Religious but not spiritual
Muitos homens e mulheres hoje em dia se dizem não religiosos, mas “espiritualizados”. Não dizem tal coisa no sentido de pertencerem à doutrina espírita, pois eles negam qualquer doutrina, simplesmente alegam buscar a Deus com um profundo desprezo por qualquer instituição religiosa: Igreja ou liturgia para eles são atraso de vida, e tradição, cânticos... são só perfumarias. De onde vem esse comportamento, esse dogma da igreja sem dogmas?
O livro Marketing Existencial, de Luiz Felipe Pondé, descreve como nossa sociedade (descrente das grandes tradições/narrativas ordenadoras do universo) abraça teorias existencialistas. Segundo essas teorias, primeiramente formuladas por Kierkegaard, e depois desenvolvidas por Sartre, Nietzsche, Heidegger e tutti quanti, a existência precede a essência. Em outras palavras: nós devemos decidir o “porque” existimos.
Primeiramente devo expor minha principal objeção a essa teoria, com Viktor Frankl, psicanalista judeu discípulo de Freud. Frakl discordava de seu mestre, observando que a principal causa das neuroses humanas era a perda do sentido na vida, mais do que a repressão dos impulsos. Para Frankl o sentido da vida é algo que não deve ser escolhido, mas encontrado.
De fato, buscar o sentido de minha vida somente em mim é como querer ficar em pé sobre meus próprios ombros. Se não sou capaz de dar causa a minha própria existência, como poderia ser capaz de me justificar. Não basta inventar uma causa para minha vida, o ser humano tem sede do que é externo. Nesse ponto discordo basilarmente dos existencialistas.
Chesterton certa vez disse: “o problema não é ser ateu, mas que ao deixar de acreditar em Deus se passe a acreditar em qualquer coisa”. Pondé nesse sentido tende a endossar o pensador católico inglês: sendo o próprio professor pernambucano um ateu-niilista, ele se nega todavia a admitir pseudo-messias como o marxismo de Sartre, ou a breguice do “believe in yourself”. Pondé é um ateu consistente.
De acordo com Kierkegaard o homem passa por vários estágios na fuga do desespero da falta de sentido: estético (viver como um Don Juan), Ético (viver no moralismo de um burguês Kantiano), Religioso I (o homem que descobre a espiritualidade na liturgia e nas normas de uma instituição) e Religioso II (quando se liberta das amarras da instituição e busca a Deus com um espírito independente).
Apesar de não tirar de todo a razão de Kierkegaard sobre a crítica da hipocrisia de muitas instituições religiosas, confronto-lhe com o romance de Chesterton, A Esfera e a Cruz: a religião é louca às vezes, mas o mundo supera sua loucura de maneiras ainda mais obscenas. Sem tradição (transmissão de conhecimento Inter-geracional) é impossível o progresso no conhecimento, ou colocando em termos Chestertonianos: o livre pensador de cada geração ignora o livre pensador da geração anterior e começa do zero, e por isso não pode progredir.
Sou portanto um defensor das instituições religiosas sólidas (liturgia, jejuns, orações, dogmática, teologia) presentes no estágio Religioso I. Nem por isso desprezo a Estética (a ideia de teo-estética de Hans Urs Von Balthasar, dos Ícones de arte através dos quais se vê rebrilhar a Glória de Deus), não desprezo a Ética (Teo-drama da prática dos valores na vida real, e nisso os burgueses dão um banho em muitos intelectuais Uspianos). Tampouco desprezo a busca por Deus de maneira independente, afinal Jesus disse que possuía Ovelhas que não estavam no gradil de Israel (João 10:16), e Eric Voegelin nos recorda de que a nossa religião deve ser a filosofia perfeita, não a preguiça de parar de buscar a Verdade (Palestra Evangelho e Cultura). Guardo todos esses valores debaixo de um guarda-chuva de dogmas e valores, que fundaram a civilização ocidental. Protegidos eles podem prosperar.
Portanto, não deboche o homem das instituições religiosas. Para cada Família Corleone (com seu verniz de piedade e entranhas escusas) existe um Alyosha Karamazov, capaz de permanecer fiel mesmo quando o mundo desaba ao seu redor. E não se enganem, ele consegue isso não só por causa de suas virtudes inatas descritas por Dostoyevsky, mas porque tem o back-up de instituições milenares, que como diria Roger Scruton em seu livro "Como ser um Conservador": demandam mais para ser construídas do que para ser destruídas, e tem um valor inestimável.
Sou um homem religioso, não espiritualizado. Não me julgo perfeitamente independente na busca de Deus (isso seria um pelagianismo). Sou católico, não sou bom.