A RESSURREILÇAO COMO CAMINHO DE RECONCILIAÇÃO

A RESSURREIÇÃO COMO CAMIMHO DE RECONCILIAÇÃO

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

Um amigo de Pelotas, leigo cursilhista, pede subsídios sobre o processo

de reconciliação cósmica que se instalou a partir de ressurreição de Jesus.

1 No primeiro dia da semana, Maria Madalena veio ao sepulcro bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido removida do sepulcro. 2 Então foi correndo até onde estava Simão Pedro e o outro discípulo a quem Jesus amava e disse-lhes: “Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram”. 3 Pedro saiu com o outro discípulo e foram ao sepulcro. 4 Corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro. 5 Inclinando-se, viu as faixas de linho no seu lugar, mas não entrou. 6 Depois chegou Simão Pedro, entrou no sepulcro e viu as faixas de linho no seu lugar 7 e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus. O sudário não estava com as faixas de linho, mas enrolado num lugar à parte. 8 O outro discípulo que chegou primeiro entrou também, viu e creu. 9 De fato, eles ainda não se haviam dado conta da Escritura, segundo a qual era preciso que Jesus ressuscitasse dos mortos. 10 A seguir, os discípulos voltaram para casa. 11 Maria ficou do lado de fora, chorando junto ao sepulcro. Enquanto chorava, inclinou-se para o sepulcro 12 e viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. 13 Eles perguntaram: “Mulher, por que choras?” Ela respondeu: “Porque levaram o Senhor e não sei onde o puseram”. 14 Depois de dizer isso, ela virou-se para trás e viu Jesus que ali estava, mas não o reconheceu. 15 Jesus perguntou-lhe: “Mulher, por que choras? A quem procuras?” Crendo que era o jardineiro, ela disse: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o puseste e eu irei buscá-lo”. 16 Respondeu Jesus: “Maria”. Ela, virou-se e disse em hebraico: “Rabuni ”– que quer dizer Mestre. 17 Jesus disse: “Não me retenhas porque ainda não subi ao Pai. Vai aos meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. 18 Maria Madalena foi anunciar aos discípulos que tinha visto o Senhor. E contou o que Jesus tinha dito (Jo 20, 1-18).

A ressurreição de Jesus (20, 1-18) traz consigo todo um conjunto de sinais taumatúrgicos da glória e do poder de Deus. É como se funcionasse aí uma síntese de todos os sinais anteriores. A gente é que não sabe vê-los adequadamente. Geralmente, fixamo-nos mais nos sinais de morte que de vida. Não temos a necessária fé para intuir e compreender a iniludível glória de Deus, que se manifesta a nós.

Na manhã de domingo, madrugada ainda, as mulheres vão ao sepulcro realizar um rito mortuário, isto é, embalsamar o corpo de Jesus, que elas não puderam fazer no final da sexta-feira, pois já se iniciava, ao por-do-sol, o shabat dos judeus. Um dos anjos revela-lhes a Ressurreição, de certa forma criticando a procura entre os mortos por quem está vivo (cf. Mc 16, 1-7). A cerimônia fúnebre se transforma em celebração da vida.

Os anjos perguntaram: “Mulher, por que choras?” Ela respondeu: “Porque levaram o Senhor e não sei onde o puseram”. Depois de dizer isso, ela virou-se para trás e viu Jesus que ali estava, mas não o reconheceu. Jesus perguntou-lhe: “Mulher, por que choras? A quem procuras?” Crendo que era o jardineiro, ela disse: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o puseste e eu irei buscá-lo”. Respondeu Jesus: “Maria”. Ela, virou-se e disse em hebraico: “Rabuni ” que quer dizer Mestre... (vv. 13-16)

Madalena foi buscar a presença física do “Senhor morto”, que era passado, e descobriu-o ressurrecto, que é presente, e um presente aberto ao futuro. Ela não entende no primeiro momento, pois a Ressurreição implica em um jeito novo, diferente, de relacionar-se com Jesus. Após compreender o que passou, ela foi a primeira a anunciar a Ressurreição:

