Tradução do inglês de TRAGIC SENSE OF LIFE de Miguel de Unamuno, com longo prefácio de S. de Madariaga

“Unamuno, como criador, não tem nada dos fracassos desses artistas que nunca sentiram profundamente. Mas ele mostra as limitações desses artistas que não conseguem serenar.”

“O senso da forma é altamente simpático ao elemento feminino na natureza humana, e a raça Basca é altamente masculina.”

“Versos brancos nunca são o melhor meio para os poetas de uma forte inspiração masculina.”

“A extrema limitação no emprego de detalhes fisionômicos de que Unamuno fez sua marca registrada em seu trabalho criativo pode ter levado seus críticos a esquecer a intensidade daqueles – admiravelmente escolhidos – que são dados.”

“ele nunca grita.”

“Na Rússia, Dosto. e Tolstoy escolhem o lado Leste enquanto Turgeniev se torna o advogado do Ocidente.”

“Unamuno é nosso Dostoievsky”

“Um homem pega um bonde elétrico para escutar uma ópera, e se pergunta, Qual, nesse caso, é o mais útil, o bonde ou a ópera?”

“Vi com mais freqüência um gato usar a razão do que rir ou chorar. Talvez ele chore ou ria internamente – mas então, talvez também internamente, um caranguejo resolva equações de segundo grau.”

“depois de ter examinado e pulverizado com sua análise as provas tradicionais da existência de Deus, do Deus Aristotélico, que é o Deus correspondente ao _zôon politikon_, o Deus abstrato, o imóvel primo Movedor, Kant reconstrói Deus do zero – o Deus Luterano, em resumo.”

“para sustentar a imortalidade da alma Deus é introduzido. Todo o resto é a conciliação do profissional da filosofia.”

“poeta e filósofo são irmãos gêmeos, se é que não um e o mesmo”

“Quem recebe o fruto desse sacrifício?”

“Se a consciência é, como certo pensador inumano disse, nada mais do que um lampejo de luz entre duas eternidades de escuridão, então não há nada mais execrável que a existência.”

“Há vezes em que mesmo um axioma pode se tornar uma impertinência.”

“Deus tem que se submeter à lei lógica da contradição, e Ele não pode, de acordo com os teólogos, fazer com que dois e dois sejam mais ou menos do que quatro. Ou a lei da necessidade está acima d’Ele ou Ele Mesmo é a lei da necessidade. E na ordem moral a questão que desponta é saber se falsidade, ou homicídio, ou adultério, são errados porque Ele assim o decretou, ou se Ele assim o decretou porque são errados. Se a resposta é a primeira, então Deus é um Deus caprichoso e insensato, que decreta uma lei quando Ele poderia igualmente ter decretado outra, ou, se a resposta é a última, Ele obedece a uma natureza e essência intrínsecas que existem nas coisas mesmas independentemente d’Ele -- isto é, independentemente de Sua vontade soberana; e se é este o caso, se Ele obedece à razão inata das coisas, essa razão, se pudéssemos ao menos sabê-la, nos bastaria, sem qualquer necessidade ulterior de Deus, e já que não sabemo-la, Deus não explica nada. Essa razão estaria além de Deus. (...) E é por causa desse problema das relações entre a razão de Deus, necessariamente necessária, e Sua vontade, necessariamente livre, que o Deus lógico e aristotélico será sempre um Deus contraditório.”

“Deus é indefinível. Procurar defini-Lo é procurar confiná-Lo nos limites de nossa mente -- isto é, matá-Lo. Enquanto procurarmos defini-Lo, aí ergue-se diante de nós -- o Nada.”

* * *

“Um amigo meu me confessou que, antevendo do auge do vigor físico a aproximação de uma morte violenta, ele se propôs a concentrar sua vida e passar seus poucos dias que ele calculou que ainda teria para escrever um livro. Vaidade das vaidades!”

