Entrevistando Richard Foxe sobre religião
PERGUNTA: Por que não há ruínas da torre de Babel, do templo de Salomão?
RESPOSTA: Sobre a Torre de Babel posso responder usando, mais ou menos, as mesmas palavras do imperador romano Julião “o Apóstata” em seu livro “Contra os Galileus”. Ele acha tratar-se de um conto imaginário pois, mesmo que todas as nações da terra cooperassem juntas para construir uma torre gigantesca, jamais iriam se achegar ao céu. Julião acha também ridículo esse versículo: “Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro” (Gênesis 11:7). Por qual motivo Deus teria precisado descer do céu para confundir os idiomas? Não dava para conseguir o mesmo resultado sem precisar pisar na terra?
Quanto ao templo de Salomão, o “Primeiro Templo” foi destruído pelo monarca Nabucodonosor II em 586 a.C. O “Segundo Templo” foi terminado no ano 515 a.C. e destruído pelo imperador Tito no ano 70 d.C. O que sobra hoje é a esplanada e o Muro das Lamentações.
Queria aproveitar dessa sua pergunta para esclarecer um fato importante. A cidade de Jerusalém recebe cotidianamente milhares de romeiros desejosos de visitar os lugares sagrados do cristianismo, em particular, o Gólgota, na Igreja do Santo Sepulcro, e as etapas da Via Crucis. No entanto os turistas desconhecem o fato que, depois da insurreição do “messias” Bar Kochba, em 135 d.C., o imperador Adriano ordenou que fossem eliminados da Palestina todos os elementos geográficos e arquitetônicos relacionados seja ao judaísmo que ao cristianismo. Destarte o Calvário foi nivelado e toda a antiga planimetria da cidade sofreu alterações radicais. Isso acarretou a destruição de todos os monumentos religiosos que haviam sobrado depois do sítio do ano 70 d.C. A localização exata desses monumentos ninguém conhece, inclusive devido os Árabes terem edificado seus bairros durante os vários séculos em que ocuparam a região. Foram os peregrinos e os Cruzados que, na Idade Média, inventaram os lugares sagrados e até a ubicação da cidade de Nazaré.
PERGUNTA: Se a Bíblia é o livro perfeito, por que tantas pessoas encontram contradições e fazem interpretações tão diversas? E se "Deus não é homem para que se arrependa", por que Deus se arrependeu em mais de uma ocasião?
RESPOSTA: O fato é que a Bíblia não é um livro escrito por um único autor, mas uma coletânea de textos de épocas bastante diferentes contendo uma salada de pontos de vista que refletem mudanças no pensamento dos escribas durante o decorrer dos séculos. Basicamente trata-se da narração das peripécias de um pequeno povo vagando pelo Oriente Médio em busca de um território onde se estabelecer. Por isso na Bíblia encontramos de tudo e o contrário de tudo. Além disso, os teólogos cristãos fundaram (e fundam) suas interpretações não sobre o texto original massorético (em hebraico), mas sobre a “Vulgata”, tradução em grego da Bíblia realizada no III século a.C. O problema é que nela há vários erros de tradução que jamais foram tomados em consideração. O mais famoso é o que diz respeito à virgindade de Maria. No Novo Testamento lemos o seguinte versículo “Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco” (Matheus 2:23). Esse versículo nada é se não a repetição de outro presente no Antigo Testamento (AT) que diz: “Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco." (Isaías 7:14). O problema é que na Vulgata se encontra a palavra “parthenos” que significa virgem, enquanto, no original massorético está escrito “halmah” cujo significado real é jovem mulher, não virgem! Destarte o mito da virgindade de Maria está detonado.
PERGUNTA: Outra coisa, se os filhos não devem pagar pelos pecados dos pais, por que ainda estamos pagando pelo pecado de Adão e Eva?
RESPOSTA: Pois é, trata-se de um absurdo que podia ter uma justificativa em épocas muito remotas junto a povos bárbaros pelos quais o valor da vida humana era ainda menor que o duma ovelha. Objetivamente um Deus que pense dessa forma seria realmente um ser terrificante, mas essa mitologia serviu para explicar o sofrimento que, desde sempre, afeta a totalidade dos seres humanos. Jesus, porém, tinha uma visão mais “moderna” e uma sensibilidade maior que seus correligionários, manifestando tolerância e compreensão em relação às pessoas mais humildes, tidas como pecadoras. Entretanto, a tolerância de Cristo era dirigida aos compatriotas esmagados de um lado pelos Romanos, pelo outro pela casta dos sacerdotes (os Saduceus) que gozavam de privilégios desconhecidos à multidão. Quem pensa que Jesus propalasse uma forma de amor universal está redondamente enganado: objetivo dele era conseguir uma palingênese da sociedade judaica reconstituindo um novo reino de Daví, livre dos Romanos, onde reinassem o amor, a justiça, a solidariedade e a inclusão social dos pobres e dos derrelitos.
