“Tais homens são por isso, indesculpáveis.” Uma breve analise sobre a revelação geral como elemento sustentador da existência do Deus Cristão.

Marcelo Junio Silva

RESUMO

O presente estudo aborda a relação existente entre a revelação geral de Deus, forma comum de se dizer que Este se dá a conhecer pela natureza, partindo do pressuposto de que ele a tenha criado, buscando em alguns aspectos da filosofia pré-socrática; visto que os filósofos deste período buscaram, pela observação da Phisys, isto é, a natureza, encontrar um princípio unificador de todas as coisas. Desta forma realizou-se uma pesquisa bibliográfica, considerando as contribuições de autores que trabalharam a questão da revelação geral. Buscou-se ainda demonstrar, pela literatura existente esta relação, de forma que a humanidade se torna indesculpável diante das evidências que corroboram a existência de um Ser soberano e criador de todas as coisas. Por revelação geral, especifica-se que seja diferente do que na teologia Reformada concebe-se como revelação especial, ou seja, a revelação de Deus pelas Escrituras Sagradas do Antigo, e Novo Testamento. Com o presente texto busca-se, portanto identificar - pela definição de termos e conceitos - o que os torna indesculpáveis; além de apontar a existência desta relação com a intenção de promover o debate e aprofundamento da pesquisa na área, de forma que sem nenhuma pretensão possamos mostrar a possibilidade de chegar a um principio unificador de todas as coisas baseados naquilo que está registrado no texto bíblico e sua aceitação destituída de preconceitos que pairam sobre a ideia “Deus”.

Palavras chave: Revelação geral. Revelação especial. Deus. Filósofos. Natureza

Introdução.

Um fato que ninguém pode negar pela história da humanidade é que o ser humano é um ser religioso. Ao longo dos tempos diversos estudiosos contataram a experiência religiosa na humanidade pelas mais diversas formas de se conceber o sagrado e assim cultua-lo. RAHNER (1989) citado por UCAM (2010) diz que

[...] esta experiência transcendental do sujeito vem marcada por universalidade, podendo ocorrer de forma atemática e mesmo “arreligiosa”, independente de uma experiência religiosa explícita. É uma experiência original, ontologicamente fundada. Ela acontece de fato onde quer que o sujeito atue de forma livre e profunda a sua existência. É algo que se disponibiliza para todos, e que pode ocorrer “até mesmo em formas e conceituação que aparentemente nada têm de religioso” (UCAM Religiões Mundiais 2010, p.9).

Na citação, o autor fala de um fenômeno “marcado pela universalidade”, isto é, capaz de ser observado em todas as culturas existentes. Sabemos isto também pela diversidade de religiões ainda existentes, como por exemplo, poderíamos citar as mais conhecidas, partindo da de maior relevância no mundo atual, o Cristianismo, logo depois o Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo, budismo, apesar de o último ser considerado um seguimento filosófico, e não uma religião.

Outro aspecto notório na citação é a ideia de ser a religião uma experiência ontológica, ou seja, uma experiência originada no próprio ser, livre de um agente externo, ou uma persuasão de outrem, o que reforça a compreensão de que o ser humano é um ser religioso por natureza. Nas palavras de ARESI (1981) definindo o ser humano, diz que: “Por isso o homem historicamente, se define como um animal religioso”. (ARESI 1981, p.116)

Gaarder, Hellern, Notaker em, O Livro Das Religiões diz que: Quem sou eu? Como foi que o mundo passou a existir? Que forças governam a história? Deus existe? O que acontece conosco quando morremos? [...] são as chamadas questões existenciais, pois dizem respeito a nossa própria existência. De fato são perguntas que perturbam a humanidade desde que se sabe do homem como sujeito dentro da história, fazendo e reproduzindo cultura.

Os autores continuam dizendo que “Cada um de nós tem uma visão da vida. A questão é: até que ponto fomos nós mesmos que a escolhemos, até que ponto ela é nossa própria visão? Até que ponto estamos conscientes de nossa visão?” (Gaarder, Hellern, Notaker 2001, p.8) Sua proposta é basicamente a dúvida que ainda paira sobre a cabeça de muitas pessoas sobre a existência, ou não, de um ser transcendente que governa a e direciona suas vidas para um fim pré estabelecido.