Eu vi o Senhor! (v. 18)

Na ida de Madalena ao túmulo, três detalhes não podem ser ignorados, pois nos dão uma maior compreensão do amor de Deus pela humanidade. Primeiro são os anjos que perguntam à mulher:

Por que choras? (v. 13)

Mais do que uma simples questão, tal pergunta revela que Deus não quer que o ser humano sofra ou chore. A realidade do Reino, a Jerusalém escatológica, bane todo o sofrimento (cf. Ap 21, 4). O segundo ponto importante, nos vem quando, confusa pelo que ela imagina o roubo do corpo do Mestre, ela dirige-se ao suposto jardineiro (que é Jesus glorificado e por isso não reconhecido), e ele se dá a conhecer chamando-a:

Maria! (v. 16).

Isso evidencia como Jesus ama a cada um de nós, nos conhece como o pastor conhece suas ovelhas (cf. 10, 3) e nos chama, a cada um em particular, à salvação, pelo nome. O terceiro ponto de importância ocorre no v. 17: a missão de anunciar.

Vai dizer...

Com a Ressurreição, o cristão adquire nova identidade. A partir da manhã de domingo ele é outra pessoa, um nascido do alto, como Jesus preconizara a Nicodemos (3, 3). Madalena, vimos, foi ao túmulo e o encontrou vazio. Pedro e João correram até lá. João, o discípulo amado, chegou primeiro. SÃO JOÃO DA CRUZ diz que quem ama mais sempre chega na frente. Chegou primeiro mas, por uma questão até de hierarquia, já que Pedro detinha as “chaves do Reino” (cf. Mt 16, 19), esperou pelo apóstolo. Pedro e João chegaram e se certificaram da Ressurreição (vv. 3-10).

O Evangelho diz que Pedro blépei keímena tá othónia, isto é, viu as faixas de linho (os lençóis) (v. 5). Esse viu é como que um reforço para a fé da comunidade: a Igreja viu outros sinais (v. 30). Agora vem um dado importante: João foi bem mais adiante. Ele eiden kai episteussen, viu e creu (v. 8). Importante também é o detalhe das faixas de linho dobradas e do sudário enrolado (vv. 5-7). Esse sentido de ordem é uma das idéias que a Ressurreição nos passa. Nesse contexto, ver é mais que enxergar...

O sinal elaborado por Jesus, através de sua ressurreição, apesar de ser aquele que inflete mais diretamente em nossa vida, humana, frágil e mortal, é, pela nossa fé vacilante, talvez o que mais nos enche de dúvidas. É mais fácil - e nota-se isso pela prática - crer em “vidas passadas”, reencarnação, lei do carma e outras incongruências. Os “sinais da ressurreição” se tornam claros na caminhada do povo de Deus, que se organiza para render culto a Jesus, um culto em “espírito e verdade”, na simplicidade dos que buscam a Deus enquanto ele ainda se deixa encontrar, na devoção dos que celebram para agradecer os dons e para buscar o ser-Igreja, para enraizar a fé e o respeito à vida. A ressurreição está presente onde há perdão, unidade, acolhida, solidariedade, misericórdia e conversão. Trata-se do caminhar na direção da casa do Pai, unidos como irmãos, iluminados pelo Espírito Santo.

A ressurreição, o maior sinal de Deus, em favor de Cristo e de todos os que nele foram batizados, é muitas vezes vista com indiferença, simplesmente “porque é difícil de entender”. Todos o sinais de Jesus, foram feitos para dar força à nossa vida e vida à nossa fé. Muitos querem entender esses sinais pela via do intelecto ou da racionalidade...

Curiosamente não incluída, por algumas escolas bíblicas, entre os sinais de Jesus, justamente o mais importante, o “sinal dos sinais”, a Ressurreição desponta para nós como o sinal mais importante. Jesus se encarnou para realizar este sinal. Os demais são como que uma preparação para o último, pois se não houvesse ressurreição, por certo não haveria cristianismo. Trata-se, como se observa, de um sinal que sozinho prova mais a divindade de Jesus Cristo e o amor do Pai que todos os outros.