PERGUNTA: Foi por isso que Cristo não pregava que a mulher devia ser submissa ao marido, mas seus discípulos sim. Por que?
RESPOSTA: Jesus, apesar de ser um judeu observante, tinha bom coração e, dizem os estudiosos, valorizava bastante as mulheres, tanto que elas ocuparam posições de destaque na pequena comunidade fundada por ele. As coisas mudaram quando Paulo de Tarso, que nem sequer havia conhecido Jesus pessoalmente, começou a prescrever que as mulheres tivessem uma postura de submissão. Provavelmente o motivo deve ser procurado na misoginia de Paulo que, ao contrário de Jesus, tinha uma mentalidade extremamente conservadora, chegando a prescrever que: “Exorta os servos a que se sujeitem a seus senhores, e em tudo agradem, não contradizendo” (Tito 2:9). Sem dúvida alguma, uma verdadeira ideologia da submissão, oposta àquela de Cristo!
PERGUNTA: Então Cristo pregava a salvação aos Judeus?
RESPOSTA: Sim, mas a salvação terrena, não no sentido transcendental e escatológico que a Igreja nos ensinou nesses últimos 1.700 anos. Com efeito, para os Israelitas o pacto com Javé não tinha como objetivo uma hipotética vida no além, tanto que os próprios Saduceus negavam a ressurreição. A verdadeira função da Aliança com Javé era fazer de Israel não apenas uma nação livre, mas de pô-la acima de todas as outras. Veja bem, os Israelitas sempre foram um povo prático, para os quais Deus premiava ou castigava aqui, nessa terra. A transcendência era um conceito estranho a eles e só aparece na Vulgata, a tradução realizada no III século a.C. na cidade de Alexandria. Acontece que Alexandria, apesar de estar situada no Egito, era uma cidade cosmopolita onde prevalecia a cultura helenística dominada pelo pensamento dos grandes filósofos como Platão, Aristóteles, etc. Os Judeus acabaram sendo fascinados por essa cultura altamente especulativa e, para não se sentirem inferiores, elaboraram –conforme o pensamento grego- os conceitos de alma, de imortalidade, etc. Entretanto, os Grandes Sacerdotes de Jerusalém condenaram com veemência a Vulgata, considerando-a um texto erético.
PERGUNTA: O que dizer do fato de outras religiões e mitologias terem dilúvios e trindades sagradas, como a hindu, que tem Bhrama, Vishnu e Shiva?
RESPOSTA: O do Dilúvio Universal é mais que um mito. Existem registros de enchentes impressionantes ocorridas na Mesopotâmia durante a proto-história, e os cientistas acreditam que quando terminou a última Era do Gelo, o nível dos oceanos subiu abruptamente provocando inundações de vastas áreas já povoadas. É evidente que o registro desses eventos ficou gravado na memória daquelas antigas populações e passou a ser lembrado nas tradições orais e escritas nas primeiras civilizações. Mas pensar que tenha sido uma inundação geral, como a relatada na Bíblia, é um absurdo tão grande que nem merece ser confutado.
Quanto à questão da Trindade é o seguinte. O alicerce da religião dos Israelitas é um rigoroso monoteismo e o próprio Jesus, que era um rabino, jamais afirmou ser Deus ele mesmo. Se o tivesse feito teria sido apedrejado em menos de um minuto. Quando Cristo afirma ser “Filho de Deus”, usa uma expressão bastante comum na história de Israel querendo dizer que ele é um Messias, igual o rei Davi, que também foi apelidado de Filho de Deus. Trata-se, portanto, de um título de distinção, ligado ao nascimento da monarquia no XI século a.C. quando, não aceitando os Hebreus serem governados por um ser humano, o profeta Natã introduziu uma formula segundo a qual um oráculo dizia ao soberano: “Tu és meu filho; eu sou o teu Pai”. Portanto a expressão “Filho de Deus” não deve ser tomada ao pé da letra.
Quem alterou o conceito foi Paulo de Tarso que, tendo vivido na Grécia, entrou em contato com o pensamento helênico e, em particular, com a filosofia platônica e os Mistérios clássicos. Por meio desse prisma, Paulo reinterpretou a mensagem e a figura de Jesus transforamando um simples líder político-religioso numa emanação de Deus, facilmente aceitável pelos gentios. Em seguida, o Concílio de Niceia (325 d.C.) sancionou a apoteose de Cristo que passou a ser Deus, consubstancial ao Pai. O motivo pelo qual outras religiões orientais incorporam trindades é que esse conceito nasceu na Mesopotâmia e, dai, difundiu-se para o Leste (Índia) e para o Egito onde chegou ao conhecimento de Pitágoras que o divulgou entre os filósofos Gregos.
