A fé envelhecida
Morre o cardeal Bernard Law que, como arcebispo de Boston, nos EUA, foi “acusado de encobrir um dos maiores escândalos de pedofilia da Igreja Católica entre os anos de 1984 e 2002”. Tudo muito fresquinho, portanto.
O que ele irá dizer lá em cima agora? Será que isso tem de fato muita importância pro meio eclesiástico? Será que eles temem mesmo esse ajuste de contas?
Essas perguntas poderiam ser consideradas levianas se não fossemos, por exemplo, tão desumanos a ponto de determinar o extermínio contínuo de seres da mesma espécie na Ásia, Oriente Médio e na África, principalmente, por meio de guerras abomináveis que têm como razões maiores a acumulação de ativos financeiros, a consolidação do poder e o aumento da extensão territorial dos agressores. Destacando-se, por outro lado, na América do Sul o Brasil, onde morrem cerca de 60 mil pessoas por ano em confrontos urbanos com caráter de guerra civil.
Agravadas pelos casos de terrorismo, de caráter, por sinal, pretensamente religioso, a violência e a morte tornaram-se acontecimentos quase que rotineiros no mundo todo. O que parece acelerar, dentre outros fatores, a redução do apelo espiritual com que possamos contar para a minoração ou erradicação desses males. Isto é, a fé parece deteriorar-se, não conseguindo combater com sucesso mazelas cuja origem se encontra no próprio elemento humano.
Os padres, rabinos, imãs, religiosos, enfim, de quaisquer naturezas, desprezadas as exceções, não conseguem ficar imunes a essa espécie de decepção do espírito. Causada pela banalidade de ocorrências que sempre foram contrárias a tudo o que de melhor a fé religiosa pudesse recomendar.
Se dissermos, sem a generalização absoluta, que os religiosos sempre foram pecadores, não vamos errar muito porque eles são, antes de tudo, de carne e osso. Só que essa circunstância hoje se acentua, contribuindo para que a nossa vida aconteça num mundo cada vez mais controverso. O que subliminarmente pode ser favorecido por uma comunicação mais fácil e imediata. O mundo ficou pequeno.
Nesse cenário, a fé tem chances de se tornar progressivamente menos inabalável. Ou muda de foco, podendo situar-se no plano da supremacia de raças, nos cuidados com a estética do corpo, no âmbito do favorecimento da longevidade, na glorificação do prazer, na acumulação de riqueza, etc., ou seja, em aspectos com carga espiritual cada vez menor.
Rio, 21/12/2017