Contra a Doutrina Adventista do Juízo Investigativo

Segundo o site Reação Adventista, 22 de Outubro de 1844 foi, para Igreja Adventista do Sétimo Dia, uma data especial na história da redenção[1]. Essa é uma referência à doutrina adventista do “juízo investigativo”. Segundo o autor, Deus ordenou a construção do santuário hebreu como uma forma de simbolizar o julgamento dos homens. Tal julgamento teria duas fases. A do juízo divino, simbolizada pelos sacrifícios de animais, é uma figura do sacrifício de Cristo. Nessa fase, aqueles que não recebem Jesus Cristo como Salvador são julgados e destinados à perdição.

O Dia da Expiação, porém, representaria uma segunda fase do juízo, quando o Sumo Sacerdote entra no Santo dos Santos e faz um ritual de purificação. Simbolicamente, durante todo o ano, os pecados do povo eram expiados e transferidos para o santuário. Mas nessa segunda fase, o Sumo Sacerdote purificaria o próprio santuário. Essa fase é chamada de juízo investigativo porque os pecados registrados nos livros de obras de cada pessoa são “investigados”. Nessa etapa da obra de Jesus, a qual o santuário terreno simboliza, o santuário celeste é purificado. Ela é a confirmação da salvação e da perdição dos fieis e dos infiéis.

Um texto crucial nessa interpretação é Dn 8.13-14. Segundo os adventistas, os capítulos 7-9 de Daniel, especialmente os versículos 13 e 14 do capítulo 8, indicam que esse juízo investigativo operado por Jesus começaria 2300 anos após a ordem de construção do segundo templo de Jerusalém, que seria 457 a.C.. Como consequência dessa obra no céu, a igreja na terra também seria purificada, especialmente através da própria Igreja Adventista do Sétimo Dia. O ano do cálculo é 1844, e o dia 22 de outubro foi escolhido por ser o Dia da Expiação no calendário hebraico.

Analisando o contexto dessa passagem, vemos que Daniel 7 nos ensina que no primeiro ano de Belsazar, rei de babilônia, o profeta teve um sonho que logo escreveu. Nele havia quatro animais, que se agitavam em um grande mar. Esses quatro animais simbolizavam quatro reinos. Surgiu então um ancião que se assentou para julgar as nações. Daí surgiu o Filho do Homem, Jesus Cristo, a quem foi “dado o domínio, e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o seu reino tal, que não será destruído” (7.14). Segundo Jesus, Ele recebeu esse reino quando ressuscitou (Mt 28.18).

Dois anos depois Daniel teve outra visão, relatada no capítulo 8. Ele viu um carneiro que estava diante do rio, o qual tinha dois chifres; e os dois chifres eram altos, mas um era mais alto do que o outro; e o mais alto subiu por último. Surgiu então um bode vindo do ocidente, correndo contra ele e ferindo o carneiro. E o bode foi exaltado, até que seu chifre maior foi quebrado no auge da sua força. E no seu lugar subiram outros quatro também insignes, para os quatro ventos do céu.

Essa profecia se encaixa perfeitamente em Alexandre, o Grande, o qual morreu subitamente aos 32 anos de idade, sem deixar qualquer herdeiro aparente ou sucessor indicado. Cerca de 40 anos de conflitos intermitentes ocorreram após sua morte entre os principais generais dele, dando origem a quatro reinos que dividiram o grande império que ele conquistou[2]. Daniel relata que um desses chifres tiraria o sacrifício continuo no santuário hebraico e o profanaria. De fato, em 167 a.C., um sucessor dos impérios que se formaram após a morte de Alexandre, Antióquio Epifanes, dedicou o templo judeu em Jerusalém a Zeus e até sacrificou um porco ali[3]. É esse o evento que marca a contagem das “duas mil e trezentas tardes e manhãs”. O próprio texto indica que o bode e seus chifres representam a Grécia (Dn 8.21). Portanto, o chifre que se engrandece e interrompe o sacrifício contínuo é Antióquio Epifanes.

Após 2300 dias o santuário seria purificado. Concordo que o número seja literal, mas sempre foi controverso se eles representam literalmente dias, ou são meses ou anos. Se contarmos como meses, a partir da época que Antióquio profanou o templo, teremos uma data interessantemente próxima do ano em que Jesus morreu. Se forem anos, teremos uma data ainda não chegada. E se forem dias, teremos seis anos e alguns meses. Segundo João Calvino essa seria a melhor interpretação, uma vez que Antióquio teria oprimido os judeus justamente por esse período de tempo, e então o templo foi purificado da profanação[4].

Uma vez estabelecido que os tempos de que Daniel está falando devem ser contados a partir da profanação do templo judeu provocada pela Grécia, o que prova que a contagem adventista está completamente errada, duas últimas perguntas surgem: primeiro, quando os livros das obras dos santos serão investigados? A resposta de toda a Igreja ao longo da história foi praticamente unânime: no juízo final. É o que Apocalipse 20 ensina claramente. Não há nada na Bíblia sobre um juízo investigativo anterior a isso.

A segunda é: o santuário celeste precisa ser purificado? A resposta é claramente não. A diferença do Dia da Expiação para o sacrifício de Jesus é que esse acontecia no santuário, mas o sacrifício de Jesus não. Os nossos pecados não foram transferidos para o santuário celeste, mas unicamente para Jesus. Desse modo, quando Jesus entrou no santuário celeste, os pecados já estavam perdoados. Portanto, não havia mais nada a transferir. O que nos leva à conclusão: a doutrina do juízo investigativo é espúria e uma tentativa de justificar um movimento profundamente sectário sobre uma exegese descuidada de uma profecia que provavelmente se cumpriu antes mesmo da vinda de Jesus.

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[1] CALDAS, Davi. O santuário celeste e o juízo investigativo. Disponível em: <https://reacaoadventista.com/2017/10/22/o-santuario-celeste-e-o-juizo-investigativo/>

[2] BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. Reinos dos sucessores de Alexandre: após a Batalha de Ipsus, 301 a.C. Disponível em: <https://www.wdl.org/pt/item/11739/>

[3] GOT QUESTIONS. O que é a abominação da desolação? Disponível em: <https://www.gotquestions.org/Portugues/abominacao-da-desolacao.html>

[4] CALVINO, João. Calvin's Commentaries - Daniel 8. Disponível em: <http://biblehub.com/commentaries/calvin/daniel/8.htm>