Candomblé e Umbanda
Candomblé e Umbanda
Se você não entende bem o que quer dizer candomblé ou umbanda, acalme-se, pois mesmo entre os praticantes dessas ditas religiões, poucos sabem de fato sobre as suas origens, a diferença que existe entre elas e ou o que quer dizer catimbó ou vodu.
É evidente que neste pequeno espaço não caberia toda a história desses cultos, mas em linhas gerais podemos descrever as suas origens, como se formou, o sincretismo religioso, como são e para que servem os seus rituais e explicar as principais diferenças entre eles.
Com o respeito que todas as crenças merecem, com a nossa reverência e saudação ao pai Oxalá, Olorum, Xangô, Oxóssi, Oguns, Orixás e demais entidades, e longe de pretender formar tese acadêmica sobre esse tema, vamos tentar esclarecer a história de cada uma dessas seitas afro-brasileiras, cujos rituais e cerimônias são próprias e originárias do sincretismo religioso africano, católico, indígena e caboclo, popularmente e genericamente conhecidos por Saravá.
Antes, convém explicar que a expressão Saravá é usada como uma saudação umbandista, assim como Axé uma saudação do Candomblé, Shalom uma saudação judaico-cristã, e Namastê uma saudação oriental de origem hinduísta.
Infelizmente, em toda a história da humanidade, os povos mais desenvolvidos sempre escravizaram os mais atrasados. Foi assim com os indianos, mongóis, africanos e nem os hebreus escaparam do cativeiro.
No Brasil, após o descobrimento, o invasor branco combateu sem tréguas os ritos espiríticos dos índios, a autoridade dos pajés, impôs o catolicismo e uma língua mal compreendida. Apesar do rigor, sempre que afrouxava a peia, os índios cultuavam seus ancestrais, o sol a lua de quem se diziam ser filhos.
O inevitável cruzamento entre brancos e índios, deu origem ao mestiço denominado caboclo que além de meio índio e meio branco, ficou também religiosamente, meio espíritista e meio católico. Com o passar do tempo, os espíritos desses caboclos, mais ou menos cristianizados e falando um português corrompido, começaram a se manifestar, fazendo às vezes de santos católicos nos cultos, rituais e pajelanças, caboclo-indígena e crenças portuguesas, originando aqui o primeiro sincretismo religioso chamado de Catimbó.
Quando os europeus precisaram de força de trabalho para desenvolver suas colônias no Novo Mundo, a opção recaiu no indefeso negro africano. Capturados em diversas regiões do continente, a maioria deles era etíope, congolês e angolano. Homens, mulheres e até crianças eram caçados e arrancados a força da família e do convívio social, inclusive muitos deles detentores de títulos de nobreza como reis, rainhas, príncipes e princesas, que vinham amontoados como animais nos porões imundos dos navios.
Cada leva de escravos trazia consigo os costumes e a religiosidade próprios da sua cultura, do seu local de origem e as tradições dos seus povos. Aqui, os negros eram separados dos seus grupos ou famílias e levados para morar em locais distantes.
O agrupamento e a convivência, forçada, de diversos elementos com costumes e cultos diferentes, numa mesma fazenda, foi dando continuidade a grande miscigenação de raças que fora iniciada com brancos e índios e que viria transformar o território pátrio numa mescla de todos os povos do mundo ou na pátria do Evangelho, segundo alguns místicos.
Entre as crenças trazidas pelos negros vieram os rituais religiosos bárbaros chamados de Candomblés. Dizemos candomblés no plural porque, na verdade, originariamente, cada nação ou grupo étnico, tinha o seu próprio candomblé.
Embora hoje seja impossível uma separação confiável, fazemos uma classificação por grupos para melhor compreensão. Os povos que eram oriundos das nações Iorubás, Gege e Ketu praticavam os rituais conhecidos hoje como candomblé da Bahia. Já os povos das nações Nagô, Malês e Bânto, trouxeram uma variação dos Candomblés pertencentes a cabula de outros povos africanos como o vodu que é um rito fechado.