“Aí você tem esse <ladrão de energias>, como ele [Nie.] tão obtusamente chamava Cristo que buscou casar niilismo e esforço pela existência, e ele fala sobre coragem. Seu coração anelava o eterno enquanto sua cabeça o convencia do nada, e, desesperado e louco para se defender de si mesmo, ele amaldiçoou aquilo que mais amava. Já que não podia ser Cristo, ele blasfemava contra Cristo. Atacando a si mesmo, ele se desejava sem-fim e sonhava com sua teoria do eterno retorno, uma lamentável falsificação da imortalidade, e, cheio de pena de si mesmo, ele abominava a compaixão. E alguns há que dizem que dele é a filosofia dos homens fortes! Não, não é. Minha saúde e minha força me impelem a me perpetuar [?]. Sua doutrina é a doutrina dos fracotes que aspiram a ser fortes, mas não dos fortes que são fortes [?]. Só os enfermos se entregam à morte final [?] e substituem a espera pela imortalidade pessoal por algum outro desejo [ah, os últimos homens! Unamunos demoram a passar pelo mundo, mas, sim, passam]. No forte o zelo pela perpetuidade [?] supera a dúvida de realizá-la [R.I.P. Unamuno], e sua superabundância de vida [?] inunda o outro lado da morte [??? – tornou-se um peixe capaz de respirar debaixo d’água, superabundantemente?].”

“O homem de letras que contar-lhe que despreza a fama é um sonso mentiroso.” “Precisamos que outros acreditem em nossa superioridade para que nela acreditemos nos próprios, e sobre sua crença basear nossa fé em nossa própria persistência, ou pelo menos na persistência de nossa fama.”

“Pergunte a qualquer artista sincero o que ele preferiria, que seu trabalho perecesse e sua memória sobrevivesse, ou que seu trabalho sobrevivesse e sua memória perecesse, e você verá o que ele irá dizer-lhe, se ele é mesmo sincero [??].”

“<Posteridade é uma acumulação de minorias,> disse Gounod. Ele prefere se prolongar no tempo do que no espaço [outra tolice].”

“Ninguém está mais propenso a acreditar tão pouco quanto aqueles que começaram acreditando demais.”

“Essa última proposição – le bonheur fait partie de la verité – é uma proposição de pura advocacia, mas não de ciência ou de razão pura. (...) – credo quia absurdum, que significa na verdade _credo quia consolans_ -- eu acredito porque é algo consolador para mim.”

“Os deuses não mais sendo e Cristo não sendo ainda, havia entre Cícero e Marco Aurélio um momento único no qual o homem esteve sozinho. Em nenhum outro lugar eu acho essa grandeza; mas o que torna Lucrécio intolerável é sua física, que ele dá como positiva. Se ele é fraco, é porque não duvidou o bastante; ele desejava explicar, chegar a uma conclusão!” Flaubert

“A dúvida metódica de Descartes é uma dúvida cômica, uma dúvida puramente teórica e provisória – quer dizer, a dúvida de um homem que age como se duvidasse sem realmente duvidar.” “essa dúvida cartesiana excogitada num fogão”

“Faith, some say, consists in not thinking about it (...) Yes, but infidelity also consists in not thinking about it.”

“E no que concerne àquele ditado abjeto e ignóbil: <Se não houvera um Deus, seria necessário inventá-Lo,> não devemos dizer nada. É a expressão do ceticismo sujo daqueles conservadores que vêem a religião meramente como um meio de governo e cujo interesse reside em que na outra vida deva existir um inferno para aqueles que se opõem a suas ambições mundanas nesta vida. Essa frase repugnante e saducéia é digna do cético servidor-do-temporal a quem ela é atribuída.”