O sinal da Ressurreição supera os demais justamente pela peculiaridade de seu significado. Na verdade, os outros sinais, de uma forma ou outra foram realizados, em algum lugar da história bíblica, pelos profetas ou juízes. A Ressurreição é voltar a viver uma vida eterna, perfeita, transformada, esse só Jesus realizou. Seria decisivo contra a divindade de Jesus Cristo se a Ressurreição não tivesse acontecido.

Com seu maior sinal é que Jesus instaura, de fato, no meio dos homens, o que há mais de 20 séculos conhecemos como cristianismo. É a partir da constatação do túmulo vazio que a comunidade primeva experimenta a alegria pascal da Ressurreição. Começava aí a confissão de fé da Igreja, que professamos até hoje. Foi pela sua Ressurreição que Jesus propiciou aos que nele crêem e aderem (pelo batismo) o direito de também ressuscitarem. Como ensina o documento Gaudium et Spes (n. 22),

Associado a Cristo na morte, o cristão é a ele associado também na Ressurreição.

A ressurreição instaura um tempo de graça e reconciliação. Desde a expulsão de Adão e Eva do paraíso, constante da parte mitológica do livro do Gênesis (1–11) a humanidade esteve rompida com Deus – por causa do pecado, dito “original” – e essa ruptura pervadiu todos os períodos da História Sagrada. Mas, Deus tinha um projeto de trazer o homem de volta ao seu convívio:

Mas, quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, a fim de redimir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a adoção de filhos (Gl 4,4s).

Que é que Paulo quis dizer com “plenitude dos tempos”? Que é que esse momento tem de tão especial para ser considerado pelo apóstolo como o tempo (kairós) de Deus? Quais condições determinaram o envio do Filho? A essas perguntas tentaremos responder neste artigo. A primeira resposta aponta, dentro do plano de Deus, para a esperada reconciliação entre o homem e seu Criador, e também o reatamento cósmico entre todas as criaturas.

Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por intermédio de Cristo e nos outorgou o ministério da reconciliação. Pois Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não levando em conta as transgressões dos seres humanos, e nos encarregou da mensagem da reconciliação. Portanto, somos embaixadores de Cristo, como se Deus vos encorajasse por nosso intermédio. Assim, vos suplicamos em nome de Cristo que vos reconcilieis com Deus (2Cor 5, 18ss).

Nessa perspectiva salvífica, vemos que o Pai estava presente em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões; e nos encarregou da palavra da reconciliação. Desta forma, ressurreição e reconciliação caminham juntas, na medida em que Cristo ressuscitou para a nossa salvação, e esta só ocorre em favor da humanidade convertida, livre dos seus pecados, contemplada com a Graça de Jesus Cristo, graça esta que nos reconcilia, definitivamemte, com Deus.

É por isso que Jesus Cristo é chamado “alegria dos homens” pelo bem que veio trazer à humanidade. Sem ele estaríamos condenados a uma vida mortal sem esperança, cujo fim seria a sepultura. A Ressurreição é uma das mais consoladoras verdades do Credo que professamos. Na medida em que o homem de fé vive a graça e o amor de Deus, ele está vivendo além do sentimento, mas penetrando no mistério e assim realizando em si a salvação dos reconciliados.

Em São Paulo há uma argumentação irrefutável sobre a Ressurreição de Jesus, capaz de tornar mais firme a nossa fé e mais ricos nossos argumentos em defesa dela:

Ora, se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é então que dizem alguns dentre vocês que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos também Cristo não ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã nossa pregação e vã a fé que vocês têm. Seremos também falsas testemunhas de Deus, porque contra Deus afirmamos que ele ressuscitou Cristo dos mortos, a quem não teria ressuscitado, visto que os mortos não ressuscitam. Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vã é a fé que vocês têm, e vocês ainda estão em pecado. E até os que em Cristo morreram, pereceram. Se só temos esperança em Cristo para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morrem. Com efeito, assim como por um homem veio a morte, assim também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão (1Cor 15, 12-22).