Portanto, se há este ser que tem nas mãos o controle de todas as coisas, será possível chegar à conclusão de sua existência? E de que forma haveremos nós de chegar a esta conclusão, com base em quê podemos saber sobre sua existência ou não? Nossa proposta é analisar a luz de alguns textos a possibilidade da existência daquilo que chamamos de digitais do criador, possíveis de ser constatadas nas mais diversas culturas, pois conforme disse o apóstolo Paulo, “Porquanto o que de Deus se pode conhecer, é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou” (Rm 1.19) .

Diante disto nos propomos a investigar como os homens são indesculpáveis por não acreditarem na existência de Deus e aqui, abre-se um parêntese para definir a ideia de Deus como aquele de quem as escrituras sagradas do Cristianismo e Judaísmo defendem por Deus, ou seja Jeová (YHVH).

Conforme somos informados por UCAM, Religiões Mundiais (2010)

[...] a teologia vive do esforço do crente por pensar e exprimir a própria fé, com todos os recursos da razão. Segundo Anselmo, é a fé que procura, é a fé que busca a inteligência. A fé é o ponto de partida da pesquisa filosófica na teologia. Para os medievais, a teologia é, pois, a interpretação racional da revelação de Deus, aceita na fé. Quem crê, ou seja, aceita a revelação de Deus, é um ser racional e, por isso, a fé já implica atividade racional e o crente naturalmente procura compreender e penetrar o significado da palavra divina. (UCAM, Religiões Mundiais 2010, p.16).

Portanto, não estamos trabalhando aqui somente aspectos de uma fé destituída de bases racionais, como alguns possam julgar, antes, como se espera fazer, queremos ter um diálogo sincero sem nem mesmo ter a ideia proselitista envolvida, para que a partir deste possamos prosseguir a pesquisa na área.

Definição de Revelação.

No campo da religião, necessário se faz definir o conceito de Revelação, pois a base para se conceber a religião está fundada neste conceito, ou seja, não há religião sem revelação, por isto BAVINCK (2012) diz que: “O conceito de revelação é correlato necessário de toda religião. Como a crença na revelação pode ser encontrada em todas as religiões, revelação e religião ficam de pé ou caem juntas”. Seu pensamento continua trazendo a relação que há entre a filosofia e a teologia, sendo esta compreensível por aquela, que vai refinar a argumentação para ser então apresentada.

Um pouco adiante ele diz: “O estudo da religião em sua essência e origem nos conduz ao tema da revelação, e a história das religiões é prova de que o conceito de revelação não é parte integrante apenas do Cristianismo e ocorre apenas na Sagrada Escritura, mas é um correlato necessário de toda religião” (Bavinck 2012, p. 284).

Basicamente revelação é ato pelo qual algo se dá a conhecer, no campo da religião sempre se trata de um ser divino que se revela de alguma forma, com o objetivo de ensinar algo sobre si mesmo ou sobre o mundo em geral. No cristianismo pode-se dizer que é o ato pelo qual Deus fez saber aos homens os seus mistérios, sua vontade, e a princípio o fez no momento da criação, depois por Moisés e os profetas, e finalmente por Jesus Cristo, sendo este, conforme o escritor da carta aos Hebreus “à expressão exata do ser de Deus” (Hb 1.3)

MAIA (2007) citando Bavinck nos informa que as três realidades que a filosofia e a ciência se ocupam são Deus, o Mundo e o Homem, sendo estes últimos obras do primeiro, e o laboratório onde os homens trabalham sobre tais temas. Desta forma passaremos no tópico seguinte expor este assunto.

Revelação geral x Revelação especial.

Por revelação geral, entende-se as “impressões digitais” do criador em sua obra, são as marcas, que olhando para elas somos levados à compreensão que alguém as deixou com um proposito estabelecido. O salmo 19 estabelece de forma mais clara isto que queremos dizer, pois nele, o salmista diz que:

Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. (Sl 19.1-4)

Neste texto é estabelecida uma sequência lógica onde através de elementos da natureza, sem que estes usem o recurso da voz, a existência de Deus é anunciada de forma geral e abrangente a todos.

O jornalista e escritor Reinaldo José Lopes no livro “Os 11 maiores mistérios do universo” diz que: “Bastaria examinar o cosmo com um mínimo de cuidado para que os sinais da atividade de uma inteligência superior ficassem evidentes, mais claros do que a luz do sol, para qualquer observador honesto”.