Segundo a historiadora e escritora, Maria Helena Farelli, os negros do grupo Malês, originários do Sudão, muitos de origem Nagô inclusive alguns Iorubás, eram islamizados, não comiam carne de porco, falavam e escreviam em árabe. Eram artífices, joalheiros e fundidores, por serem cultos, eram aproveitados como serviçais na casa grande.
Além de cultuar as divindades da natureza, os chamados orixás africanos, os Malês trouxeram para o Brasil o culto a Alá e aos Alufás muçulmanos, recitavam o Al-corão, e descalços, praticavam seus rituais em mesquitas rudimentares usando vestimentas brancas árabes e sudanesas, o que teria dado origem aos turbantes e as roupas que são usadas em todos os rituais do candomblé e da umbanda, inclusive, na fixação de pontos e na maioria de outros rituais, que na umbanda, são feitos, obrigatoriamente, descalço. Outro ponto de convergência é que Óx energia xamânica, mais, Alá deus muçulmano, é igual a Oxalá Deus na umbanda.
Nas fazendas e senzalas, provavelmente por medo de feitiços ou macumbas, além do cativeiro foi proibido aos negros, qualquer manifestação de seus costumes, danças ou qualquer exteriorização de tradições africanas, principalmente o culto aos seus orixás.
Obrigados a reverenciar ídolos católicos e ter que recitar as complicadas orações em latim, foi no Catimbó, já mesclado de pajelança e de rituais católicos, que o negro encontrou cerimônias, até certo ponto, análogas aos seus antepassados. Daí em diante, os quilombos rebatizaram as imagens de santos, com nomes das suas divindades africanas e os antigos filhos da lua e do sol, passaram ser filhos de santos e filhos de orixás, para mais tarde passarem a ser, também, pais e mães de santos.
Más nem todos os grupos étnicos aderiram aos novos costumes religiosos. Boa parte dos negros que se radicaram no norte do Brasil, principalmente os que foram para o recôncavo baiano, embora proibidos de se manifestar, permaneceram mais fiéis aos costumes e a tradição original do Candomblé. Já, a maioria dos grupos deslocados para o centro-sul do país, provavelmente por ter um contato maior e mais permanente com os costumes dos europeus e com a liturgia católica, assimilaram mais facilmente os rituais do catimbó e parte do próprio candomblé, que viriam mais tarde originar a umbanda.
Essa regionalização de cultos não foi definitiva, visto que as novas levas de negros que chegavam e as constantes permutas, compras e vendas, de escravos entre fazendeiros e mesmo as migrações de pessoas entre as diversas regiões, fez com que muitos adeptos do candomblé que vinham do norte, praticassem no sul, os cultos da Umbanda, assim como os umbandistas do sul, quando chegavam no norte assimilavam facilmente os rituais do candomblé.
Os movimentos abolicionistas foram, aos poucos, concedendo maior liberdade aos negros, possibilitando à manifestação mais pura das tradições africanas, principalmente a religião, as danças, o culto aos orixás, as lutas de capoeira e a culinária.
Essa liberação trouxe para dentro dos terreiros e tendas, verdadeiras levas de mamelucos, cafuzos, mulatos e brancos, que em perfeita integração começaram a cultuar no mesmo “altar” as divindades do Catimbó, da África e os santos católicos.
É exatamente essa mesclagem de credos e rituais que vai se manifestar tanto no Candomblé quanto na Umbanda, dando-nos, hoje, a impressão de que se trata de uma coisa só.
Embora para muitos, principalmente para os leigos, seja bastante tênue a linha divisória entre as principais correntes do Candomblé e da Umbanda, pois que, uma descende da outra, na prática existem diferenças acentuadas em suas crenças e cerimônias.
