O ECLESIASTES E O MUNDO DOS MORTOS

"Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa alguma; não têm jamais recompensa, mas a sua memória ficou entregue ao esquecimento. O seu amor, o seu ódio e a sua inveja já pereceram; já não têm parte em coisa alguma do que se faz debaixo do sol." Eclesiastes 9:5-6

Os mortalistas costumam utilizar essa passagem para provar que a crença na imortalidade não existia entre os hebreus.

Entretanto, autor de Eclesiastes compartilhava, assim como todos os semitas, da ideia de que os mortos, bons ou maus, iriam habitar uma região espiritual debaixo da terra denominada em hebraico de Xeol.

Na concepção semita o mundo era dividido em três regiões:

1- Os Céus: morada de Deus e dos anjos para os hebreus ou dos deuses para os semitas politeístas.

2- A superfície da terra: morada dos homens;

3- O submundo: região debaixo da terra onde moravam os espíritos dos mortos e também os deuses do mundo inferior para os politeístas.

Os semitas mesopotâmicos como os acadianos, denominavam esse submundo de Arallu, os cananeus, também semitas, identificavam essa terra dos mortos com o nome do deus da morte “Mot”.

Essa vida num mundo espiritual debaixo da terra não era uma existência desejável já que, segundo acreditavam, os mortos, de uma maneira geral, não recebiam recompensa nem punição [1] e vagavam como uma espécie de sombra, sem o contato frequente com os vivos e sem os prazeres da vida corpórea então, ter uma vida longa era a maior benção que um mortal poderia ter.

Daí o pessimismo que muitos textos do antigo testamento demonstram pelo post-mortem, levando muitos estudiosos a negarem errôneamente a crença na vida imortal da alma nesses documentos.

Logicamente que esse pessimismo não era generalizado, havendo variações de região para região entre os diversos grupos semitas e hebreus e também devido à influência de outros agrupamentos étnicos [2].

Sendo assim, a passagem que encima o artigo quer dizer na verdade o seguinte, de acordo com as crenças na época em que o Eclesiastes foi escrito:

Os vivos sabem que um dia irão para o Xeol, mas, os espíritos dos mortos no Xeol não participavam mais dos prazeres e alegrias do mundo físico, não sofrem nem são felizes. Com o tempo a lembrança de sua memória ficará no esquecimento. O que eles amavam, odiavam ou invejavam já passaram e não se preocupam mais pelo que se passa no mundo dos vivos, quer dizer, na superfície da terra ou como diz o texto “debaixo do sol”.

[1] Exceção feita para o Hades, que era como os gregos chamavam o submundo, esse lugar dividia-se em dois compartimentos: O Tártaro, local de punição para os maus e os Campos Elíseos, identificado com o paraíso, para os bons. O vocábulo Hades aparece varias vezes no novo Testamento.

[2] É o que se verifica, por exemplo, no livro eclesiástico 46:23, pertencente à Bíblia Católica, quando o autor referindo-se ao espírito do profeta Samuel diz: “Depois disto Samuel morreu e apareceu ao rei (Saul), e predisse-lhe o fim da sua vida e levantou a sua voz de ‘debaixo da terra’, profetizando, para destruir a impiedade do povo.” E também quando a pitonisa vê Samuel e afirma a Saul que ele subiu da terra 1 Samuel 28: 13-14.