Por causa do medo, do respeito humano ou do materialismo, hoje, um ponderável segmento do nosso povo deturpou o sentido da Ressurreição. Na Páscoa muitos deixam de interiorizar a mensagem da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Preferem aproveitar o “feriadão” para o lazer, o descanso e a gastronomia. Em muitos casos e lugares, a idéia de páscoa parece estar mais ligada aos ovos de chocolate do que à ressurreição de Jesus.Eu aprecio muito a celebração da páscoa dos gregos. Diferente de nós, eles se saúdam com “Xristós anesti”, Cristo se elevou (ressuscitou). E o outro responde: “Alithós anesti”, verdadeiramente ressuscitou. Diz tudo.

Por aqui dizemos “Feliz Páscoa”, que suscita em muita gente a idéia de uma felicidade no recebimento de presentes, chocolates, viagens, etc. Se sairmos à rua e perguntarmos “o que é uma feliz páscoa?”, escutamos menções às coisas materiais que fazem o entorno da festa religiosa. É preciso banir a conotação materialista da páscoa, ligando seus festejos à ressurreição e à instauração daquela “vida nova” (cf. Jo 10,10) que Jesus veio trazer. Em conseqüência da distorção materialista esvazia-se o culto à cruz e à ressurreição, caindo tudo na falta de compromisso e na futilidade.

Enquanto os judeus celebram tão-somente a páscoa mosaica, outros tentam descaracterizar a ressurreição de Jesus, colocando em seu lugar a reencarnação e outros sistemas esotéricos afins. Há pessoas que chegam a afirmar a existência de “provas científicas” da reencarnação, como se coisas de fé pudessem caber dentro da estreita ótica da ciência mundana. Não existe cristianismo sem a fé na ressurreição.

A cada ano, a festa da Páscoa nos suscita novas e ricas reflexões sobre o mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Um homem foi morto e levado à sepultura. Aparentemente, a história acabou e o sistema injusto que o condenou, coisa comum até hoje, está satisfeito. Achando-se a pedra do sepulcro removida, e nele não sendo encontrando o corpo de Jesus, as mulheres entraram em pânico. O corpo do rabi havia desaparecido. Um anjo tratou de tranqüilizá-las: “Por que vocês procuram entre os mortos aquele que está vivo? Não está aqui, ressuscitou!”.

Naquele momento, para toda a comunidade apostólica, o fato de encontrarem o sepulcro vazio era ainda uma ponderável incógnita. A descoberta do sepulcro vazio traz consigo diversos fatos capazes de confundir a comunidade apostólica. Tanto assim que Pedro não entendeu. Muitos acharam que o corpo havia sido roubado. Madalena não reconheceu Jesus, confundindo-o com o jardineiro. No primeiro momento, nem os demais acreditaram no testemunho dela. As mulheres entraram em pânico. Os inimigos subornaram os guardas para que contassem outra história. Somente João acreditou. A Escritura diz que “... ele viu e creu” (cf. Jo 20. 8b). Começava a formar-se ali a fé na ressurreição. A fé é indispensável para a compreensão desse mistério.

Para a apologética cristã do primeiro século, o sepulcro vazio é um elemento importante para a credibilidade do anúncio da ressurreição. É um milagre-sinal. A ressurreição (e sua idéia-chave é o sepulcro vazio) é o ponto de partida da instauração da Igreja e da pregação do evangelho. Não haveria Igreja, e o evangelho perderia sua consistência sem a ressurreição de Cristo. A fé na vitória de Cristo sobre a morte é o centro axial do cristianismo. Fé aqui não retrata apenas a adesão a um conjunto de verdades reveladas, mas subentende vigorosamente um processo de conversão do ser humano ao projeto amoroso de Deus. A ressurreição é o presente de Deus ao ser humano que admitiu seu pecado, tornou-se penitente e assim pode celebrar a reconciliação com o Deus-amor que ele havia ofendido a partir da desobediência ocorrida no Éden.