O Candomblé da Bahia é o que se pode chamar de espiritismo anímico, visto que suas cerimônias e rituais são fechados e quase sempre envolvem sacrifício de animais. Este, como muitas das tradições africanas, tem sua origem nas nações de língua Iorubá e Nagô, bem como em linhas de outros cultos. Seu deus supremo é Olorum, e seus orixás são divindades dos antigos povos dos grupos Gege, Ketu e Angola, com pequena influência da religião católica e do catimbó.
Na primitiva mãe África, o Candomblé era originariamente apenas um culto religioso de cura e exorcismo sempre celebrado debaixo da grande árvore mística chamada de “Macumba” onde se amalgamavam os ritos sagrados com os batuques e danças profanas. Essa é a razão de hoje se denominar macumba a todas as manifestações religiosas africanas.
No cativeiro, além trabalho sob o açoite, a vida degradante sob ferros, a sujeição ao tronco e aos pelourinhos, as dores, sofrimento e angustia dos pobres negros, fez ao longo do tempo, parte desse ritual e conhecimento esotérico evoluir para uma espécie de revolta, vingança e ódio com forte influência do vodu e magia negra.
Em decorrência de tais infortúnios, muitos dos espíritos de negros que morreram sob o açoite, se tornaram verdugos violentos e perseguidores implacáveis, que até hoje, infligem padecimentos aos seus antigos senhores. Assim, para cultuar seus ancestrais orixás, aplacar a ira dos espíritos vingativos, ou em troca de favores, os adeptos oferecem cultos com danças, batuques, sacrifícios de animais, bebidas, charutos, velas e tudo mais que encontramos nos chamados despachos.
Para se habilitar a chefiar um terreiro, fazer e coordenar a intermediação entre as divindades e o mundo material, o iniciado do Candomblé, deve passar por um longo e doloroso processo de purificação. A entronização, que é uma espécie de batismo, é feita com o sangue de animais que o neófito bebe ainda quente e cujo restante é derramando sobre sua cabeça raspada. Depois dessa “sagração” a pessoa passa a usar a denominação de pai, mãe, filho ou filha de santo, e entre outras prerrogativas, está habilitada a fazer o “ebô” mais conhecido como feitiço ou despacho, que é deixado nas encruzilhadas, cachoeiras e cemitérios, normalmente em noites de quinta e madrugadas de sexta feira, onde oferecem aos exus, orixás e outras divindades, as bebidas, comidas, charutos, animais sacrificados e outros agrados. Assim, resumidamente, podemos dizer que o Candomblé, embora bastante mesclado ainda se nutre nas suas profundas raízes de culto aos orixás africanos.
O primeiro terreiro de Candomblé que se tem notícia, oficialmente, foi o de Gantois fundado em 1849 na Bahia pela então mãe de santo Julia Maria da Conceição Nazaré. Daí em diante proliferou os terreiros nos demais estados, inclusive no exterior.
A Umbanda, que chamamos de espiritismo verde, é uma mescla brasileira das crenças vindas principalmente do Catimbó indígena, da cabula dos povos africanos, Malês e Banto e do próprio Candomblé da nação Nagô. Como o candomblé, com seus rituais fechados, não cedia espaço para acomodar os praticantes do catimbó, os índios, caboclos e mestiços pegaram uma parte do catimbó, uma parte do catolicismo e uma parte do candomblé e formaram uma crença a qual denominaram Umbanda, que significa primeiramente, a divisão do cristianismo em dois lados ou duas bandas e também a divisão do candomblé em dois lados ou duas bandas para finalmente tomando uma banda do cristianismo e uma banda do Candomblé formar uma única banda, ou seja, a Umbanda. Existem outras versões para a origem do nome Umbanda, sendo uma, Aum-espírito e Bandhã-mantra, originárias do sânscrito, mas que além de não serem conhecidas no ocidente diferem em muito das crenças e práticas mediúnicas brasileiras.
Foi através dessa forma sincrética que na umbanda, Deus passou a ser chamado de Oxalá, Nossa Senhora passou a ser Iemanjá, São Jorge passou a ser Ogúm-delê, Santa Bárbara passou a ser Iansã a assim por diante.