Já o filósofo indiano Vishal Mangalwadi, cita Francis Bacon (1561-1626) e Galileu Galilei (1564-1642) como sustentadores da ideia dos dois livros de Deus, sendo que um seria justamente a natureza, meio pelo qual Deus se deu a conhecer, e que concluímos ser a Revelação geral. Francis bacon ainda conforme Vishal Mangalwadi, citando Jesus disse:

Pois nosso salvador disse: ”Errais não conhecendo as escrituras e o poder de Deus” (Mt 22.29), deixando-nos dois livros para estudar, se quisermos nos livrar do erro: primeiro, as Escrituras, que revelam a vontade de Deus, e depois as criaturas [ciência natural], que expressam seu poder, sendo o último uma chave para o primeiro: não apenas abrindo nosso entendimento para conceber o verdadeiro sentido das Escrituras pelas noções gerais da razão e das regras do discurso, mas principalmente por abrir nossa crença, ao nos fazer meditar sobre a onipotência de Deus, que está assinada e esculpida principalmente em suas obras. (Francis Bacon apud Vishal Mangalwadi, 2102, p. 281)

Observa-se com isto certa coerência na compreensão destes homens sobre este conceito de revelação geral de Deus, o que Costa (2007) chama de: “A criação como revelação de Deus”, e citando o Reformador João Calvino diz que:

“[...] O mundo, portanto, é com razão chamado o espelho da divindade, não porque haja nele suficiente clareza para que os homens alcancem perfeito conhecimento de Deus só pela contemplação do mundo, mas porque ele se faz conhecer aos incrédulos de tal maneira que tira deles qualquer chance de justificarem sua ignorância. [...]” (Maia 2007, p. 28)

Este conhecimento que Deus dá a humanidade, se difere do conceito de Revelação Especial pelo fato de que esta, se dá pelas Escrituras sagradas, a bíblia, onde homens separados por Deus (santos) foram usados para registrar de forma mais clara seus designíos com o proposito de orientar seu povo a se relacionar com ele.

É importante enfatizar que a bíblia não tem como objetivo provar a existência de Deus, antes, ela parte do pressuposto de sua existência, e é considerada dentro da perspectiva Reformada como o registro inspirado e inerrante da Palavra de Deus. Desta forma, pela falibilidade dos sentidos em compreender pela natureza os designíos de Deus, a bíblia supre estas falhas orientando as pessoas sobre os planos do criador para sua criatura.

Os pré-socráticos e o princípio unificador (ARQUÉ)

Nossa abordagem sobre estes filósofos não consiste em uma pesquisa exaustiva, antes, nos restringiremos a expor as ideias de três dos mais notáveis, para que, no próximo tópico possamos falar sobre a relação entre suas conclusões e o conceito acima descrito como Revelação geral de Deus. No tópico anterior abordamos também o conceito de Revelação Especial por termos no texto bíblico elementos onde tentaremos usar como ponto de convergência entre a Arqué ( grega, e a Revelação de Deus.

Conforme Mondin (1981) Tales de Mileto (cerca de 625/4-558/6 A.C) foi primeiro filosofo, ou pai da filosofia, pois ele pelo que se sabe foi o primeiro que se dispôs a sistematicamente buscar a resposta da pergunta: “Qual é a causa última, o princípio supremo de todas as coisas?”. O que impulsionou esta pergunta é que, observando o mundo e tudo que nele há, apesar da aparente diversidade, existe em todas as coisas algo de comum, algo que podemos encontrar em tudo.

A conclusão que este primeiro pensador chegou é que a Água seria o princípio unificador de todas as coisas, pois dela tudo procederia. Mondin (1981) vai dizer que Tales ousou dar uma resposta ao problema do uno e do múltiplo de forma bem ingênua e rudimentar, mas não queremos aqui entrar no critério avaliativo de certo ou errado, tão somente expor suas ideias e depois associá-las a alguns textos bíblicos onde poderá haver alguma possível associação.