É o sinal da Ressurreição que leva os crentes ao cerne da boa notícia. Se Jesus não houvesse ressuscitado, possibilitando também a nossa ressurreição, o Evangelho não seria uma boa notícia, tornando-se uma literatura oca. Mas não! Cristo ressuscitou, e nós que – pelo batismo – participamos de sua morte e ressurreição, haveremos igualmente de ressuscitar com ele e por ele.

Em Jesus, a salvação não é mais um fato escatológico, que vai ocorrer no chamado “fim dos tempos”, mas um acontecimento histórico. Como há uma ligação natural entre o Jesus (histórico) que viveu na Palestina e o Cristo (místico) que se encarnou na Virgem Maria pelo poder do Espírito Santo e posteriormente subiu aos céus, há nesse aspecto toda uma ligação lógica entre o Deus que se fez homem e o que continua vivo na interioridade dinâmica da Santíssima Trindade.

O mundo divino tornou-se possibilidade humana com a morte de Cristo e o homem que já vive no mesmo nível do divino e perdurável: o amor manifestado por Jesus. De fato, Deus confirma a pregação de Jesus através da Ressurreição. Este é o papel do Espírito Santo. Ele não só constrói a salvação dos que crêem, mas realiza-a, ao mesmo tempo, nos salvos – e a partir deles – o reino neste mundo. O chamado “sinal de Jonas”, três dias no ventre de um monstro marinho, é tipo do sétimo sinal, quando Jesus esteve por igual período na sepultura, sob o domínio da morte. O grande sinal da Ressurreição é a própria pessoa de Jesus Cristo, vivo para sempre, no céu e no seio da sua Igreja.

A morte-exaltação de Jesus, integra e explica os sinais anteriores. Uma vez que o evangelista completou com este último e grande sinal, ele caracteriza sua obra como o “livro dos sinais” (20, 30).

1. o sepulcro vazio (20, 1.8)

2. a mensagem dos anjos (Lc 24, 5)

3. as aparições

3.1 a Maria Madalena (20, 16)

3.2 aos apóstolos (20, 19.26)

3.3 à margem do lago (21, 4-7)

3.4 ao casal que voltava a Emaús (Lc 24, 30s).

No Quarto Evangelho, João, uma testemunha ocular da Ressurreição, leva os leitores a uma reflexão explícita da glória de Jesus, reflexão esta que não deixa dúvidas quanto ao fato histórico nem quanto à realidade sobrenatural, operada pelo Pai (cf. At 5, 30) e pelo Espírito Santo (cf. Rm 8, 11). O escrito joanino é a grande fonte em que a Igreja hauriu o mistério da Ressurreição.

Na cruz, na agonia mortal Jesus profere suas expressões que merecem ser pinçadas do contexto intelectual e dissecadas do ponto de vista do kérygma e das realidades escatológicas:

Tenho sede! (no grego, dypsô, Jo 19.28).

Ele estava com sede, sim, sua sede livrou-nos da maior sede que um ser humano pode suportar? A sede no inferno (cf. Lc 16,24). Não se tratava, portanto, de uma sede física, vontade de beber água como afirmam os fundamentalistas, mas de uma sede se salvar almas, sede-vontade de pagar mais por nossos pecados, de conduzir espíritos para Deus e salvar o maior número possível de criaturas, é o parecer da maioria dos biblistas modernos.. No seio dessa afirmação enxergamos o mistério da reconciliação do homem com Deus, com seus semelhantes e com a natureza.

A segunda expressão do Crucificado em agonia é

Tudo está consumado! (teletestai, Jo 19,30).

Muita gente, operadores da teologia tem associado esta frase, já que são as últimas palavras de Jesus como um desabafo de quem está morrendo, como a dizer que sua existência está consumada, terminada. Mas não! O nazareno está dizendo sua missão está consumada. Aquilo que o Pai projetou (a salvação e a reconciliação da humanidade estava realizada integralmente, não havia mais nada a fazer, nada mais a pagar, tipo um “dever cumprido”. É esta a interpretação que os exegetas católicos dão ao verbete teletestai.