PERGUNTA: Jesus disse que não veio combater as leis, mas cumpri-las. Por que, então, ele disse que quem não tivesse pecado que atirasse a primeira pedra?
RESPOSTA: É como já falei: Jesus era animado por sinceros sentimentos de amor, e seus gestos eram movidos pelo desejo de unificar as várias camadas sociais da Palestina ocupada. Cristo, que é a palavra grega para traduzir o vocábulo “Mashiah”, foi realmente um Messias, um dos muitos que apareceram naquela época. O que o destaca dos outros é a sua riqueza em termos de conhecimentos bíblicos, a sua visão utópica do problema político, a capacidade de ser um verdadeiro líder político-religioso e não simplesmente um chefe militar. Outros Messias, mencionados pelo historiado Flávio Josefo, enfrentaram militarmente os Romanos, mas foram rapidamente derrotados. Poderiamos saber muito mais sobre a figura de Cristo se os Evangelhos fossem verdadeiros relatos históricos e não simples textos apologéticos, cheios de interpolações, censuras e erros de tradução.
PERGUNTA: Ele pregava que tínhamos que dar a outra face e por que disse que não veio trazer a paz, mas a espada?
RESPOSTA: Como expliquei antes, o conceito de “amor universal”, tanto propalado pela Igreja durante os séculos, era totalmente estranho aos Hebreus. Afinal o hebraísmo não era uma verdadeira religião, mas um modo de ser. Enquanto os cristãos acreditam numa recompensa eterna no além, para os Israelitas a aliança com Javé consistia num pacto onde eles concordavam em respeitar certas regras em troca de uma promessa que, mais cedo ou mais tarde, teria sido cumprida, mas aqui nessa terra, não na eternidade, palavra que nem sequer existe na versão massorética do AT. Para saber qual a postura correta que os Israelitas deviam ter em relação aos outros povos, basta citar o passo seguinte: “Quando o Senhor teu Deus te houver introduzido na terra, à qual vais para a possuir, e tiver lançado fora muitas nações de diante de ti, os heteus, e os girgaseus, e os amorreus, e os cananeus, e os perizeus, e os heveus, e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; e o Senhor teu Deus as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não farás com elas aliança, nem terás piedade delas” (Deuteronômio 7:1-2). Não há dúvida alguma acerca do significado brutal do tratamento a ser reservado aos inimigos, inclusive mulheres e crianças. Jesus, que era rabino e, portanto, estudioso do AT, conhecia perfeitamente a mensagem de Javé, ou seja, amor e tolerância entre os Judeus (dê a outra face), mas intransigência total com os invasores (use a espada contra os Romanos!).
Sabemos que a Igreja contesta essa visão afirmando que certas partes da Bíblia são apenas metafóricas, mas é bem aí o X da questão. Os teólogos não explicam com qual critério um determinado versículo deva ser tomado ao pé da letra ou tido como metáfora. Eles dizem que quando Deus mostra uma face misericordiosa o texto deve ser considerado em seu significado literal, mas quando Javé ordena os massacres, trata-se apenas de metáforas. Essa forma de proceder, além de interesseira, é simplesmente absurda, pois é totalmente subjetiva e não obedece a nenhum critério exegético racional. Volto a reafirmar que a Bíblia não passa de um texto histórico do qual, posteriormente, se apossaram os teólogos para forjar uma religião que trouxe imenso benefícios aos membros do clero.
PERGUNTA: Por que o domingo se tornou o dia santo se inicialmente era o sábado?
RESPOSTA: Depois da morte do Nazareno, quem deu continuidade à sua mensagem foram as pequenas comunidades cristãs espalhadas pela Palestina, em particular a de Jerusalém, liderada por Tiago, o Justo, irmão de Cristo. Esses primeiros adeptos seguiam totalmente a lei de Moisés e, portanto, continuaram respeitando o Shabat (o sábado). Entretanto, a partir da segunda metade do I século, inicia a pregação de Paulo de Tarso em meios sociais e culturais totalmente diferentes, se não opostos, aqueles onde operou Jesus. São Paulo utilizou conceitos oriundos do Paganismo, em particular o pensamento de Platão, para dar uma conotação divina a Cristo pondo-o como Logos anterior até à Criação divina: “Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas substistem por Ele” (Colossenses 1:17). Apesar das tentativas da Igreja de minimizar os contrastes, o embate entre Pedro e Tiago de um lado e Paulo do outro, foi bastante dramático, tanto que Tiago acusou Paulo com essa exatas palavras: “E já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei” (Atos 21:21). É evidente que, nesse novo contexto totalmente estranho à lei de Moisés, o dia santo já não é mais o sábado, mas o “dies Dominici”, o domingo que, não por acaso, era a festa do Deus-Sol junto aos pagãos.