Sucessor de Tales de Mileto, Anaximandro (cerca de 610-547 A.C), seu aluno, também buscou uma resposta à mesma indagação de seu mestre, ou seja, a questão da “unidade do principio”, como afirma Mondin (1981), porém, diferente de seu mestre, e mais surpreendente, Anaximandro não concebia algo determinado como o princípio de todas as coisas, antes, para este grande pensador, conforme nos informa Os Pensadores (1989)

O ápeiron (ilimitado) era o princípio e o elemento de todas as coisas existentes. Foi o primeiro a introduzir o termo princípio. Diz que este não é a agua nem algum dos chamados elementos, mas alguma natureza diferente, ilimitada, e dela nascem os céus e os mundos neles contidos. (Os Pensadores 1989, p.15)

Já nosso terceiro pensador deste chamado, “Período Pré-socrático” é Heráclito de Éfeso (cerca de 540-470). Em Heráclito encontramos um dos temas mais intrigantes da filosofia, isto é, o Logos. Para este pensador, tudo que há no mundo está em constante transformação. Conforme Mondin (1981) “O vir a ser é um dado último e não pode ser ulteriormente decomposto: nenhuma realidade, imóvel e idêntica a si mesma, escapa ao infatigável devir” (Mondin 1981, p.26).

Contudo, este processo de constante transformação que Heráclito associa ao fogo, é regido por uma razão universal, isto é, o Logos. Contudo para ele este Logos não é transcendente, mas sim uma lei intrínseca existentes nas coisas conforme Mondin (1981).

Há na verdade outros muitos nomes destes filósofos que poderíamos citar aqui como exemplo, contudo, pela brevidade do espaço, e dada a complexidade do assunto, não podemos prosseguir senão fazendo a associação que nos propomos a fazer com alguns conceitos bíblicos da revelação de Deus.

A relação existente.

“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” Sl 19.1

A água.

Na citação acima, nos informa o salmista, que Deus se dá a conhecer pelas obras de suas mãos, sendo essas obras provas de sua existência, não permitindo conforme diz o apostolo Paulo, nos desculpar de reconhecer sua existência. Contudo, dentre os elementos os quais Deus se faz conhecido pelas comparações que ele mesmo utiliza, está à água, esta é talvez em primeiro lugar símbolo de vida, e não são poucos os textos bíblicos em que Deus se compara como fonte da água da vida, sendo ele mesmo a própria vida.

Para o filósofo contemporâneo Olavo de Carvalho, tratando sobre a questão dos símbolos: “A realidade divina foi muitas vezes comparada à água, que toma momentaneamente a forma do copo, para metamorfosear-se, conservando-se intacta ao ser vertida em outro recipiente” (Carvalho 2015, p. 244). A ideia que o autor defende é que o fato da água tomar a forma do recipiente, ou seja, Deus se manifestar através de algo na natureza ou mesmo em um símbolo, nem por isso Deus perde sua essência divina ou se confunde com o recipiente no qual está derramado.

Sabemos, contudo, do teor poético que é utilizado pelos escritores bíblicos, porém isto não isenta o fato de associarem Deus a elementos nos quais ele se revela. Um bom exemplo é o tão conhecido Salmo 42, onde o salmista nos diz da seguinte maneira: “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de Deus?” Sl 42.1-2.

Outro exemplo que podemos citar, é a fala de Jesus quando diz: No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Jo 7.37-38. Mais uma vez afirmamos que não desconsideramos o caráter, ora poético, ora espiritual dos textos, sendo nosso foco mostrar apenas a associação que o próprio Deus faz de si com o elemento água, que foi o primeiro que citamos como conclusão de Tales de Mileto, como sendo um princípio unificador de todas as coisas.

Antes de prosseguir, devo me ater na definição dos termos imanência e transcendência, para que não caiámos no erro de transmitir uma ideia panteísta onde a criação é confundida com o criador, pois conforme nos informa Bavinck (2012)

“[...] a Escritura continuamente nos confronta com a transcendência absoluta de Deus sobre todas as criaturas. Implicadas na criação estão tanto à transcendência quanto a imanência de Deus, tanto a diferença essencial quanto à estreita semelhança entre Deus e suas criaturas. Ele vive no alto e sublime lugar, sim, mas também com o contrito e humilde de espírito - esse é o tema que vem aos nossos ouvidos em cada página da Escritura [Is 57.15]” (Bavinck 2012, V. 2 p. 112)

A ideia de imanência corresponde ao que estamos trabalhando desde o início, isto é, o Deus cristão, se manifesta em toda a sua obra, é o que disse o apóstolo Paulo: “porque o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles” (Rm 1.19). Do outro lado há o conceito de transcendência onde fica claro que este mesmo Deus criador de todas as coisas não pode ser confundido com sua criação, pois ele está acima de toda sua obra, Ele transcende todas as coisas.