A partir de Cristo ocorre a separação entre o judaísmo e o cristianismo. Com isso, o domingo assume um caráter de reunião litúrgica, em celebração à Ressurreição do Senhor (cf. At 20, 7). O sábado, descanso da criação, mudava-se no domingo, dia da Ressurreição, clímax do cristianismo.

ATUALIZAÇÃO

É preciso celebrar a paixão de Cristo com outros olhos, a visão do coração, dos sentimentos e da fé. Alguém disse que para ver bem as coisas de Deus é preciso olhos de cego e coração de caipira. Embora a afirmação possa parecer paradoxal, na verdade o cego enxerga além das aparências, naturalmente a ele vedadas, enquanto o coração do caipira, como o de uma criança, é simples, puro e isento de outras intenções. Por isso nossa “semana santa” deve ter início na chamada “Quinta-feira Santa”, ou antes, até, passar pela Sexta da Paixão, celebrar o Sábado e culminar tudo com uma explosão de júbilo no Domingo de Páscoa.

É importante banir a idéia medieval (às vezes quase uma paranóia) do Senhor Morto. Jesus está vivo! João intuiu (viu e creu) essa realidade de fé a partir de seu coração simples. A Ressurreição, por esse motivo, implica em um novo envio, mais consciente, mais documentado e – sobretudo – definitivo e mais comprometido:

Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês... (20, 22).

A missão confiada pelo Pai, agora não é mais só de Jesus, mas de todos. os que nele crêem. Com um morto (posteriormente ressuscitado) chega uma “nova criação” para a humanidade. Como o Yahweh das antigas Escrituras (cf. Gn 2, 7), Jesus traz a novidade da vida transformada, capaz de levar todos à casa do Pai. Para os cristãos, a Ressurreição é sinônimo de vitória:

1. Coragem, eu venci o mundo! (16, 33)

2. Ter paz (14, 27)

3. Alegria (15, 11)

4. Nossa fé em Cristo é a vitória que vence o mundo (1Jo 5, 4)

5. No mundo temos tribulações; em Cristo, a paz (16, 33).

A ressurreição, cuja memória celebramos a cada sacrifício da Santa Missa, traz à tona a simbologia do vinho novo de Caná, cuja reflexão abriu este livro. A morte sem remédio (a água) é substituída pela Ressurreição (o vinho). O homem velho de judaísmo perdeu seu sentido de vida. Em Jesus, do sepulcro aberto, emerge uma nova criação, animada pelo amor, alegria, vigor e ternura de Deus, que preparou para seus eleitos “um novo céu e uma nova terra”(cf. Ap 21, 1), algo que “os olhos não viram, os ouvidos jamais escutaram e o coração do homem não percebeu” (cf. 1Cor 2, 9).

O homem novo tem destinação divina. Mesmo sob as agruras deste mundo, ele vive a comunhão com Deus. E mesmo aparentemente morrendo (como Lázaro) ele vai ressuscitar (como Jesus), vivendo para sempre no coração paterno de Deus, um Pai rico em misericórdia (cf. Ef 2, 4).

Ressuscitaste, Senhor!

Ressuscitaste

para me fazer compreender que há uma vida plena depois da

morte...

Ressuscitaste

para me dizer que não me fizeste para o sofrimento...

Ressuscitaste

para me mostrar que a vida, esse precioso dom de Deus, não se extingue na sepultura...

Ressuscitaste

para me dizer que no plano da infinita sabedoria do Pai, o sofrimento não é um fim, mas um meio, o Calvário é um caminho, uma passagem, e não uma meta suprema...

Ressuscitaste

para me arrastar com teu exemplo e encorajar-me na caminhada áspera de minha vida terrena, para dar um sentido de conquista aos meus dias...

Ressuscitaste, Senhor,

sobretudo, para me mostrar a maravilha da vida eterna, em comunhão contigo, (reconciliação) com o Pai e o Espírito Santo.

O autor é Doutor em Teologia Moral, pregador de retiros de espiritualidade, coordena workshops de teologia e assessora cursos bíblicos. Filósofo e Escritor, com mais de cem livros publicados no Brasil e exterior.