceu foi que, ao Pedro fazer sua terceira negação, as claras notas do toque de corneta ressoou em toda a cidade silenciosa e caíram em seus ouvidos, e estalou em seu coração o que Jesus havia dito: Respondeu-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes. (Mar 14:30). Mas Pedro caiu em uma tentação que só podia atingir um homem de coragem fantástica. E, é aqui que se aprimora a conversão de Pedro: E logo cantou o galo pela segunda vez. Então, Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes. E, caindo em si, desatou a chorar. (Mar 14:72). Chorar... Coisa que só os fortes podem fazer em público. E em meio as amargas lágrimas Pedro recorda e entende a sua missão, relembrando das doces palavras de Jesus: Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos. (Luc 22:32). E aqui a história nos ensina como ensinou a Pedro que toda a sua força e até mesmo a sua fé provinha de Jesus.
E o que aprendemos aqui? Aprendemos quatro lições:
1 – A primeira que não devemos nos envergonhar de nosso passado, mas sim tirarmos dele uma lição para vivermos melhor o presente e para construirmos um futuro que valha a pena viver.
2 – Segundo, não devemos julgar a história da vida de outrem, porque uma coisa é ler ou ouvir a narração de um fato já ocorrido outra bem diferente é vivenciar este fato.
3 – A terceira é para todo aquele que se diz cristão, vemos que Pedro aprendeu da maneira mais difícil que a sua força e a sua fé provinha de Jesus. Porque ele sozinho teria sucumbindo diante da tentação destrutiva das coisas do mundo.
4 – E a quarta se faz linda se entendemos que foi Pedro que pregou sobre seus erros, podemos quase ouvi-lo dizendo: “Eu o machuquei e o traí desta maneira, e entretanto, Ele me perdoou e continuou me amando e pode fazer o mesmo com vocês.” Ou seja, Jesus sempre está pronto para perdoar a pessoa que se arrepende de coração.
Essa é a mais bela promessa que o amor de Deus trouxe a terra. Pois a boa nova (Evangelho) não é uma notícia que aconteceu ou que vai acontecer, ela é a atual notícia que está acontecendo na vida daquele que busca o amor de Cristo Jesus.
Que o amor e a paz de Cristo Jesus seja sempre o arbitro de nossos corações.
(Molivars).