O infinito (ápeiron)

“Antes que os montes nascessem, e se formasse a terra e o mundo, de eternidade em eternidade tu és Deus”. (Sl. 90:2)

De maneira bem resumida, podemos dizer que temos por prática utilizar sempre de uma linguagem onde conseguimos delimitar e definir em um espaço todas as coisas. Por exemplo, utilizamos um sistema de medidas universal onde conseguimos definir o peso de um objeto; a distancia entre um lugar e outro; a quantidade de líquidos, conseguimos mensurar até mesmo o ar. Mas em relação ao Deus revelado na bíblia não é assim, e a semelhança do ÁPEIRON de Anaximandro, Este é infinito, não podemos mensurá-lo.

Quando Cristo Jesus aparece no tempo, chamando a Deus de “Aba”, isto é, Pai, foi um grande escândalo no mundo de então. Pois os deuses do panteão grego e romano eram pessoais “tinham certo relacionamento com pessoas”, contudo não eram infinitos. Devemos saber que na concepção deísta, Deus é retratado como infinito, porém, afastado do mundo, como alguém que o criou e o abandonou. Já a concepção panteísta afirma que Deus é infinito, contudo não se relaciona com suas criaturas.

A bíblia porém revela um Deus que é infinito, não tem limitações. Ele “habita em luz inacessível”(1 Tm 6.16), um Deus de “juízos insondáveis” e cujos caminhos são “inescrutáveis”(Rm 11.33), ou como disse Eliú a Jó: “Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender; o número dos seus anos não se pode calcular” (Jó 36.26). Portanto não devemos desconsiderar que o infinito que Anaximandro estava se referindo pudesse ser este Deus revelado nas escrituras sagradas. “[...] Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio.” (Atos 17.23)

O logos

Aqui chegamos a um ponto extremamente delicado, pois devo ter o cuidado de não afirmar aquilo que muitos e grandes pensadores dedicados ao estudo sistemático do mundo e tudo que nele há não disseram por não ser de fato o que parece ser. Mas uma coisa não podemos negar, há sem sombra de dúvida grande mistério neste assunto, pois não foi em vão que o evangelista João utilizou-se do termo Logos para se referir ao Cristo como sendo ele o próprio Deus (YHVH).

Para Sproul (2002), seria um grave erro identificar desta forma o uso do Logos que João faz, com o logos da filosofia grega, pois conforme este autor, o evangelista João escreve a partir de categorias de pensamento hebraico. Desta forma, em sua concepção, este Logos não seria necessariamente o mesmo da filosofia grega. Por outro lado, Sproul também afirma que “é um erro igualmente sério separar completamente do pensamento grego o uso que João faz do termo” (Sproul 2002, p.22)

Na concepção grega de Heráclito, este Logos é impessoal e imanente, enquanto que o Logos bíblico é pessoal e transcendente. Mondin (1981) destaca que para Heráclito “a base da unidade é sempre o Logos”. Na concepção bíblica tudo que existe veio a existir por meio do Logos, “e sem ele nada do que foi feito se fez” (João 1.3).

Será uma questão apenas de trazer a definição dos conceitos por trás das palavras? Ou uma questão de aceitação de que tais homens, tiveram um vislumbre da glória de YHVH na natureza criada por ele tornando-os assim indesculpáveis? Particularmente não teria condições de afirmar com certeza, mas não vejo também discordância em considerar tal ideia.

Considerações finais.

Grandes foram as lutas travadas pelos primeiros cristãos quando se depararam com uma visão de mundo já estabelecida, e longe da visão espiritual, sendo necessário que se levantasse na igreja homens capacitados com o propósito de dar conforme o apostolo Pedro diz: “a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). Segundo somos informados por F.A. Pastor (1989)

Ao entrar no mundo grego, o cristianismo tinha diante de si, a tarefa de demonstrar que o Deus revelado da aliança era também o Deus desconhecido e misterioso, objeto transcendente do sentimento religioso universal, coincidindo inclusive com o principio último da realidade (arché), buscado na ontologia grega. (F.A. Pastor 1989, p. 13)

F. A. Pastor utiliza-se de uma terminologia muito pertinente ao assunto em questão, não sei se intencionalmente, mas ele usa o adjetivo desconhecido para se referi ao Deus do Cristianismo. Da mesma forma, o apóstolo Paulo, quando em sua viagem missionária, encontrou na cidade de Atenas, uma inscrição em um altar dizendo: “Ao Deus desconhecido” (Atos 17.23).