Seus orixás embora com denominações diferentes, pertencem ao mesmo panteão afro, porém com representações ou guias puramente brasileiros como, pretos velhos, baianos, caboclos, ciganos, boiadeiros e índios. Nos seus terreiros e tendas, os cultos se revestem de muito misticismo e simbologias com oferendas a Oxóssi, deus das matas. Iemanjá, divindade das águas. Iansã, deusa dos raios e tempestades. O Ogum São Jorge é santo guerreiro e São Miguel arcanjo é Xangô o orixá da justiça e grande chefe. Nessa linha, normalmente, não há sacrifício de animais, ela é mais para a flora, seus elementos são as ervas e folhagens. Suas cerimônias são quase sempre acompanhadas de batuques e sons de atabaques ou tambores, danças ritualísticas e pontos riscados ou cantados, também chamados “Curimbas” que identificam as entidades presentes. Suas oferendas consistem em velas, comida, bebidas, flores, bijuterias etc, que são lançadas nas águas, depositadas nos gongás das tendas ou terreiros e também deixadas em encruzilhadas ou cachoeiras.
Como tudo evolui, muitos dos antigos vingadores, agora mais esclarecidos, e outros espíritos evoluídos de negros também mortos sob tortura nos troncos ou pelourinhos das senzalas, alguns caboclos e índios devotaram resgatar seus infelizes irmãos, das esferas tenebrosas da vingança.
Hoje, esses espíritos formam as chamadas falanges da linha do mar que através dos rituais umbandistas, assistem todos os necessitados tanto opressores quanto oprimidos, levando a palavra do Evangelho á muitos infelizes. O Exú, que, para muitos espiritualistas, simboliza uma entidade malévola, na Umbanda representa o poderoso e severo vigilante, guardião e protetor contra as investidas dos moradores do submundo, pois somente quem viveu o negro cativeiro, tem condições de falar frente com os companheiros dos sofrimentos de outrora que ainda hoje cegos pelo ódio e pela sede de vingança se transformaram em “quiumbas” entidades maléficas primitivas que militam numa ala mista de Candomblé, vodu, Umbanda e Catimbó, também chamada de Quimbanda, ou quinta banda, que se dedica a prática da magia negra. As giras, sessões ou macumbas são presididas pelo sacerdote ou chefe do terreiro, do templo ou da tenda que se for homem é denominado Babalaorixá, Babalorixá ou também pai de santo, e se for mulher denomina-se Ialorixá ou também mãe de santo.
Embora conforme foi visto, a Umbanda viesse se amalgamando desde muito tempo, foi a partir de 1908 que ela passa a existir de fato como religião genuinamente brasileira. Nessa época surge na cidade de Niterói no Rio de Janeiro o Sr. Zélio Fernandinho de Moraes 1871/1975 que oficializa o nome Umbanda e dita as regras de procedimentos básicos das práticas e condutas umbandistas.
Assim, a Umbanda nascida nas senzalas das nossas antigas fazendas e embora fruto da mescla indígena-afro-cristã se apóia no próprio sincretismo religioso para cultuar seus orixás brasileiros.
Hoje, algumas “nações” ou modernas alas da umbanda, e até mesmo alguns terreiros de candomblé, já se apresentam e trabalham com entidades e rituais kardecistas. Esse novo sincretismo, com notável perda do tradicional africanismo, fez surgir a chamada umbanda branca, também conhecida como umbanda de mesa, sem, contudo, abandonar suas vestimentas e alguns pontos que identifiquem as entidades presentes.
É evidente que tanto o Candomblé quanto a Umbanda, manipulam forças etéreas, tanto para a defesa quanto para o ataque, só que, cada uma, se utiliza de entidades de faixas vibratórias diferentes ou, como dizem, de outras linhas ou pontos. E tanto numa, quanto na outra, as manifestações são feitas através de médiuns, aqui denominados de pai, mãe ou filhos de santo, cavalo, cambono etc. os quais incorporados ou não, intermediam a comunicação entre o mundo material e o mundo espiritual.