“E não é em vão [ironicamente] que repetimos ainda uma vez mais as mesmas eternas lamentações que já eram velhas nos tempos de Jó e do Eclesiastes, e até repetimos tudo nas mesmas palavras, só para fazer os devotos do progresso verem que há algo que nunca morre. Quem quer que repita a <Vaidade das Vaidades> do Eclesiastes ou as lamentações de Jó, ainda que sem mudar um <a>, tendo-as experimentado n’alma, executam um trabalho de admoestação. Preciso é repetir sem cessar a ladainha do memento mori.”

“hoje, no séc. XX, todos os séculos idos e todos eles vivos, ainda subsistem.”

“Pobre rapaz! se ele ao menos usasse sua inteligência para melhores propósitos!...”

“E se os pedaços de um tabuleiro de xadrez fossem dotados de consciência, teriam provavelmente poucos problemas em atribuir livre-arbítrio a seus movimentos – ou seja, clamar-se-iam uma racionalidade finalista.”

“Zeus, Júpiter, estava em processo de ser convertido em um deus único, assim como Jahwé originalmente um deus entre tantos outros, veio a se converter em deus único, primeiro o deus do povo de Israel, depois o deus da humanidade, e finalmente o deus de todo o universo.”

“O Deus lógico, racional, o ens summum, o primum movens, o Ser Supremo da filosofia teológica, o Deus que é atingido pelos três famosos caminhos da negação, eminência e causalidade, _viae negationis, eminentiae, causalitatis_, não é nada senão uma idéia de Deus, uma coisa morta. As provas de sua existência são, no fundo, meramente uma vã tentativa para determinar sua essência; porque como Vinet observou tão bem, a existência é deduzida da essência; e dizer que Deus existe, sem dizer o que é Deus e como ele é, é o equivalente a não dizer absolutamente nada.”

“Entre a poesia e a religião a sabedoria de viver encena sua comédia. Todo indivíduo que não vive quer poética quer religiosamente é um tolo” Kierkegaard

“a suprema preguiça é a de não aspirar loucamente à imortalidade.”

“o Universo é mulher. E assim foi na Alemanha, na França, na Provença, na Espanha, na Itália, e no princípio da idade moderna.” Francesco de Sanctis – Storia della Letteratura italiana

“o que foi a Cavalaria senão um híbrido entre paganismo e Cristianismo, cujo Livro seria talvez a lenda de Tristão e Isolda?”

“A Europa afluiu para a Universidade de Bolonha em busca de aprendizado. A Cavalaria foi sucedida pelo Platonismo. (...) Mas a razão foi realmente para salvar a vida, o que os homens já buscaram salvar em seus cultos da mulher.”

“Quem na idade de oitenta se lembra da criança que era aos oito, por mais consciente que seja da cadeia inquebrantável que une a ambas?”

“Sêneca, o Espanhol, a isso deu expressão no seu Consolatio ad Marciam (xxvi.); o que ele desejava era viver essa vida de novo: ista moliri. E o que Jó pedia (19:25-7) era para ver Deus em carne, não em espírito. E o quê, senão isso, é o significado daquela cômica concepção do eterno retorno que saiu da trágica alma do pobre Nietzsche, faminta por imortalidade concreta e temporal?”

“A Natureza nos dá a vida como uma mãe, mas nos ama como uma madrasta.”

“Não estamos no mundo para sermos felizes, mas para cumprirmos nossas obrigações”

“meu barbeiro morreu” “meu escritor de cabeceira morreu”

“O amor que não mortifica não merece um nome tão divino” Tomé de Jesus

“A cura para o sofrimento é sofrer mais. (...) Não fume ópio, mas ponha sal e vinagre na ferida da alma, porque quando você dorme e não mais sofre, você não mais é.” “Então, não feche os olhos para a agonizante Esfinge, mas olhe-a na cara e deixe-a agarrá-lo com a boca e mastigá-lo com suas centenas de milhares de dentes venenosos e engoli-lo. E quando ela o tiver engolido, você vai conhecer a doçura do gosto do sofrimento.” “Há o que pensar no fato de que a ética cristã já foi chamada uma ética de escravos. Por quem? Por anarquistas!”