Percebe-se por isto e tantos outros fatores que poderíamos citar, que a humanidade não se tem por escusa diante da majestade do Criador revelada nas obras de suas mãos, pois é desta forma que Paulo argumenta dizendo que:

“porque o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles (a humanidade), por que Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem desde o principio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas criadas. Tais homens são por isto indesculpáveis” (Rm 1.19-20) Grifo meu

Pois como disse o Salmista: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Sl 19.1). A corroboração da existência do Deus revelado nas escrituras sagradas do Antigo e Novo Testamento está clara e impressas em nós, humanidade, e na natureza, obra de suas mãos. Resta-nos estar atentos quanto a estas evidências, pois muitos homens do passado, não tendo como nós nestes tempos tantos recursos disponíveis, chegaram a conclusões muito semelhantes aos atributos deste Deus que são manifestos na natureza, e que por isso os deixa indesculpáveis.

Referências bibliográficas:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada / Herman Bavinck; traduzido por Vagner Barbosa. _ São Paulo: Cultura Cristã, 2012. Vol. 1

Dogmática reformada / Herman Bavinck; traduzido por Vagner Barbosa. _ São Paulo: Cultura Cristã, 2012. Vol. 2

Bíblia de Estudos de Genebra 2ª Ed Barueri , SP: Sociedade Bíblica do Brasil. São Paulo: Cultura Cristã 2009. Texto bíblico: Almeida revista e Atualizada,

CARVALHO, Olavo de. O jardim das aflições – de Epicuro à ressureição de César: ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil/ Olavo de Carvalho- Campinas SP: Vide Editorial 2015.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões TRADUÇÃO ISA MARA LANDO. São Paulo: Cia das Letras, 2000. Disponível em:

http://ir.nmu.org.ua/bitstream/handle/123456789/143146/99c47c08f92d99f1794d7bf298846a7d.pdf?sequence=1

LOPES, Reinaldo José. Os 11 maiores Mistérios do Universo. As questões mais profundas da humanidade, com as respostas mais surpreendentes. Super Interessante

MAIA, Hermisten. Fundamentos da Teologia Reformada/ Hermisten Maia – São Paulo: Mundo Cristão, 2007. – (Coleção teologia brasileira)

MANGALWADI, Vishal. O livro que fez seu mundo: como a Bíblia criou a alma da civilização ocidental. [ tradução Carlos Caldas ]. São Paulo. Editora Vida, 2012.

MONDIM, Battista. Curso de filosofia/ B. Mondim; [tradução do italiano de Benôni Lemos; revisão de João Bosco de Lavor Medeiros]. São Paulo-Sp: Edições Paulinas, 1981

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MORAES, Dax. TRADIÇÃO E TRANSFORMAÇÃO: A Torah como fundamento do mundo em Fílon de Alexandria Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/lable/revistametanoia_material_revisto/revista06/texto01_filondealexandria_filosofia_teologia.pdf Acessado em 19/09/16.

Os pré-socráticos: fragmentos, doxografia e comentários / seleção de textos e supervisão José Cavalcante de Souza; dados biográficos Remberto Francisco Kuhnen: traduções José Cavalcante de Souza, Anna Lia Amaral de Almeida Prado. – 4ª ed.- São Paulo: Nova Cultural (1989). – (Os pensadores)

PACKER, J. J.; TENNEY, Merril C.; WHITE JR, William. O mundo do antigo testamento completo. São Paulo: Vida, 2002. Disponível em: http://pt.calameo.com/read/000386169d6b2475635d0 Acessado em:

Pastor, A.F. A Lógica Do Inefável. Coleção Fé e Realidade. Tradução Luciano Campos Lavall. Edições Loyola, São Paulo – SP 1989.

SPROUL, R. C. (Robert Charles), 1939- Filosofia para iniciantes/ R. C. Sproul; tradução Hans Udo Fuchs. –São Paulo: Vida Nova, 2002.

UCAM, Universidade Candido Mendes. Material Didático- Religiões Mundiais. Instituto Prominas, 2010.

Bibliografia complementar:

UCAM, Universidade Candido Mendes. Material Didático- Tópicos de Filosofia. Instituto Prominas, 2010.

Universidade Candido Mendes. Material Didático- Filosofia e Sociologia da Religião. Instituto Prominas, 2010.

Universidade Candido Mendes. Material Didático- História das Religiões. Instituto Prominas, 2010.

Marcelo Junio Silva
Enviado por Marcelo Junio Silva em 04/07/2017
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