O diabo e a cruz
Não sabemos quem inventou essa de que o diabo tem medo da cruz, mas certamente foi um esperto comerciante que precisando de um faturamento extra, criou o mito de que para afastar o capeta, a cruz era um santo remédio.
Como todos temem o mal, a ideia da prevenção prometia como de fato foi, um vantajoso negócio. Hoje a cruz é um dos objetos mais vendidos entre cristãos, espiritualistas, exotéricos, místicos, gurus e religiosos em geral, seja como joia, amuleto ou até como tatuagem.
Dito isso, vamos aos fatos. Para começar, até hoje não foi provado que o diabo como é pintado exista. Por outro lado, ninguém sabe com certeza, qual era a forma da cruz em que Jesus foi sacrificado.
A cruz como instrumento de suplício já era usada desde muito tempo antes de Cristo, visto que para esse tipo de castigo, comum na Antiguidade, usavam-se vários modelos de cruz, como a do tipo espada, que dizem ter sido a de Cristo, a em forma de xis, e a do tipo T.
Outro fato intrigante é que uma pessoa jamais ficaria suspensa em uma cruz presa apenas por um prego ou cravo pregado em suas mãos, visto que o seu peso faria romper os tendões. Assim, já se põe em dúvida o modelo da cruz até hoje apresentada como sendo a utilizada na via sacra.
Depois de Cristo, várias representações iconográficas de cruz começaram a aparecer, como a cruz de malta, cruz de caravaca, cruz de São Cipriano, o santo feiticeiro, cruz ortodoxa etc.
Na hierarquia católica romana cada dignitário é representado por um tipo de cruz. O bispo usa a cruz de uma trave, o arcebispo a cruz com duas traves, os patriarcas e o papa usam a cruz de três traves.
Muito bem, feitos esses comentários iniciais, vamos as ponderações filosóficas sobre o milenar antagonismo entre o diabo e a cruz. Boa parte das pessoas, tem a firme convicção de que a cruz afasta o mal, o que consideramos salutar.
Mas essas mesmas pessoas hão de convir conosco, que tem muita gente que não presta, e que também ostenta orgulhosamente uma cruz. Isso, nos faz ponderar, que uma cruz sozinha não tem valor algum. O que vale é o mérito de quem a usa.
Por outro lado, se a cruz por si só, já afastasse o mal, o capeta não teria mais lugar para viver na terra, pois onde quer que se vá existe uma cruz. É cruz aqui, cruz ali e até em tribunais, onde se cometem as maiores injustiças, lá está a cruz pendurada.
Igreja sem cruz não é igreja, e nos cemitérios então, nem se fala, pois quem for enterrado sem uma cruz, não encontra o caminho do céu.
O curioso é que, apesar de tantas cruzes, o mal também está em todo o lugar. Por isso dizer que o anjo das trevas tem medo da cruz, é conversa mole.
Péra aí, pera aí, mas os exorcistas usam uma cruz para afastar o demonio! É verdade, é verdade, assim como o “cawboy” tem que ter um revolver, todo o exorcista que se preze tem que estar paramentado e de preferência armado com uma vistosa cruz, de preferência, de prata ou de ouro.
Mas não podemos esquecer também que nas sessões de descarrego de algumas igrejas evangélicas, os pastores não precisam de cruz alguma, e afastam o capeta só no grito.
Agora uma pergunta. Você já viu alguém acender velas aos pés de uma guilhotina, na frente de uma cadeira elétrica, nos degraus de uma forca ou na frente de um tronco de pelourinho?
Com certeza não né? Mas aos pés de uma cruz certamente até você já pagou alguma promessa. Por acaso, não são todos esses instrumentos de tortura e de morte? Ah! Mas Jesus morreu na cruz. É evidente, mas o que devemos considerar é a pessoa do Cristo, e não a causa da sua morte, visto que tantos outros santos mártires são reverenciados, sem contudo se louvar as facas, espadas, flechas ou as outras formas de suas mortes, isso sem falar das fogueiras da Inquisição.
Apesar disso, muitos fazem questão de exaltar o instrumento do suplício do Cristo.
Idólatras, o corpo do Cordeiro, nada tem a ver com os instrumentos do seu flagelo e certamente nem o próprio Cristo tem boas lembranças da cruz.