“Milton, o grande lutador, o grande puritano perturbador da paz espiritual, o trovador de Satã”

“O egotismo é o único remédio verdadeiro para o egoísmo, a avarícia espiritual, o vício de se preservar e reservar e não se esforçar para perenizar se dando e se doando.”

“<Esse mundo e o próximo são como duas esposas de um só marido—se ele agradar uma estará enciumando a outra>, disse um pensador árabe [tinha que ser!]”

“a Companhia de Jesus, uma milícia com o mundo como seu campo de operações”

“É curioso que monges e anarquistas devam estar em inimizade uns com os outros, quando fundamentalmente eles compartilham a mesma ética e estão aparentados por estreitos nós de companheirismo.”

“Uma voz clamando no deserto!”—autodefinição de Isaías, 40:3.

“E, portanto, eu clamo com a voz de alguém que clama no deserto, e eu emito meu grito desta Universidade de Salamanca, uma Universidade que arrogantemente se estilizou <omnium scientiarum princeps> [“a melhor no ensino da ciência”, lema, até hoje, da instituição], a qual Carlyle chamou de baluarte da ignorância e a qual um letrado francês batizou recentemente de Universidade fantasma; eu grito alto desde essa Espanha—<a terra dos sonhos que se tornam realidades, a muralha da Europa, o lar do ideal cavalheiresco,> para citar uma carta que o poeta americano Archer M. Huntington me enviou outro dia—desde essa Espanha que foi a cabeça e a testa da Contra-Reforma no século XVI. E eles a recompensam muito bem por isso!”

“Dentre o povo espanhol existe uma resposta singular para a costumária interrogação, <Como vai você?> e ela é <Vivendo.>” “Entre nós espanhóis outra frase ganhou rapidamente uso corrente, a expressão < É uma questão de (deixar) passar o tempo,> ou <matar o tempo.>” “pulamos da arte para a religião”

“A imensurável beleza da vida é uma coisa muito interessante sobre o que se escrever”

“Para eles sua ciência, com a qual poderemos lucrar; para nós, nosso próprio trabalho.”

“Foi ao se fazer ridículo que Dom Quixote atingiu sua imortalidade.”

“hoje, quando uma parcela dos desprivilegiados de massa cinzenta diz que nunca tivemos ciência, arte, filosofia, Renascença (disso tivemos talvez demasiado), nem nada, esses mesmos críticos sendo uns ignorantes de nossa real história, uma história que ainda está para ser escrita, a primeira tarefa sendo desfazer a teia de caluniação e revolta tecida ao redor dela.”

“a Itália testemunhou uma união desnaturada e nefária entre Cristandade e Paganismo, isto é, entre imortalismo e mortalismo, uma união com a qual mesmo alguns dos Papas consentiram em suas almas”

“Deixemos de lado os oito séculos em que a Espanha guerreou contra os Mouros, durante os quais defendeu a Europa do Maometismo, seu trabalho de unificação interna, sua descoberta da América e das Índias—porque foi a conquista de Espanha e Portugal, e não de Colombo e Vasco da Gama—deixemos tudo isso de parte, e mais que isso, a um lado, e não é pouca coisa.”

“e no fim de tudo, a raça humana vai sucumbir exausta aos pés de uma pilha de bibliotecas, museus, máquinas, laboratórios ...”

“Quase todos nós espanhóis recaímos no modo ridículo da literatura, alguns mais outros menos.”

“a segunda metade do século XIX, um período afilosófico, positivista, tecnicista, devotado à história pura e às ciências naturais, um período essencialmente materialista e pessimista.”

“Mas é possível filosofar [não em Alemão mas] em álgebra aplicada ou mesmo em Esperanto?”

“A filosofia de Bergson foi chamada de uma filosofia semi-mundana.” “E ele afunda no desespero do século crítico cujas duas grandes vítimas foram Nietzsche e Tolstoi.”